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Luciano Trigo

Luciano Trigo

O assassinato de Charlie Kirk

Cancelamentos bons e ruins

Celebrar a morte de Charlie Kirk é barbárie política. Walsh acerta: punir apologia da violência não é cancelamento, é defesa civilizatória. (Foto: Imagem criada utilizando Chatgpt/Gazeta do Povo)

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O assassinato de Charlie Kirk não gerou apenas comoção. Também desencadeou, nas redes sociais, uma onda de reações de celebração e escárnio diante da morte absurda do jovem líder conservador. Alguns usuários chegaram a listar quais seriam os próximos alvos a serem abatidos, escalando ainda mais o clima de ódio político.

A maneira como pessoas comuns se sentiram à vontade para celebrar publicamente um assassinato mostra o grau de degradação do debate público – e faz da morte de Kirk um marco simbólico. O que antes parecia apenas guerra de narrativas agora se traduz em sangue.

Como resposta, diversas medidas disciplinares foram tomadas contra quem festejou o crime. Pressionados a identificar e punir, o Pentágono anunciou que investigaria postagens de militares; empresas privadas demitiram funcionários; e até universidades abriram sindicâncias contra professores e estudantes.

Isso não deixa de ser surpreendente, porque até pouco tempo atrás apenas pessoas de direita eram canceladas. No Brasil, por exemplo, a esquerda tinha salvo-conduto para publicar artigos desejando a morte de Bolsonaro ou até para jogar futebol usando a sua cabeça como bola. Até hoje há quem lamente a incompetência de Adélio no manejo da faca. Mas não deixa de ser um avanço que o feitiço esteja se voltando contra o feiticeiro.

Mas seria mesmo adequado comparar a censura e a perseguição movidas pela esquerda, por opiniões políticas divergentes, aos cancelamentos ora em curso, estimulados pela direita?

Segundo o comentarista Matt Walsh, a resposta é não.

Em uma postagem no X, ele escreveu: "Sim, esquerdistas que celebram o assassinato de Charlie devem ser cancelados." Em um vídeo, argumentou que a responsabilização de indivíduos que celebram violência política não é equivalente à cultura do cancelamento promovida pela esquerda.

Walsh afirma ser necessário diferenciar os cancelamentos da esquerda de uma reação moral legítima da direita, porque divergência política legítima é algo muito diferente de apologia da barbárie. Existe um abismo entre ser alvo de cancelamento por emitir opiniões desagradáveis e perder o emprego por zombar de um assassinato.

Nas palavras de Walsh: “A esquerda te cancela por dizer coisas que são verdade. A direita te cancela por dizer coisas que são abomináveis e doentes. Uma distinção bem importante.”

Para surpresa de ninguém, logo surgiram críticos acusando Walsh de hipocrisia, uma vez que ele sempre condenou a cultura do cancelamento, mas a defende quando lhe convém. Muitos jornalistas e acadêmicos afirmaram que, ao exigir a punição de quem comemorou a morte de Kirk, a direita estaria praticando o mesmo cancelamento que tanto critica. Mas não existe equivalência moral entre os dois casos.

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A contribuição de Matt Walsh para o debate público está em ressaltar que nem todo cancelamento é igual

A esquerda costuma rotular como “discurso de ódio” qualquer opinião divergente de sua agenda cultural. Assim, defender a família ou o casamento tradicional, criticar a ideologia de gênero ou levantar dúvidas sobre políticas de imigração pode levar à perda de patrocínios, boicotes e demissões. Esse tipo de cancelamento deve ser visto como perseguição injusta.

No caso atual, porém, não se trata apenas de opinião. Quem celebrou a morte de Charlie Kirk não estava fazendo uma análise política; estava aplaudindo um assassinato. As consequências sofridas não são mero “cancelamento”, mas uma resposta da sociedade proporcional ao caráter do ato.

Ou seja, na visão de Walsh, cancelamentos são justos quando respondem a endossos de violência, mas injustos quando são usados para suprimir debates ideológicos. Ele estabelece uma distinção moral importante.

No Brasil, também já tivemos episódios de celebração da morte ou incentivo ao assassinato de figuras públicas associadas à direita, bem como de cancelamento e destruição de reputações de indivíduos que ousaram defender opiniões conservadoras sobre determinados temas.

Na visão de Walsh, estes seriam cancelamentos abusivos e ilegítimos, pois visam silenciar opiniões que evocam verdades incômodas. Já os casos de celebração da violência configurariam exemplos de cancelamento justificado, uma vez que não se trata de debate de ideias, mas de exaltação da brutalidade.

É importante enfatizar, contudo, que no Brasil ninguém foi cancelado por incentivar violência contra líderes da direita: os cancelamentos tinham lado. Isso porque, em nosso país, a fronteira entre opinião polêmica e incitação ao crime é constantemente manipulada por grupos políticos, muitas vezes com o apoio da grande mídia e do Judiciário.

Walsh, aliás, criticou abertamente as ações do Judiciário brasileiro, como o banimento temporário do X em 2024, que ele descreveu como uma abolição da liberdade de expressão em nome da "democracia".

A contribuição de Walsh para o debate público está em ressaltar que nem todo cancelamento é igual. Cancelar por discordar de ideias é autoritário; punir quem festeja a barbárie pode ser um ato de preservação civilizatória.

De todo modo, o episódio trágico enriquece o debate sobre os limites da liberdade de expressão. Mesmo nos Estados Unidos, onde a proteção constitucional é ampla, a cultura do cancelamento mostrou que a repressão social pode ser tão ou mais poderosa do que a legal.

A fala de Walsh sinaliza para os conservadores que existe um limite objetivo: a defesa ou celebração da violência não deve ser tolerada. De certo modo, ele reconhece que a liberdade de expressão não é ilimitada, mas tenta restringir suas limitações a casos extremos.

Sem uma ética compartilhada que reconheça a sacralidade da vida e o direito à divergência, toda sociedade se arrisca a transformar o espaço público em um campo de batalha sem regras. Matt Walsh tentou resgatar uma linha divisória. Cabe ao debate público decidir se ela é suficiente — ou se já é tarde demais.

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