O psicólogo e escritor canadense, Jordan Peterson, dispensa apresentações. Seus livros, com destaque para “12 Regras para a vida: Um antídoto para o caos”, já venderam mais de 10 milhões de exemplares no mundo inteiro. É um número alcançado por poucos autores sérios, ainda mais se tratando de não-ficção.
Há décadas Peterson lota auditórios com suas palestras em universidades da Europa e dos Estados Unidos. Seu canal no Youtube tem 8 milhões de inscritos. Sua conta no X é seguida por 5,2 milhões de pessoas. É um fenômeno.
Ex-catedrático da Universidade de Toronto, especializado em psicologia social, no estudo da personalidade e na psicologia da religião, Peterson é, ao mesmo tempo – coisa rara – um intelectual e acadêmico reconhecido, e uma celebridade midiática. É alguém que jamais se furta a debater suas ideias, com quem quer que seja, até mesmo em programas populares de televisão, ou com interlocutores que o desprezam.
Mas, aparentemente, a relação da grande mídia brasileira com Jordan Peterson parece ir além do desprezo: os três maiores jornais do país deliberadamente fazem de conta que ele não existe. Ergueram em torno dele uma cortina de silêncio.
No romance “1984”, de George Orwell, o partido no poder elimina brutalmente qualquer um que não apoie incondicionalmente o regime, por meio da polícia do pensamento e da vigilância constante. Aqueles que caem em desgraça se tornam “não-pessoas”, e todos os vestígios da sua existência são apagados. Para a grande mídia brasileira, Jordan Peterson é uma não-pessoa.
Em outros tempos isso seria chamado de “assassinato cultural”: remover dos registros qualquer menção a determinado indivíduo, tido como persona non grata pelos poderosos de plantão. Aconteceu muito na União Soviética de Stálin e na China de Mao. Continua acontecendo em Cuba e na Venezuela – onde dissidentes têm o estranho hábito de evaporar.
Na democracia relativa do Brasil, os grandes jornais fingem que Jordan Peterson não existe. Com uma imprensa assim, quem precisa de censura?
Pois bem, na última terça-feira, como noticiou a “Gazeta do Povo”, Peterson deu início, em São Paulo, à série de conferências no Brasil, país que visita pela primeira vez. Os ingressos (mais de quatro mil) esgotaram com meses de antecedência. Em um país que não se destaca pelo hábito da leitura, é algo impressionante.
O tema da conferência não foi exatamente simples: desenvolvendo ideias de seu novo livro, “Nós que lutamos com Deus”. Peterson fez uma análise política e psicológica da história de Caim e Abel; falou sobre a morte dos ideais e a importância da crença na redenção humana. Assim, conduziu o público em uma reflexão sobre a busca da verdade e a imperativo moral do sacrifício em prol do aprimoramento da alma, da comunidade e do mundo. No final, foi aplaudido de pé.
Em tempos normais, ainda mais em um país periférico, onde visitas de intelectuais estrangeiros de prestígio são relativamente escassas, todos os grande jornais fariam longas reportagens a respeito da conferência, publicariam entrevistas de página inteira com o autor, promoveriam debates para discutir as suas ideias e a sua obra.
Mas no Brasil não. Preferiram ignorar a presença de Peterson. Omitiram de seus leitores qualquer cobertura sobre a conferência.
Se os mecanismos de busca dos próprios jornais funcionam, a “Folha” fez uma única menção à visita: uma nota informando que a cofundadora do Nubank não teve nenhuma relação com a vinda do autor ao Brasil, evento promovido pelo Brasil Paralelo.
Nas entrelinhas, a nota desqualifica Peterson, “conhecido por publicações conservadoras”, e a Brasil Paralelo, “uma instituição associada ao bolsonarismo” (no Brasil, parece que ser conservador e apoiar Bolsonaro são crimes inafiançáveis, aos olhos de muitos jornalistas).
A nota diz também que “uma enxurrada de correntistas” ameaçou cancelar suas contas, caso o Nubank não se rendesse a mais uma sórdida campanha de cancelamento.
A gente sabe muito bem como isso funciona: um bando de gente sem nenhum caráter se articula para tentar censurar, e impor sua vontade, por meio da intimidação e do constrangimento - sempre em defesa da tolerância e da democracia.
E foi só isso.
No “Estadão”, a busca por “Jordan Peterson” não localizou um registro sequer nos últimos 30 dias. A menção mais recente é de dezembro de 2023, em uma reportagem sobre uma ferramenta de Inteligência Artificial desenvolvida por Elon Musk (aquele mercantilista fascista, que planeja fugir do planeta para evitar contato com seus funcionários).
Já “O Globo” adotou comportamento similar ao da “Folha”. A notícia não foi a visita de Jordan Peterson ao Brasil, nem a sua conferência, nem o seu livro novo, mas tão-somente a reação da executiva do Nubank à ameaça de cancelamento: “Nubank diz que é apartidário e nega ligação com Brasil Paralelo, após onda de críticas nas redes sociais”. Peterson é citado como um “controverso psicólogo e autor canadense conhecido por defender pautas conservadoras”.
Minha pergunta sincera é: isso pode ser considerado normal?
Seguramente, uma parcela significativa dos leitores dos três maiores jornais do país têm interesse nas ideias de Jordan Peterson, ou mesmo leram seus livros. Todos esses foram simplesmente privados de qualquer informação sobre a série de conferências de Peterson no Brasil. Talvez muitos sequer saibam que ele está no país.
Em uma ditadura, jornais são proibidos de fazer qualquer referência a determinados autores. Em uma democracia normal, jornais disputariam, a tapa, entrevistas exclusivas com qualquer autor do porte de Jordan, que estivesse em visita ao país.
Já na democracia relativa do Brasil, os grandes jornais fingem que Jordan Peterson não existe. Com uma imprensa assim, quem precisa de censura?
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