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Tudo começou há mais ou menos um ano. No final de janeiro de 2022, a fabricante dos confeitos de chocolate M&M's, a Mars Wrigley, decidiu dar uma repaginada nos seus mascotes – confeitos divertidos com características humanas, criados há quase 70 anos, em 1954 – para aproximá-los da agenda woke.
As mudanças na publicidade da marca foram sutis: por exemplo, uma “confeita” deixou de usar botas de cano alto, consideradas demasiadamente sexualizadas pelo antenado departamento de marketing da empresa, e passou a usar tênis “agênero”. A maquiagem também ficou mais discreta, e a linguagem corporal mudou visivelmente.
O comportamento das mascotes também mudou: a confeita Green tinha uma atitude considerada muito provocante, o que estava ferindo a sensibilidade das ativistas feministas. Acusada de competir pela atenção dos confeitos masculinos com a confeita Brown, o que reforçaria estereótipos machistas, ela passou a ter uma atitude mais discreta e menos sexista nos comerciais da marca.
Outra mudança foi a criação da personagem Purple, com a intenção de representar/incluir a comunidade LGBTQIAP+ nas campanhas publicitárias da marca.
Pois bem, a repercussão das mudanças foi negativa. Quem poderia imaginar? E eis que, na semana que passou, depois de muitas polêmicas a Mars anunciou o cancelamento de todos os tradicionais mascotes M&M's – chamados de “spokescandies”, “porta-vozes das guloseimas”.
Segundo foi noticiado, a decisão foi tomada por causa de críticas de grupos conservadores nos Estados Unidos, que acusaram a marca de “politizar” os confeitos e ameaçaram boicotá-la. Manifestantes teriam chegado a organizar protestos em frente a confeitarias de diversos estados americanos, onde ainda vigora a liberdade de expressão e manifestação.
Tucker Carlson, apresentador conservador da Fox News, comprou a briga contra a versão woke dos M&M's. Primeiro o jornalista chamou a personagem Purple de “obesa”, por conta da sua forma mais ovalada, o que lhe valeu acusações de gordofobia. Em seguida lamentou a substituição das botas de cano alto por tênis, deixando a mascote Green bem menos feminina, o que lhe valeu acusações de tênisfobia. Por fim ele insinuou que Green teria se tornado “possivelmente lésbica”, o que lhe valeu acusações de homofobia.
(Se fosse no Brasil, país onde a liberdade de expressão e manifestação vem sendo cada vez mais relativizada, Tucker Carlson seguramente teria suas contas bloqueadas nas redes sociais por ordem do Supremo. Carlson, aliás, entrevistou em junho do ano passado o ex-presidente Jair Bolsonaro, em seu programa “Tucker Carlson Tonight', com grande audiência.)
Outra celebridade conservadora que se revoltou foi o escritor Nick Adams. Indignado diante do lançamento de uma campanha protagonizada só por mascotes M&M's femininas, ele postou em suas redes sociais:
“Cortei relações com M&M's! Nenhum M&M passará por meus lábios até que a empresa emita um pedido formal de desculpas e faça uma campanha só com mascotes masculinos, para demonstrar seu compromisso com a igualdade de gênero! Devemos nos unir e boicotar a marca!"
Tudo isso é ridículo? Com certeza. Mas era inevitável que a doença do cancelamento se voltasse em algum momento contra o ativismo woke
Seja como for, a insatisfação dos consumidores com o novo design dos mascotes da M&M's deve ter sido grande, porque na semana passada a empresa simplesmente cancelou todos os mascotes e divulgou o comunicado abaixo, no Twitter:
“Estados Unidos, vamos conversar. No último ano, fizemos algumas mudanças em nossos queridos porta-vozes. Não estávamos certos se alguém ia perceber e não achamos que isto afetaria a internet. Mas agora entendemos: até os sapatos de um doce podem causar polarização. Era a última coisa que os M&M's queriam, pois nosso objetivo é unir as pessoas. Portanto, decidimos fazer uma pausa indefinida nos mascotes.”
Demitidos da função de porta-vozes da marca, os mascotes serão substituídos nas novas campanhas publicitárias dos M&M's pela atriz Maya Rudolph. "Estamos certos de que a sra. Rudolph defenderá o poder da diversão para criar um mundo em que todos sintam fazerem parte", concluiu o comunicado.
Será? Maya é uma militante progressista, talvez a emenda saia pior que o soneto, aos olhos dos críticos conservadores.
Tudo isso é ridículo? Com certeza. Mas era inevitável que a doença do cancelamento se voltasse em algum momento contra o ativismo woke.
Acredito que isso vai acontecer com cada vez mais frequência, à medida que as pessoas – as pessoas no mundo real, que trabalham e pagam boletos, não os chatos sustentados pelos pais que vivem apontando o dedo e ostentando virtude nas redes sociais – entenderem que esse ativismo não beneficia as minorias que afirma defender, muito pelo contrário.
Como já escrevi em outra ocasião, quem com lacre lacra com lacre será lacrado.
Conteúdo editado por: Jônatas Dias Lima