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Desde que assumiram os seus cargos, as ministras do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, e dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, já acumularam meses fora do Brasil, participando de uma série de eventos que, em grande medida, denotam a extensão em que as atividades das respectivas pastas são influenciadas por agendas internacionais. Na jornada mais recente, estiveram em Londres para participar da Semana de Ação Climática (Climate Action Week – 21-29 de junho), um dos incontáveis convescotes globais engajados no empenho de viabilizar as “finanças climáticas”, esta bizarra combinação de instrumento de influência neocolonial e boia salva-vidas do sistema financeiro internacional ameaçado pelos excessos hiperespeculativos.
Na capital do Reino Unido, um dos principais núcleos de difusão da ideologia ambientalista-indigenista, a dupla participou da mesa redonda “Guardiões da Natureza: Rumo à COP30 e Além”, organizada pela Royal Foundation, fundação criada pelos príncipes William e Harry para promover iniciativas ligadas a “desafios societários críticos”, entre eles a conservação da natureza, tema historicamente ligado à Casa de Windsor, uma das cocriadoras do movimento “verde”.
Na oportunidade, Marina se reuniu com o rei Charles III e o príncipe herdeiro William, para discutir a agenda climática, os avanços do Brasil no combate ao desmatamento e a agenda da conferência climática COP30, em novembro. Em entrevista à CNN Brasil (29/06/2025), ela afirmou que a reunião proporcionou o alinhamento das pautas do governo brasileiro, a Monarquia britânica e lideranças internacionais comprometidas com o combate às mudanças climáticas e a transição energética.
“Foi muito interessante ver que o rei Charles tem clareza sobre a importância dos investimentos sustentáveis e da construção de laços de confiança e compromissos entre investidores e projetos ambientais”, disse ela.
Segundo ela, o monarca elogiou o trabalho do governo Lula na preparação da conferência de Belém: “O rei disse que reconhece o quanto está sendo importante o esforço que Lula está fazendo para que a COP30 seja um sucesso em benefício do equilíbrio do planeta e da humanidade e foi uma conversa de reconhecimento também dos resultados que o Brasil está alcançando na agenda de combate ao desmatamento, de proteção das florestas brasileiras.”
Marina disse também que Lula convidou Charles para vir à conferência, mas o monarca ainda não confirmou a presença, embora seja possível que a Casa de Windsor seja representada por William.
Como se percebe, tudo gira em torno do vil metal
Na reunião com William e empresários e investidores, foram discutidas estratégias de financiamento climático e o papel do Brasil na agenda global da “descarbonização” da economia, com base no Plano de Transformação Ecológica, com o qual o governo Lula pretende alavancar o País como uma “potência ambiental”.
Com Guajajara, o foco das conversas foi a participação dos povos indígenas na liderança de projetos para combater a crise climática, além de discussões sobre o financiamento direto aos indígenas via iniciativas como a Forest & Climate Leaders’ Partnership (FCLP) e o Tropical Forest Forever Facility (TFFF), mecanismo de financiamento proposto pelo Brasil na COP28, em Dubai (2023).
Para ela, o TFFF deveria evoluir para um fundo permanente com um mínimo de 20% dos recursos destinados diretamente aos povos indígenas e comunidades tradicionais, que gozariam de autonomia para usá-los (Ministério dos Povos Indígenas, 27/06/2025).
Como se percebe, tudo gira em torno do vil metal.
Mas é exatamente aí que reside o problema: a quem caberá a conta?
Na COP29, em Baku, Azerbaijão, no ano passado, surgiu um mirabolante valor de US$ 1,3 trilhão de desembolsos anuais praticamente a fundo perdido, que as economias desenvolvidas deverão disponibilizar até 2035, para permitir que as economias emergentes possam financiar uma “transição energética justa”.
No mundo real, nem mesmo os US$ 100 bilhões estabelecidos pelos Acordos de Paris de 2015, que deveriam estar disponíveis em 2020, foram concretizados, sendo que mais de 90% dos desembolsos concretizados até agora, em montantes bem inferiores, foram na forma de empréstimos de bancos comerciais e multilaterais, que têm aumentado ainda mais a conta do endividamento dos países em desenvolvimento.
Sem surpresa, o tema mais que espinhoso foi o “elefante na sala” nos Encontros Climáticos de Junho das Nações Unidas (SB62), em Bonn, Alemanha (16-26 de junho), conferência preliminar realizada antes das COPs. A expressão é da presidente do Instituto Talanoa, Natalie Unterstell, para quem o tema tem sido esvaziado lentamente e fragiliza a confiança dos países nas negociações: “O tema do financiamento segue como o grande elefante na sala e Bonn falhou em criar um espaço claro para discutir como, de fato, os recursos necessários serão entregues (Terra, 26/06/2025).”
Karen Oliveira, diretora para Políticas Públicas da The Nature Conservation Brasil, explica o óbvio, que o impasse reside na escassa disposição das nações desenvolvidas: “Não há uma clareza sobre que mecanismos podem ser adotados para que seu valor chegue a US$ 1,3 trilhão, já que as nações desenvolvidas dizem que não contam com mais recursos disponíveis.”
O impasse levou o secretário-executivo de Mudanças Climáticas das Nações Unidas, Simon Stiell, a resumir o resultado geral do encontro: “Eu não vou dourar a pílula – nós temos muito mais o que fazer antes de nos reunirmos novamente em Belém (UNFCCC, 27/06/2025).”
Porém, os problemas de Lula não se limitam às expectativas sobre a conferência de Belém. Em Bonn, a delegação oficial brasileira foi fortemente questionada por representantes de vários governos, em função dos altos custos de hospedagem na capital paraense, que têm sido objeto de uma forte especulação pela rede hoteleira e outros agentes privados locais.
Entrevistado pelo jornal O Globo (26/06/2025), o representante de uma grande ONG internacional, que preferiu não se identificar, disse ter ouvido de diplomatas europeus que os altos valores de hospedagem poderão fazer com que as delegações europeias sejam reduzidas em até 50%: “O que ouvi em Bonn é uma profunda preocupação da sociedade civil e de muitos países quanto à sua capacidade de participar da COP30 devido à falta de acomodações e preços. A apresentação de logística da presidência da conferência pouco tranquilizou os presentes. Ouvi de vários diplomatas que grupos de negociação expressaram fortes preocupações diretamente à presidência da conferência.”
Ainda mais prejudicados serão os países mais pobres, que, geralmente, alinham-se entre os mais ativos e vocais nas conferências, atraídos pela miragem dos grandes desembolsos financeiros.
Se não conseguir uma solução satisfatória para o problema, o Brasil poderá receber do Secretariado da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC) a formalização de um pedido de mudança da sede da conferência.
Todo o imbróglio é consequência da afoiteza imprudente de Lula, ao pretender realizar uma “COP da Amazônia”, região que não dispõe de condições de infraestrutura para receber uma conferência desse porte. Agora, abraçado à sua ministra porta-bandeira verde, Lula vê nuvens escuras se formando no caminho da conferência com a qual pensava consolidar-se como um líder ambiental global, mas que podem acabar se convertendo em uma calamitosa tempestade das grandes.




