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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva está cada vez mais parecido com Ernesto. Não falo de Guevara, o guerrilheiro argentino que virou estampa de camiseta e imã de geladeira. Por ironia, ainda vamos pensar assim, Lula emergiu como um líder sindical de dimensões nacionais justamente quando Geisel era o ditador de turno.
O então sindicalista dizia lutar contra tudo e todos que estavam no poder. Mas Lula emula a imagem de seu suposto antagonista original: Ernesto Geisel.
Em 1977, Geisel disse que a crise com os Estados Unidos era algo inevitável, pois ele “não podia sujeitar o Brasil à interferência externa”. Hoje, quase meio século depois, a frase está na boca de Lula e de muita gente que acredita que o presidente está defendendo a soberania do Brasil.
Se qualquer jornal estampar uma manchete com a foto do presidente Lula e a frase de Geisel, 100% dos leitores lerão como algo atual. E não seria um erro. Afinal, os extremos se tocam atrás do mesmo biombo.
Lá nos anos de 1970, o Brasil dos militares passou a almejar sua bomba atômica. Sonho esse que ainda embala muitos na caserna e fora dela. Basta lembrar que o país se recusou por anos a assinar o Acordo de Não-proliferação Nuclear patrocinado pelos Estados Unidos e pela então União Soviética.
Os militares brasileiros não aceitavam não ter a bomba. Embora jurassem o desenvolvimento de um programa com fins pacíficos, todos sabiam que eles estavam com os dedos cruzados.
Geisel se identificou com a China de Mao, que também resistiu ao acordo. Em 1974 estabeleceu relações com os chineses e em seguida reconheceu a independência de países africanos metidos em guerras fratricidas e autodeclarados comunistas. Como se não bastasse, juntou-se aos países árabes – que atuavam por procuração para a URSS – em uma resolução que definiu o sionismo como sinônimo de racismo e classificou Israel como genocida.
É verdade que Washington já vinha namorando com Pequim com o objetivo de aprofundar as divisões dos chineses com os soviéticos a fim de impedir que os comunistas se entendessem e se fortalecessem como bloco naquele contexto de Guerra Fria. Mas a aproximação, supostamente controlada, dos americanos divergia, em muito, dos planos do Brasil.
Nuclearização em nome de soberania. Em 1976, os EUA apertaram os cintos: embargaram a venda de armamentos ao Brasil e começaram a falar grosso sobre direitos humanos. Geisel respondeu como se esperava e denunciou “ingerência externa”. O bom e velho “o Brasil é dos brasileiros”. Voltamos no tempo ou Lula e Geisel são siameses?
Tanto em 1976 quanto hoje as mazelas institucionais brasileiras – sempre acompanhadas de tortura, censura, prisões arbitrárias e, agora, tornozeleiras eletrônicas – servem de pretexto para pressionar o Brasil
Agora saltemos algumas décadas. Lula, em seus três mandatos, fez de sua política externa uma extensão da de Geisel. Em seus movimentos mais recentes, não resta dúvida de como reproduz o ditador.
Quando pegou o avião para Pequim e voltou recitando mantras sobre desdolarização, BRICS como novo motor do mundo multipolar, o brasileiro faz suas juras de amor ao plano da China.
Por tabela, Lula abraçou o Hamas, o Irã, Putin e suas ambições imperiais com a convicção de que o Brasil, coitado, anda sendo atrapalhado por americanos metidos a xerifes do mundo. Como bem disse Geisel, ele “não podia sujeitar o Brasil à interferência externa”.
A crise mais recente é uma reedição do passado: Alexandre de Moraes, ministro do Supremo, foi sancionado pelos EUA sob a Lei Magnitsky por violações de direitos humanos.
A reação do Planalto e seus satélites foi instantânea: “É um ataque à soberania brasileira!”. O curioso, entretanto, é que embora os direitos humanos tenham sido a porta de entrada das sanções, o que pegou mesmo é o fato de Lula ter transformado o Brasil em um entreposto chinês com o objetivo deliberado de minar a influência dos Estados Unidos.
Trata-se de uma escolha soberana de Lula. Ok. Mas uma escolha que tem consequências. E mais do que isso. Será que a motivação de Lula de fato coincide com os interesses soberanos do Brasil? Com certeza, a conta imediata da escolha de Lula não vale a pena. Mas será que os resultados previstos valerão?
Geisel endividou o Brasil com os empréstimos que financiaram seu “milagre” econômico e nos empurraram para o abismo da década perdida. Lula, por sua vez, vai atando o Brasil a acordos estruturais com os chineses que comprometem o futuro estratégico do país por décadas. O vício é o mesmo: gastar hoje e deixar a conta para depois. De novo, tudo em nome da tal soberania.
E então vem a ironia final: o mesmo governo que grita contra a ingerência externa entrega portos, linhas de transmissão e geração de energia e redes de 5G à China. Faz juras de amor a Xi Jinping, trata Huawei como empresa amiga e promete um futuro digital gerenciado por Pequim. Soberania? Só se for para disfarçar a troca de colonizador.
É aí que está o ponto cego. O Brasil vive repetindo os mesmos erros porque seus líderes confundem independência com isolamento, e estratégia com orgulho. No fundo, Geisel e Lula compartilham uma visão inflada do Brasil: um país que deveria ser potência, mas que vive tropeçando na própria megalomania.
Ao adotar um discurso nacionalista para justificar alianças com autocracias, Lula revive a diplomacia de Geisel e arrasta o Brasil para uma dependência disfarçada de independência.





