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Leonardo Coutinho

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Donald Trump

Plano de paz: a solução para Gaza seria virar um resort?

Vídeo produzido por inteligência artificial, publicado por Donald Trump em fevereiro de 2025, mostra imagens da proposta de “resort” em Gaza. (Foto: Reprodução/Truth Social/@realDonaldTrump)

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O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, apresentou um plano de paz para Gaza ambicioso e heterodoxo, com o objetivo de virar a página da guerra sem fim entre palestinos e israelenses. Além do óbvio — a exigência da libertação de reféns, o desarmamento do Hamas e o cessar-fogo monitorado — Trump tem um plano de reconstrução que promete transformar a Faixa em vitrine de prosperidade. Na verdade, em um país resort. Parece excêntrico, mas não é que pode ser essa a vocação daquela porção de terra de frente para o Mar Mediterrâneo?

O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, quase sempre relutante a qualquer tipo de acordo com os palestinos, rendeu-se à iniciativa. Muitos veem como um cálculo para recuperar fôlego externo e doméstico depois de quase dois anos de conflito. Muitos países árabes também chancelaram a ideia de uma transição sob o conceito de protetorado e a proposta de reconstrução. Muitos veem uma “Dubai palestina” no horizonte.

Como não existe paz perfeita, essa é a paz possível.

O plano, em 20 pontos, pretende iniciar uma sequência de passos quase imediatos: trocas de prisioneiros, retirada faseada de forças israelenses e a criação de um organismo de tutela, o “Board of Peace”, para administrar a transição.

Com o suporte dos países árabes, sua função será ajudar a domar o Hamas de forma a garantir o fim da guerra e um horizonte político aos palestinos, sem o extremismo terrorista. Parece não haver outra saída para o Hamas a não ser entrar para a história como o pior acontecimento da própria história recente dos palestinos.

A peça mais controversa, porém, não está na arquitetura do cessar-fogo, mas no “pós-guerra”. Desde fevereiro, a narrativa presidencial flerta com a ideia de “reimaginar” Gaza como um grande empreendimento imobiliário, a “Riviera do Oriente Médio”.

Já circula em Washington um prospecto de 38 páginas que descreve um condomínio de grandes obras: limpar toneladas de entulho e munição não detonada, redesenhar bairros, erguer resorts, um pequeno porto e aeroporto, ilhas artificiais e até zonas industriais. O documento fala em tutela por uma década, PPPs, tokens digitais para proprietários e promessas de retorno financeiro privado, com “realocação voluntária” da população durante a reconstrução.

É aqui que a realpolitik mostra seus desafios. Do ponto de vista da segurança, retirar o Hamas do controle territorial não extingue o Hamas como ideologia, rede clandestina e ecossistema de terror. Movimentos desse tipo metabolizam derrotas militares e migram para insurgência, terrorismo remoto e guerra de narrativas.

Transformar Gaza em um lugar habitável e desenvolvido não tem, por si só, o poder de curar feridas e neutralizar o extremismo doentio do Hamas e de seus discípulos. Portanto, a solução para Gaza precisa de algo mais.

A ideia do presidente Trump testará os limites do poder e da narrativa. A concepção de um protetorado funcional, financiado por capitais privados e com a terceirização da segurança, pode seduzir investidores e parte do eleitorado que vê na “paz via prosperidade” uma saída economicamente inteligente, sem custos para os americanos e com o fim da carnificina no Oriente Médio.

Sendo assim, a parte mais complexa do plano de paz não será exatamente a construção do “Estado Resort”. O teste decisivo será a capacidade de manter uma Palestina estabilizada.

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A paz duradoura depende de três engrenagens rodando em harmonia: segurança efetiva contra o terrorismo residual do Hamas e seus súditos; horizonte político que não humilhe os derrotados a ponto de rearmá-los; e uma reconstrução voltada ao bem-estar do povo, de maneira que possam ter, enfim, vidas normais

Gaza como “Estado Resort” pode soar para muitos como despeitoso ou banal, pois parece pensar apenas no potencial turístico de seu litoral, sol e gastronomia. Mas não é isso.

O povo que vive em Gaza precisa tirar proveito do que sua terra pode oferecer de melhor. É inegável que o turismo é o caminho da prosperidade dos palestinos em uma nova vida sobre o que hoje são escombros, terrorismo, violência e guerra.

Se Trump conseguir arrancar do Hamas o que nenhum outro ator conseguiu — armas, reféns e o terrorismo como opção política — e costurar com os vizinhos uma transição factível, o Oriente Médio encontrará um caminho para uma pausa duradoura após décadas de guerras. Se a proposta não vingar, Gaza seguirá como escombros.

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