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A confiança é um capital difícil de construir e, uma vez perdido, ainda mais difícil de recuperar. Em uma democracia, a perda da confiança da população nas instituições pode levar à instabilidade política e econômica, a tentações de viradas autoritárias e, em casos extremos, ao colapso da sociedade. As consequências variam, mais têm um elemento comum: o esgarçamento do tecido social e político. A democracia se torna disfuncional.
Não estou falando apenas da confiança das pessoas no governo. Também é fundamental que a população acredite minimamente na honestidade da mídia e na isenção do Poder Judiciário (que jamais pode se confundir com o governo).
Na economia, então, nem se fala: os agentes do mercado precisam acreditar na palavra dos governantes e na veracidade dos indicadores oficiais. Investidores baseiam suas decisões na responsabilidade fiscal, na estabilidade jurídica e na previsibilidade. Se um governo reiteradamente diz A e faz B, se as regras mudam a todo momento, a confiança desmorona.
Governos que inspiram confiança obtêm maior cooperação da população no cumprimento de leis, no pagamento de impostos e no apoio a políticas públicas. Quando isso não acontece, os resultados são opostos e previsíveis: além da desconfiança do cidadão comum, vêm a fuga de capitais, o aumento do risco-país e a desvalorização da moeda. A crise econômica e o descontentamento popular se retroalimentam.
O mesmo vale para a grande mídia, que desempenha um papel crucial como mediadora entre a sociedade e a esfera política. Uma mídia confiável facilita até a mobilização coletiva em momentos de crise, como desastres naturais ou pandemias. Uma mídia sem credibilidade não serve para nada.
incondicionalmente tudo que um governo faz, sua credibilidade também acaba. Em um cenário onde os maiores veículos jornalísticos são percebidos como enviesados, “chapa branca” e “passadores de pano”, é natural que as pessoas busquem informações e análises críticas em outros lugares.
Igualmente importante é a confiança da população na isenção do Poder Judiciário. O Judiciário é a última instância na resolução de conflitos e na garantia dos direitos fundamentais, como a liberdade de expressão. Quando se dissemina a percepção de que o Judiciário atua de forma parcial, de que juízes e tribunais se comportam como atores políticos, a confiança acaba. Isso pode levar à escalada das tensões sociais, porque o cidadão comum se sente abandonado e desesperançado.
Quando governo, Judiciário e mídia perdem simultaneamente a confiança da população, as consequências podem ser catastróficas
Os atores institucionais perdem a capacidade de mediar conflitos ou restaurar a normalidade. A polarização política se intensifica, enquanto o populismo ganha espaço, ao explorar a desilusão popular.
O que pode acontecer em situações assim?
Uma crise de credibilidade do governo pode levar o Congresso, os agentes de mercado e até mesmo a grande mídia a retirar seu apoio, por entenderem que ele se torna prejudicial aos seus próprios interesses, ou mesmo à estabilidade do país.
A perda desses apoios pode ter consequências sérias, que vão da paralisia governamental à multiplicação de protestos nas ruas, inviabilizando qualquer esforço de restaurar a confiança da sociedade.
Segue um detalhamento de quais podem ser os efeitos do acirramento da crise.
Primeiro, no Congresso. Os partidos políticos que compõem a base aliada podem saltar do barco para proteger sua própria imagem e ter chances em eleições futuras; projetos importantes para o governo também tendem a ficar engavetados, enfrentando uma resistência maior, levando à paralisia legislativa; o Congresso também pode intensificar investigações contra membros do governo, como CPIs que ampliem o desgaste político.
Em casos extremos, a perda de credibilidade pode levar a um processo de impeachment, especialmente se houver pressão popular por mudanças.
Segundo, entre os agentes de mercado. Investidores percebem um crescimento do risco no cenário econômico, o que leva a juros maiores (juros nada mais são que a precificação do risco no tempo). Mas, mesmo com juros altíssimos, empresas e investidores estrangeiros podem preferir sair do país, provocando a depreciação da moeda e a queima de reservas. Por sua vez, diante da incerteza política, as empresas nacionais podem adiar investimentos, gerando desemprego.
Vale lembrar que, no caso brasileiro, o fracasso das políticas econômicas, a perda de confiança dos mercados, o aumento da inflação e retração da economia foram os fatores determinantes do recente impeachment de Dilma Rousseff. Além da pressão das ruas, é claro. Mas, sem a deterioração da economia, Dilma jamais teria sido afastada.
Terceiro, na grande mídia. Interesses econômicos podem levar grandes veículos de comunicação a aderir sem qualquer pudor ao governo, transformando-se em uma assessoria de comunicação paralela. Mas mesmo aqui, a crise de confiança pode levar a uma mudança de postura. Isso ocorreria se a mídia percebesse que os custos desse apoio são maiores que os benefícios – com a perda de audiência, de leitores e de anunciantes privados.
Em uma situação hipotética, se o desgaste fosse percebido como irreversível, a grande mídia mudaria de lado também sem qualquer pudor. A cobertura se tornaria mais crítica, destacando os erros e aspectos negativos do governo – o que, por sua vez, reforçaria ainda mais a insatisfação popular e os movimentos de oposição. Mudanças de postura assim aconteceram, por exemplo, nos processos de impeachment de Fernando Collor e da já citada Dilma Rousseff.
Voltarei ao tema.
Conteúdo editado por: Aline Menezes