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Lorenzo Carrasco

Lorenzo Carrasco

Energia

“Insolação” no sistema elétrico brasileiro

(Foto: Sikwe Scarter/Unsplash )

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A manchete do Estadão de 6 de outubro não deixa dúvida sobre a ameaça que paira sobre o sistema elétrico brasileiro: “Crise às avessas: aumento de energia solar provoca desequilíbrio, crise financeira e risco de apagão”. A reportagem expõe os problemas causados pela expansão rápida e descontrolada das fontes solares na matriz energética nacional, principalmente, a chamada Micro e Minigeração Distribuída, proveniente dos painéis fotovoltaicos instalados em centenas de milhares de residências e estabelecimentos comerciais em todo o país, cuja eletricidade é injetada nas redes sem qualquer controle pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS).

Em 10 de agosto, Dia dos Pais, às 11 horas da manhã, quando o consumo total no país era de 58 gigawatts (GW), apenas a geração distribuída estava injetando 23 GW no sistema, forçando o operador a cortar 90% da eletricidade gerada pelas demais fontes para evitar um colapso do sistema, como o ocorrido em 15 de agosto de 2023, causado pelo excesso de geração solar e eólica no Nordeste.

O excesso de eletricidade que não poderá ser absorvido pelas redes de transmissão existentes continuará obrigando o ONS a promover cortes frequentes, o chamado curtailment

Em nota, o ONS observou: “O aumento da Micro e Minigeração Distribuída traz desafios adicionais para a operação do sistema, pois com o crescimento da geração distribuída e de usinas conectadas na rede das distribuidoras, a projeção é que, em 2029, apenas 45% da capacidade instalada estará sob a coordenação do ONS”.

Para complicar, cerca de 90% dos projetos programados até 2030 sendo de usinas eólicas e solares intermitentes. Ou seja, o excesso de eletricidade que não poderá ser absorvido pelas redes de transmissão existentes continuará obrigando o ONS a promover cortes frequentes, o chamado “curtailment”, gerando grandes prejuízos que as empresas geradores estão disputando na Justiça (e que ninguém se surpreenda se acabarem sendo lançados na conta dos consumidores). E sem que isso faça desaparecer o risco de apagões, inerentes a sistemas com grande proporção de fontes intermitentes.

A questão é que desde que o Brasil passou a tratar eletricidade como commodity, em vez de um insumo estratégico, no governo Fernando Henrique Cardoso, o sistema elétrico nacional deixou de ser planejado e operado pelos técnicos altamente qualificados do sistema Eletrobras, ficando submetido aos interesses de investidores privados nacionais e estrangeiros e estatais estrangeiros.

Além disso, o seu formato passou a ser fortemente influenciado pela equivocada agenda ambiental e climática e seus agentes operativos no país, muitos deles em órgãos do próprio Estado. A combinação de interesses comerciais fragmentários com as falsas promessas das “energias limpas” intermitentes levou o sistema ao impasse atual.

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E a última reunião do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), em 1º de outubro, indica que o problema pode se agravar ainda mais, com a criação de um grupo de trabalho para debater o marco legal das eólicas offshore, cujo potencial na costa brasileira é estimado em 1.200 gigawatts (GW), seis vezes a capacidade de geração instalada no país. Se os atuais 34 GW de eólicas instaladas já causam tantos problemas, dá para imaginar o que pode acrescentar qualquer acréscimo proveniente das usinas marítimas.

Outro assunto tratado foi um programa de estudo para o aproveitamento da energia geotérmica. Ora, situado no centro da placa tectônica Sul-Americana, o Brasil não tem as características geológicas para a exploração de fontes geotérmicas em escala relevante, como ocorre nos EUA, Itália, Islândia, Filipinas, Indonésia, Turquia, Nova Zelândia, México e Quênia, países com localização favorável próxima aos limites das placas. Aqui, no máximo, além de fontes termais, poder-se-iam explorar fontes localizadas de baixas temperaturas para aquecimento, aquicultura, dessalinização ou outras atividades, mas sem condições para a geração elétrica, que exige fontes de altas temperaturas.

Enquanto isso, mais uma vez, foi adiada uma decisão sobre a conclusão da construção da usina nuclear Angra 3, paralisada há anos, esta sim, uma fonte de energia firme e vital para a preservação da capacitação técnica no setor. Em suma, uma autêntica “insolação” no sistema elétrico.

Conteúdo editado por: Jocelaine Santos

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