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O corte de benefícios e a ocupação da UERJ
| Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

Está acontecendo na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), mas imagino que situações semelhantes se repitam regularmente em outras universidades públicas.

Desde 26 de julho, estudantes ocupam a reitoria em protesto contra recentes mudanças nas regras de concessão de bolsas e auxílios para alunos da graduação. Ao longo desse período, a ocupação se estendeu do Pavilhão João Lyra Filho, no campus Maracanã, para outros prédios da instituição. Com isso, as aulas na universidade foram suspensas. 

A UERJ já entrou na Justiça com um pedido de reintegração de posse. Em entrevista coletiva, na semana passada, o governador Claudio Castro afirmou que seu governo já realizou 100% dos aportes combinados com a universidade e que “não dá para a UERJ ficar pagando para as pessoas estudarem lá”. As novas regras de auxílio excluem 1.200 estudantes, que deixam de se enquadrar nas exigências para recebimento de bolsas.

À primeira vista pode parecer uma maldade, o que daria razão aos estudantes. Mas não é bem assim.

A UERJ justificou o corte informando que as bolsas de vulnerabilidade foram criadas no contexto excepcional da pandemia, e que seu pagamento foi condicionado à existência de recursos. A pandemia, como se sabe, já acabou. E não há mais recursos suficientes para manter as bolsas nos mesmos moldes.

Também segundo a universidade, auxílios seguem sendo oferecidos para 9.500 estudantes, em um universo de 28.000. Todos os alunos em situação de vulnerabilidade social continuam sendo atendidos.

Uma rápida pesquisa no site da PR4 – Pró-Reitoria de Políticas e Assistência Estudantis da UERJ revela que, mesmo após as mudanças que geraram a revolta dos estudantes (e a consequente paralisação das aulas), a universidade continua pródiga em auxílios. Como este é um tema sensível, vou me limitar a transcrever informações oficialmente disponíveis:

Façam as contas: mesmo após os cortes, um estudante que acumular apenas alguns dos benefícios já terá uma renda maior que a de muitos trabalhadores

O auxílio-alimentação é o pagamento mensal de auxílio financeiro no valor de R$ 300, para garantir a segurança alimentar do estudante; destina-se a estudantes cotistas ou de ampla concorrência em comprovada situação de vulnerabilidade social, nos cursos presenciais de graduação e pós-graduação Stricto Sensu dos campi que não possuem restaurante universitário. Aqui ocorreu a primeira mudança: antes o auxílio era oferecido a alunos de todos os campi: no campus Maracanã, onde funciona um restaurante universitário, os estudantes perderam esse benefício;

O Auxílio Primeira Infância é o pagamento de benefício financeiro mensal pago a estudante mãe ou a estudante pai de filho(a) com idade até 6 anos, 11 meses e 29 dias. O valor é de R$ 900 mensais para o primeiro filho e R$ 450 mensais para cada filho subsequente. Desnecessário dizer, isso pode funcionar como incentivo para o estudante ter filhos;  

O Auxílio Transporte é o pagamento de auxílio financeiro mensal, para custeio parcial de deslocamento do estudante, no valor de 300 reais;

A Bolsa Permanência é pagamento mensal, em caráter temporário, para estudantes cotistas da pós-graduação Stricto Sensu, no valor de R$ 706, que corresponde a meio salário mínimo nacional, podendo durar seis meses, prorrogáveis por mais seis;

A Bolsa Apoio à Vulnerabilidade Social (BAVS) é o pagamento de auxílio financeiro mensal, destinado a apoiar a permanência do estudante nos cursos de graduação presenciais, em situação de vulnerabilidade social comprovada. O valor é igual ao da Bolsa Permanência (R$ 706). Aqui ocorreu a segunda mudança, já que os critérios de renda para acessar a bolsa foram alterados: agora, apenas alunos com renda familiar per capita bruta de até meio salário mínimo (em vez de um salário mínimo) podem solicitar o auxílio;

O Auxílio Material Didático é o pagamento de auxílio financeiro, no valor anual de R$ 600, destinado à aquisição de material didático.

Não se nega a importância da democratização do acesso à universidade pública. Mas façam as contas. Mesmo após os cortes, um estudante que acumular apenas alguns dos benefícios acima já terá uma renda maior que a de muitos trabalhadores brasileiros. E todos os auxílios são financiados, é claro, pelos pagadores de impostos.

Com base no exposto acima, a redução de alguns benefícios justifica ocupar os prédios e paralisar as aulas da UERJ?

E não é só a paralisação. Recentemente, um vídeo que circulou bastante nas redes sociais mostrou dois jovens fumando o que parecia ser um cigarro de maconha, na sala de reuniões da reitoria ocupada. No vídeo, um dos jovens faz comentários sobre "assumir o controle" da universidade. Outro vídeo que viralizou mostra estudantes preparando uma feijoada no prédio da reitoria.

Também chama a atenção a aparente ausência de qualquer vinculação dos auxílios a desempenho acadêmico – o que seria, ao menos, um incentivo positivo para os alunos beneficiados se empenharem em seus estudos.

Mas o que o conjunto de bolsas e auxílios implementados pela UERJ sugere é que foi criado um sistema de incentivos perverso, que pode ter várias consequências indesejadas no futuro, começando pela consolidação da mentalidade de dependência do Estado em sucessivas gerações de estudantes. E a dependência do Estado pode ser um vício pior que crack.

Esses estudantes podem se acostumar à ideia de que é obrigação do Estado garantir o seu sustento, da mesma forma como pagam para que eles continuem frequentando as aulas. Quando saírem da faculdade, vão levar um susto ao descobrirem que, na vida real, não é assim que funciona. Será um choque bastante desagradável. Talvez por isso mesmo, muitos estudantes se sintam incentivados a prorrogar ao máximo sua permanência na universidade.

Conteúdo editado por:Aline Menezes
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