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O futuro da Amazônia não está na bioeconomia, mas na economia do conhecimento baseada no investimento em pesquisa científica e tecnologia, chave para a implantação de uma economia moderna na região, que permita aos amazônidas um salto qualitativo nos seus níveis de vida em geral.
Para eles, as discussões relevantes, ao contrário das que ocorrem fora da região e pretendem monopolizar as “soluções” para o seu desenvolvimento, envolvem problemas reais como saúde, educação, infraestrutura e renda, que importam bem mais do que a proteção do meio ambiente.
Essa foi a essência dos ensinamentos proporcionados por um dos maiores empresários da Amazônia, Denis Minev, executivo-chefe da rede de departamentos Bemol, a maior da Região Norte, em uma entrevista ao jornal O Globo de 18 de novembro.
Minev está em contraste com a constelação de palpiteiros de outras regiões e países que se arvoram em influenciadores das políticas econômicas e de desenvolvimento para a Amazônia
Ele é um profundo conhecedor das necessidades e potencialidades reais da região e seus habitantes. Por isso, está engajado no que considera a missão de “tentar casar essa necessidade que o mundo tem de discutir a Amazônia no campo ambiental com a necessidade que a Amazônia tem de encontrar seu rumo a caminho da prosperidade”, como afirmou em outra entrevista, ao jornal O Estado de S. Paulo de 2 de setembro.
Minev não fica apenas na palavra. Apoia 33 startups que desenvolvem soluções tecnológicas para os problemas da região. Uma delas está desenvolvendo um hovercraft, veículo que se desloca sobre um colchão de ar e pode navegar em águas rasas ou até mesmo sobre a lama, algo fundamental nos períodos de seca intensa como o atual, que dificultam o acesso às estruturas portuárias e de atracação nos rios da região. Igualmente, apoia a empresa AeroRiver no projeto de outro barco voador baseado num conceito diferente, o dos ecranoplanos, desenvolvido na antiga União Soviética para aproveitar o chamado efeito solo, um colchão de ar que se forma sob as asas da aeronave e lhe fornece a sustentação necessária para o voo a poucos metros acima da superfície da água.
Também atua na área de crédito, por meio da UME, surgida da Bemol e criada por professores da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), a qual emprega inteligência artificial para prever risco de crédito com clientes de baixo volume de informações. Usando o modelo, a Bemol fez empréstimos a 3,5 milhões de clientes (quase metade da população da Amazônia Ocidental). A empresa faz empréstimos de R$150 a qualquer cliente, com a expectativa de que a terceira parte deles não será ressarcida, mas visando a construir um relacionamento com os restantes. E a empresa nem cobra dívidas abaixo de R$300. Segundo Minev, em pouco tempo, alguns clientes já estão pagando R$25 mil em créditos.
Na área da bioeconomia, ele apoia uma farmacêutica que desenvolveu um anti-inflamatório a partir do urucum, cujo faturamento atual é de R$500 mil mensais.
Na entrevista ao jornal carioca, ele afirmou: “Precisamos de ciência e tecnologia, de desenvolver cérebros na região. O que faz uma cidade próspera é cérebro, não tem nada que ver com os arredores. A Amazônia não precisa se restringir à bioeconomia. Eu tiraria o bio da frente. Vamos falar de economia e como os povos se desenvolvem. Gente educada, ganhando dinheiro, tem mais consciência ambiental, vota melhor. Na Amazônia, o que faz um empreendedor que não tem capital de giro? Encontra um pedaço de floresta, corta aquelas árvores, faz algum dinheiro, taca fogo no resto, planta capim e compra umas cabeças de gado.”
Uma jornalista surpreendida, Mariana Barbosa, perguntou se a preocupação ambiental não é uma pauta que sensibiliza o amazonense. A resposta veio com franqueza:
“Sabe o que foi discutido aqui nas últimas eleições? O mesmo que em São Paulo: saúde, educação, renda, transporte. Meio ambiente não é um tema que os amazônicos acham relevante. Acho que os paulistas até têm consciência da importância da Mata Atlântica, mas ninguém vota por causa da Mata Atlântica. Nem em São Paulo, nem em Nova York ou Londres.”
A mesma franqueza com que respondeu à pergunta sobre a falta de policiamento para combater o desmatamento na região:
“Você pode tentar combater com polícia e Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis], que certamente têm a sua importância. Mas você só vai dissolver o problema quando a população local começar a ganhar dinheiro com outras atividades, que pode ser replantando floresta, nos programas de rematamento. Prefiro falar em rematamento. O termo reflorestamento está muito polarizado.”
Um assunto que não poderia faltar era o asfaltamento da rodovia BR-319 (Manaus-Porto Velho). Minev foi certeiro e exemplificou com a sua experiência empresarial:
“Sou a favor. Neste momento, deve ter umas cinco carretas minhas na estrada. Elas chegam sempre quebradas e eu gasto uma fortuna de manutenção. A realidade é que apesar de um trecho ainda ser de barro, a rodovia já funciona. Existem 200 mil pessoas vivendo ao longo da estrada. E precisamos de uma alternativa ao Rio Madeira, um rio notoriamente difícil de navegar – há muitos detritos, profundidade limitada em trechos e muitos pedrais que causam gargalos. Durante a seca, fica quase intransitável, alongando as viagens de cinco para nove dias. A BR-319 tem o propósito singular de conectar cidades, não de popular o território. Há outras três vias saindo de Manaus, nenhuma causadora de desmatamento, com o mesmo propósito: para Boa Vista, para Itacoatiara e para Manuacapuro. É diferente da Transamazônica (Cuiabá-Porto Velho) ou a BR-163 (Cuiabá-Santarém). Creio que o Brasil é capaz de criar uma rodovia de 885 km com proteção. Dois a três postos policiais apoiados por inteligência e satélites seriam suficientes. Mas o Brasil é um país onde todo mundo consegue dar o veto, fazer coisa e ninguém consegue.”
Da mesma forma, ele apresentou sua visão sobre a exploração de petróleo na costa do Amapá:
“Vamos lá: o único lugar que a gente está olhando para investir nos próximos anos a partir de Manaus é a Guiana. Tem uma estrada, em 24 horas eu estou lá. A partir de Manaus, a gente está incrivelmente bem posicionado para suprir a demanda da Guiana. O que está acontecendo lá não é normal. Eles estão produzindo hoje 500 mil barris por dia. É um país de 800 mil pessoas. A taxa per capita é maior do que a Arábia Saudita ou qualquer outro país no Oriente Médio. Na Arábia Saudita é meio barril por dia per capita. A Guiana passou e só vai parar em torno de 1,5 milhão por dia, então vai ser dois barris de petróleo por dia per capita. Se continuar assim, pelas minhas contas, vai ser o país mais rico do mundo per capita. Claro que tem um monte de ‘se’, tudo pode acontecer, podem roubar, se Venezuela invadir acaba a festa. Ainda assim, é muito dinheiro. A Guiana tem uma população parecida com a do Amapá. E antes do petróleo tinha uma renda per capita parecida com a do Amapá. E eu diria que me parece incrivelmente injusto que o motivo que a Guiana vai ficar rica, e o Amapá, não, é que o Amapá faz parte do Brasil. Se não fizesse, ia ficar rico.”
Sem dúvida, os tecnocratas de ar condicionado do Ibama e os “defensores da Amazônia” que pensam como eles fariam muito bem em conversar com Denis Minev e outros amazônidas com os pés no mundo real.
Conteúdo editado por: Aline Menezes