Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
Lorenzo Carrasco

Lorenzo Carrasco

Eletricidade

A enganosa “transição energética” da China

China tem ampliado a disponibilidade da sua principal fonte geradora, as usinas termelétricas a carvão. (Foto: Imagem criada usando ChatGPT/ Gazeta do Povo)

Ouça este conteúdo

Para os entusiasmados defensores da descarbonização da economia mundial e de palavras de ordem enganosas como “transição energética”, a China tem sido apontada como um caso de expansão rápida das chamadas energias “limpas”, em especial, as fontes eólicas e solares.

De fato, a China tem expandido rapidamente a geração de eletricidade com fazendas eólicas e solares e domina o mercado mundial de equipamentos e matérias-primas para ambos os segmentos. Entretanto, ao mesmo tempo, tem ampliado a disponibilidade da sua principal fonte geradora, as usinas termelétricas a carvão, como mostram os dados.

Em 2010, segundo diversas fontes, as usinas termelétricas a carvão tinham uma capacidade instalada aproximada de 700 gigawatts (GW), contra 30 GW de eólicas e apenas 0,2 GW de fazendas solares fotovoltaicas. No final de 2024, as eólicas e solares saltaram, respectivamente, para 521 GW e 887 GW, enquanto as termelétricas a carvão apenas duplicaram a sua capacidade, para 1400 GW. Em tese, as fontes “limpas” favoritas dos ambientalistas praticamente se equiparam ao carvão, mas, na prática, a história é outra.

Quando se leva em conta a energia efetivamente produzida, medida em terawatts-hora (TWh), os números estimados para 2025 são: termelétricas a carvão – 6.000 TWh; eólicas – 1.000 TWh; solares – 1.073 TWh.

Ou seja, as termelétricas respondem por nada menos que três vezes a produção das eólicas e solares, pelo motivo óbvio de que estas são fontes intermitentes, enquanto as termelétricas operam continuamente na chamada geração de base, que não pode faltar.

"A República Popular da China está usando tecnologias verdes como ferramenta geopolítica"

Um oportuno artigo publicado em 28 de outubro no imprescindível sítio alemão Blackout News (“A transição energética da China – fachada verde e realidade escura”) oferece algumas considerações bastante relevantes a respeito. O texto adverte:

“A Europa olha para o Leste com fascínio. Nenhum país está conduzindo sua transição energética tão rapidamente quanto a China. O governo se apresenta como um exemplo primordial de política climática moderna. Mas a realidade conta uma história diferente: por trás da fachada reluzente de painéis solares, esconde-se um renascimento da energia a carvão. O suposto progresso revela uma realidade na qual os interesses econômicos parecem mais importantes do que as ambiciosas metas climáticas. Essa discrepância molda a imagem de uma República Popular que aparenta ser verde – mas respira profundamente negra.

“Na mídia europeia, a transformação energética da China é considerada um exemplo primordial. De acordo com dados da Agência Internacional de Energia (AIE), a capacidade instalada de energias renováveis ​​ultrapassou 2.100 gigawatts – um recorde impressionante. Mas, enquanto a transição energética é celebrada no Ocidente, bilhões continuam a fluir para novos projetos de energia a carvão na República Popular. A realidade mostra que a ascensão da energia verde na China caminha lado a lado com a expansão dos combustíveis fósseis. (...)

“Oficialmente, Pequim almeja a neutralidade climática até 2060. No entanto, após os apagões de 2021, a segurança do abastecimento tornou-se a prioridade. O governo respondeu com novos projetos de usinas termelétricas a carvão. De acordo com uma análise do Centro de Pesquisa em Energia e Ar Limpo (CREA), os combustíveis fósseis continuam a dominar. A transição energética está desacelerando, apesar dos programas políticos sugerirem o contrário.”

Adiante, o artigo toca numa questão crucial:

“A República Popular da China está usando tecnologias verdes como ferramenta geopolítica. Mais de 80% dos painéis solares do mundo são produzidos na China. Essa dominância fortalece a influência da China e enfraquece a indústria ocidental. Ao mesmo tempo, essa superprodução prejudica as estratégias de transição energética de outros países. (...)”

E observa a realidade de que o capitalismo com características chinesas não está imune aos problemas especulativos que costumam acometer a sua contraparte ocidental: “As cinco maiores empresas de energia solar da China agora relatam bilhões em prejuízos. A supercapacidade e a queda dos preços ameaçam os fabricantes ocidentais. Assim, a transição energética global está levando a uma nova dependência: o silício, e não o petróleo, que agora determina o equilíbrio de poder.”

O artigo conclui com uma importante chamada de atenção: “A transformação energética da China é emblemática da tensão entre ambição e realidade. A República Popular demonstra força tecnológica, enquanto, simultaneamente, consolida a energia a carvão como a espinha dorsal de sua política energética. Essa realidade permanece incômoda, mas reflete o estado das metas climáticas globais: ambiciosas no papel, contraditórias na prática.”

No Brasil, onde a rápida expansão das fontes eólicas e solares tem se aproveitado de uma combinação de subsídios generosos (e inadequados) com o barateamento dos equipamentos produzidos na China, é da maior relevância que se preste atenção ao que acontece no gigante asiático.

VEJA TAMBÉM:

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.