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Cinco grandes eventos do século XX fazem aniversário na próxima semana. Esparsos no tempo, eles podem parecer isolados, mas estão muito mais entrelaçados do que pode parecer. No dia 17 de julho de 1918, há 105 anos, a família imperial russa, os Romanov, foi executada pelos bolcheviques. O czar Nicolau II, sua mulher Alexandra e seus cinco filhos foram fuzilados. Seus corpos foram queimados e os restos enterrados em várias partes do país, para que ninguém sequer pudesse um dia recuperá-los.
Os Romanov já estavam apeados do poder desde o ano anterior e estavam em prisão domiciliar. Os comunistas enfrentavam uma resistência atroz nas ruas, com uma guerra civil que tentava barrar a revolução e restaurar a monarquia. Vencer, portanto, não bastava. Era preciso varrer fisicamente para afastar qualquer risco à tomada de poder. Receita muito comum até os dias de hoje, vale ressaltar. O que veio depois das execuções todos nós já sabemos. Os bolcheviques ganharam a parada e expandiram a revolução fundando a União Soviética, que abocanharia gulosamente todos os países ao redor.
Há 98 anos, em um 18 de julho, Adolf Hitler viu seu livro “Mein Kampf” chegar às livrarias da Alemanha. Com uma mistura de autobiografia e ideias políticas fundadoras do nazismo, Hitler expressava seu racismo, antissemitismo e o ingrediente principal do seu sucesso nos anos seguintes, a tese do “espaço vital” – que justificou o expansionismo alemão como condição para a sobrevivência da raça ariana. Para isso, a Alemanha precisava conter e vencer seus inimigos internos e externos. Os judeus foram listados como os responsáveis pelo apodrecimento do Estado alemão. E o expansionismo da URSS bolchevique — aqueles mesmos caras que mataram o czar — indicava que a Alemanha não escaparia do domínio comunista.
Hitler começou a escrever seu livro na cadeia, onde cumpriu nove meses de uma pena de cinco anos por tentativa de golpe de Estado, em 1923. Com a chegada de Hitler ao poder em 1933, “Mein Kampf”, que era uma obra de vendas marginais, virou um fenômeno brutal para a época. Quase 1 milhão de cópias foram vendidas. É importante ressaltar: vendidas. Depois disso, o Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães, também conhecido como Partido Nazista, passou a fazer uma distribuição massiva da obra. Estima-se que foram mais de 12 milhões de exemplares. “Mein Kampf” não foi o único ingrediente, mas foi por meio dele que muita gente se convenceu a abraçar os ideais que Adolf Hitler pregava. Depois dele, vieram a Segunda Guerra Mundial e o Holocausto. Apenas para citar dois eventos diretos.
Em 1939, com o início da Segunda Guerra, provocada em parte pela reação expansionista de Hitler, que já tinha invadido a Áustria, a Tchecoslováquia e a Polônia, os Estados Unidos ouviram um depoimento aterrador. O gênio Albert Einstein revelou ao então presidente americano Franklin Delano Roosevelt informações consistentes sobre pesquisas nucleares com fins militares que ele havia presenciado na Alemanha. Daquela mensagem, surgiu o ultrassecreto programa Manhattan, que apenas seis anos depois apresentaria ao mundo a primeira bomba nuclear.
No dia 16 de julho de 1945, que neste domingo completa 78 anos, os cientistas do Laboratório Nacional de Los Alamos, no Novo México, realizaram com sucesso a primeira detonação nuclear da história, com um poder de destruição equivalente a uma carga de 18,6 mil toneladas de TNT. Imediatamente deu-se início à montagem da Little Boy e Fat Man, que seriam respectivamente usadas em Hiroshima e Nagasaki em 6 e 9 de agosto de 1945. O conflito mundial terminaria apenas 24 dias depois. Para uns, a guerra já estava no fim. Para outros, ela foi abreviada em meio ao terror nuclear.
O mundo passou a ser redesenhado entre os vencedores. E entre as idas e vindas do pós-guerra, aliados se tornaram competidores. Surge a Guerra Fria. Massacrados pelo nazismo e sob a mira da expansão totalitária soviética, os europeus fundaram a OTAN. Há 74 anos, em 21 de julho, o Senado dos Estados Unidos deu aval para os americanos fazerem parte da aliança. No dia 25 de julho de 1949, o presidente Harry Truman assinou a adesão dos Estados Unidos como membro fundador da OTAN.
Depois, vieram o Pacto de Varsóvia — que foi o revide soviético à OTAN e aumentou algumas notas nas tensões da Guerra Fria — e a corrida espacial. A URSS largou na frente com o primeiro satélite lançado ao espaço, em 1955. O primeiro ser vivo no espaço, em 1957. E os primeiros homens a irem ao espaço, em 1961. Perdendo de goleada, os Estados Unidos enviaram os homens à Lua. No dia 19 de julho de 1969, há 54 anos, Neil Armstrong, Edwin Aldrin e Michael Collins alcançaram a órbita lunar e no dia seguinte Armstrong e Aldrin se tornaram os primeiros seres humanos que caminharam na Lua.
O nazismo acabou, a Guerra Fria também. A corrida espacial foi encerrada com o consórcio soviético-americano, que levou ambas as potências a trabalharem juntas na exploração do espaço. A URSS se esfacelou e o mundo parecia se arrefecido.
Hoje: Vladimir Putin tenta refundar o Império Russo e a invasão da Ucrânia está aí para confirmar. Sob a ameaça do expansionismo russo, há uma nova onda de pedidos de adesão à OTAN. A ameaça nuclear voltou. Há quem seriamente fale em risco de Terceira Guerra Mundial. O nazismo — ainda que sem este nome — voltou a dar as caras, irrigado por extremistas que pegam carona e tentam dominar pautas como a crítica ao caos migratório e defesa da soberania.
O mundo deu voltas e parece que voltamos ao mesmo lugar. Apenas parece. Os atores, as ideias, as crises parecem ser semelhantes. Mas as capacidades e as implicações são imensamente superlativas, complexas e concentradas quando comparadas com as do século passado. Estamos vivendo tudo ao mesmo tempo, agora.