Nos últimos dias, o consórcio entre o Poder Judiciário e a grande mídia vem tentando exaustivamente emplacar a narrativa que associa o presidente à violência política, com os jornais dando grande repercussão a candidatos dizendo que foram ameaçados com arma em comícios etc.
Mas, depois das manifestações pacíficas e ordeiras do Sete de Setembro, dificilmente essa estratégia dará certo. Ora, milhões de pessoas foram às ruas sem que fosse registrado um episódio sequer de violência ou vandalismo. Isso apesar dos alertas reiterados do Judiciário e dos grandes jornais de que seria perigoso participar das comemorações do bicentenário da Independência. Foi quase um novo “fique em casa”.
Não muito tempo atrás, manifestações muito menores da esquerda terminavam invariavelmente em quebra-quebra, pneus queimados, saques no comércio e confrontos com a polícia – vale lembrar que, enquanto trabalhava na cobertura de um daqueles protestos “do bem”, um cinegrafista da Band perdeu a vida. Bastava escurecer para a barbárie começar. Mas aquelas manifestações eram noticiadas como “festas da democracia”.
Pois é. Aquelas manifestações, com bandeiras do Brasil queimadas e gente mascarada atirando pedras e rojões, eram “pacíficas”. Já quando um mar de gente vestida de verde e amarelo vai às ruas sem que uma lata de lixo seja virada, sem que uma casquinha de sorvete seja deixada no chão, trata-se de um atentado à democracia. Que horror! Temos que proibir a circulação dessas imagens, inclusive! Ah, já fizeram isso?
Essa narrativa dificilmente vai colar. De que lado vem a verdadeira violência política?
Em todo caso, tentar explorar politicamente a exceção, os casos isolados de violência em briga de botequim, ao mesmo tempo em que se ignora a natureza pacífica das manifestações do Sete de Setembro não parece uma estratégia muito inteligente; ao contrário, ela pode até ser percebida, pelo eleitor indeciso, como sinal de desespero.
O eleitor indeciso não é burro e não gosta de ser manipulado. Sua reação a notícias de episódios assim é resumida em um post de um cidadão anônimo que escreveu, diante de uma dessas denúncias (acho que do Guilherme Boulos, que voltou ao noticiário dizendo ter sido ameaçado durante uma panfletagem): “Se for verdade, que prendam esse vagabundo que ameaçou”. Simples assim.
A estratégia de Ciro Gomes
Apesar da convicção do eleitorado dos dois principais candidatos, dificilmente a eleição será resolvida no primeiro turno. Minha conta é simples: praticamente todos os eleitores que votaram em Haddad em 2018 votarão em Lula em 2022. Considerando que Ciro Gomes e Simone Tebet também receberão votos, isso já basta para colocá-lo no segundo turno.
Não foi pouca gente que votou em Haddad em 2018: 31 milhões de votos no primeiro turno e 47 milhões de votos no segundo turno. Acreditar que uma parcela substancial desses eleitores mudou de lado e votará em Bolsonaro no primeiro turno é torcida irracional.
É claro que mais gente ainda votou em Bolsonaro: 49 milhões de votos no primeiro turno, 57 milhões no segundo, arredondando para baixo. É possível que, em função do desgaste provocado pela pandemia e outras crises, muitas delas evitáveis, parte desse eleitores não repita seu voto.
Mas acreditar que milhões de pessoas que votaram em Bolsonaro em 2018 mudaram de ideia tão radicalmente a ponto de votar em Lula em 2022 também não faz sentido – até porque muitos desses eleitores votaram em Bolsonaro (e votarão de novo) não por gostarem dele, mas por antipetismo.
Por outro lado, apesar do que dizem as pesquisas, acho que a vaga mais assegurada no segundo turno é a de Bolsonaro, que está na ascendente, enquanto Lula parece ter batido no teto e enfrenta problemas: o péssimo desempenho no debate, a dificuldade de levar a militância às ruas, a incontinência verbal que o leva a falas absurdas como a da Ku Klux Klan, bem como a imagem de cansaço que ele tem passado, tudo isso cria um sentimento de dúvida entre eleitores de esquerda.
É altamente improvável que haja alguma mudança significativa até 2 de outubro. Mas, se houver, será no sentido de eleitores de Lula migrarem para Ciro Gomes.
Nenhum eleitor deixará de votar em Bolsonaro para votar em Ciro. Mas eleitores menos entusiasmados de Lula podem sim, decidir votar no candidato cearense, caso ele comece a crescer nas pesquisas.
(Há também aqueles eleitores de esquerda que, escaldados com a lembrança de Dilma e Michel Temer, podem estar com receio de votar em Lula e acabar elegendo Alckmin.)
Um movimento parecido, aliás, chegou a acontecer às vésperas do primeiro turno em 2018, quando muitos eleitores moderados da esquerda pregaram o voto em Ciro, com o argumento de que ele teria mais chance de derrotar Bolsonaro que o candidato do PT. O movimento veio tarde demais e foi insuficiente, mas o raciocínio pode se repetir, dependendo do que acontecer nas próximas semanas
Nesse sentido, a estratégia de Ciro Gomes de bater em Bolsonaro parece equivocada, por não amealhar votos. Se o seu objetivo for de fato chegar ao segundo turno, Ciro tem que buscar votos não no eleitorado de Bolsonaro, impermeável a ele, mas no eleitorado de Lula. Eu disse “se”, porque o objetivo pode ser outro.
Estou apenas dizendo o óbvio: é mais fácil Ciro convencer o eleitor de Lula de que é ele, Ciro, o melhor candidato para vencer Bolsonaro no segundo turno do que Ciro convencer o eleitor de Bolsonaro a votar nele no primeiro turno.
E tanto existe essa possibilidade (ainda que remota), que a militância do PT tem aumentado os ataques a Ciro e seus eleitores, pregando o voto útil em Lula no primeiro turno. Vale lembrar o que fizeram com Marina Silva em 2014.
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