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No início da manhã de sábado, 22 de novembro, a Polícia Federal cumpriu determinação de Alexandre de Moraes e prendeu preventivamente Jair Bolsonaro. O aprisionamento não ocorre na Ação Penal 2.668/DF, em que o ex-presidente foi condenado por seu envolvimento na suposta tentativa golpista. A decisão foi proferida na Petição 14.129, em que se investiga se Jair Bolsonaro teria praticado os crimes de coação no curso do processo, obstrução de investigação de delito relacionado a organização criminosa e abolição do Estado Democrático.
A Petição 14.129 se relaciona com o Inquérito 4.995/DF, em que Eduardo Bolsonaro é investigado pelos mesmos crimes, os quais teriam sido cometidos pelo deputado ao se aproximar do governo norte-americano, levando-o a aplicar tarifas a produtos brasileiros.
Como a atuação de Eduardo Bolsonaro teria o objetivo de beneficiar seu pai, atrapalhando o prosseguimento da Ação Penal 2.668/DF, Alexandre de Moraes aplicou medidas cautelares contra o ex-presidente, proibindo-o de usar as redes sociais e de se aproximar de embaixadas. Na mesma decisão, proferida em 17 de julho, ordenou o uso de tornozeleira eletrônica e a busca e apreensão de computadores, celulares e tablets de Jair Bolsonaro.
Em 4 de agosto, Alexandre de Moraes entendeu que o ex-presidente violara as medidas cautelares. Os contatos realizados com Flávio Bolsonaro e com o deputado federal Nikolas Ferreira, nos atos convocados em favor da anistia dos condenados pelo 8 de janeiro, caracterizariam desrespeito às medidas cautelares, já que Jair Bolsonaro estava proibido de usar as redes sociais. Moraes determinou, então, a prisão domiciliar do ex-presidente. Na madrugada de sábado, dando mais um passo na escala sancionatória, o ministro ordenou que Bolsonaro fosse preso preventivamente.
Além da ilegalidade – se não há fundamento para o decreto preventivo, a prisão é ilegal! – a decisão de Moraes considera ilícita uma vigília de orações, em favor de Jair Bolsonaro, que nem mesmo ocorreu. A um só tempo, Moraes violou as liberdades fundamentais de culto, de expressão e de locomoção
A prisão preventiva está prevista no Código de Processo Penal. De acordo com o artigo 312, será cabível quando houver prova do crime, indício de autoria e a liberdade do incriminado puser em risco a ordem pública ou a ordem econômica, o andamento da instrução probatória e a aplicação da lei penal. No §1º do artigo 312, o código autoriza a prisão preventiva quando forem descumpridas medidas cautelares. O §2º, por sua vez, adverte que a decisão deve se fundamentar em fatos caracterizadores do perigo ocasionado pela liberdade do imputado.
Na sequência, o artigo 313 especifica hipóteses de cabimento da prisão provisória. Assim, ela poderá ser decretada nos crimes intencionais cuja pena seja superior a quatro anos; nas hipóteses em que o imputado já tiver sido condenado, mediante sentença definitiva, por outro crime intencional; e se o crime envolver violência contra mulheres, crianças, idosos, doentes ou deficientes, a fim de assegurar o cumprimento das medidas protetivas.
O artigo 313, §1º, admite a prisão preventiva quando houver dúvida acerca da identidade. Por fim, o §2º proíbe expressamente a aplicação da prisão preventiva como cumprimento antecipado da pena e como consequência imediata da investigação criminal ou da apresentação ou recebimento da denúncia. Não basta ser investigado ou denunciado para ser preso preventivamente. É imprescindível que a liberdade ofereça risco concreto à sociedade.
Trata-se de prisão antes da condenação do investigado. Deve haver motivos seríssimos para que alguém seja privado de sua liberdade antes da condenação criminal. A medida, portanto, é excepcional. Sua excepcionalidade é afirmada e reafirmada em várias decisões do Supremo Tribunal Federal, de que é exemplo o Agravo Regimental na Ação Penal n. 1864, recurso relatado por Alexandre de Moraes.
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Antes de analisar se havia circunstâncias que permitiam a prisão preventiva, é preciso deixar claro que as medidas cautelares eram injustificadas. Jair Bolsonaro foi implicado na Petição 14.129 após a aplicação das sanções comerciais dos Estados Unidos contra o Brasil. Ocorre que o ex-presidente não realizou qualquer movimento nesse sentido. A individualidade das penas é um princípio universal do direito criminal, previsto no art. 5º, inciso XLV, da Constituição. Ninguém pode responder pelos crimes de outra pessoa. A mobilização de Eduardo Bolsonaro, portanto, não pode ser imputada ao pai.
Não bastasse o descabimento das medidas cautelares, não há dúvida de que eram excessivamente gravosas. Jair Bolsonaro foi proibido de usar as redes sociais, restrição que viola a liberdade de expressão e que, quando aplicada a uma figura pública, assemelha-se à morte civil, instituto típico de regimes absolutistas.
Ainda mais violenta e inoportuna foi a decretação da prisão domiciliar. Declarações do ex-presidente já não podiam ser retransmitidas por terceiros, ainda que fossem extraídas de entrevistas. Isso foi expressamente afirmado por Moraes em decisão prolatada em 21 de julho, na Ação Penal 2.668. Na prática, portanto, Jair Bolsonaro não podia ser entrevistado. O contato com terceiros dependia de autorização do Supremo Tribunal Federal, o ex-presidente usava tornozeleira eletrônica, estava proibido de utilizar telefones celulares e uma unidade policial fora destacada para vigiar a sua casa.
Os movimentos de Jair Bolsonaro estavam tolhidos. A severidade das medidas cautelares impedia que ele pudesse causar perigo à ordem pública ou atrapalhar o curso das investigações, instauradas – nunca será demais repetir – por conta de atos praticados por seu filho Eduardo. Nesse cenário, sobreveio a prisão preventiva.
Consta na decisão que, à 00h08min do dia 22 de novembro, teria havido violação da tornozeleira eletrônica. Com uma celeridade impressionante, às 1h25min o procurador-geral da República se pronunciou, não se opondo à prisão preventiva. O conteúdo da manifestação de Paulo Gonet já não surpreende. Causa perplexidade, isso sim, o horário de todo incomum em que ela foi exarada. A sociedade aguarda, ansiosa, explicações sobre tão extraordinária rotina e capacidade de trabalho. A ansiedade se justifica: a velocidade do procurador-geral, na análise do caso, contrasta agudamente com a quase apatia com que recebeu as perguntas ásperas que lhe foram dirigidas na sabatina do Senado, recentemente realizada, que culminou com a sua recondução.
Houve violação da tornozeleira? Já no sábado a imprensa divulgou um vídeo no qual o ex-presidente, com voz débil, confessa aos agentes de monitoramento ter utilizado uma solda contra o dispositivo. Ocorre que isso, no caso concreto, não basta para a decretação da prisão preventiva. Considerada a vigilância permanente de seus movimentos, acompanhados presencialmente por agentes policiais, não havia possibilidade de fuga. O STF, a propósito, entende que a “presunção de fuga” não justifica a prisão preventiva, como se vê no Habeas Corpus 127.186, no qual são referidos vários outros julgados no mesmo sentido.
A decisão menciona a violação da tornozeleira, mas acrescenta outro fato para justificar a prisão: Flávio Bolsonaro convocara uma vigília pela saúde de seu pai, a qual ocorreria no sábado, 22 de novembro, às 19h, nas proximidades da residência do ex-presidente. Moraes define a reunião que não aconteceu como ilícita, afirmando que ela poria em risco a efetividade da prisão domiciliar. De novo: a presunção de fuga, de acordo com a jurisprudência do STF, não autoriza a prisão preventiva. Considerando a vigilância presencial, não havia como o ex-presidente escapar do aprisionamento domiciliar.
Nos dois casos citados por Moraes para fundamentar a medida – HC 112.753 e HC 130.507 – os imputados haviam fugido do “distrito da culpa”. Houve fuga concreta, não a mera hipótese de que ela viesse a ocorrer. Acontece que Jair Bolsonaro não somente não fugiu, como não tinha como fugir.
Talvez ciente da fragilidade da fundamentação, Moraes agrega outro elemento, ao mencionar que Eduardo Bolsonaro, Carla Zambelli e Alexandre Ramagem “se valeram da estratégia de evasão do território nacional”. Ora, aplica-se aqui o já mencionado artigo 5º, inciso XLV, da Constituição: as penas são individuais, não sendo dado a ninguém responder pelas condutas de outrem. É impressionante que Moraes faça pouco caso dessa garantia fundamental.
Como visto, a impossibilidade concreta de fuga já seria suficiente para que não houvesse o decreto prisional. É certo, ainda, que a prisão preventiva também deveria apresentar os indícios de autoria. Nada consta nesse sentido e nem poderia constar: se alguém diligenciou junto ao governo norte-americano para que o Brasil fosse sancionado, foi Eduardo Bolsonaro, não seu pai. O ex-presidente foi arrastado para a investigação, embora não haja qualquer indício de que tenha atuado com vistas a que o Brasil fosse sancionado com tarifas. Tampouco existe qualquer precedente a afirmar que tarifas comerciais, soberanamente aplicadas por nação estrangeira, possam caracterizar crime de coação no curso do processo ou de obstrução de investigação.
Além da ilegalidade – se não há fundamento para o decreto preventivo, a prisão é ilegal! – a decisão de Moraes considera ilícita uma vigília de orações, em favor de Jair Bolsonaro, que nem mesmo ocorreu. A um só tempo, Moraes violou as liberdades fundamentais de culto, de expressão e de locomoção – art. 5º, incs. VI, IX e XV, da Constituição.
A violação da lei e das garantias constitucionais, pelo órgão máximo do Judiciário brasileiro, tem sido uma constante: censura; inquérito aberto de ofício, em usurpação da competência do Ministério Público; penas desproporcionais; confusão entre as posições de vítima, acusador e juiz; intimação de estrangeiro pela plataforma X; ataques à esfera patrimonial de terceiros... Tudo isso feito em nome da democracia, como se a violação do Direito, pelo tribunal de cúpula, não fosse uma das mais gritantes expressões antidemocráticas. A prisão preventiva de Bolsonaro, nesse contexto, é só mais um prego no caixão do Estado de Direito. Tem sido ensurdecedor o silêncio da academia e das entidades jurídicas de classe perante a espiral crescentemente autoritária do STF. Até quando?
Ricardo Alexandre da Silva, bacharel em Direito, mestre e doutor em Processo Civil, é membro e Fundador da Lexum.
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Nota: A Lexum não adota posições específicas sobre questões jurídicas ou de políticas públicas. Qualquer opinião expressa é de responsabilidade exclusiva do autor. Estamos abertos a receber respostas e debates sobre as opiniões aqui apresentadas.
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos




