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Luciano Trigo

Luciano Trigo

Democracia relativa

O Estado policial e a mídia

(Foto: Gerd Altmann/Geralt/Pixabay)

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Um Estado policial se caracteriza pela vigilância e monitoramento constantes do governo sobre a sociedade, de forma a calar as críticas e perseguir a oposição. Frequentemente, os Estados policiais justificam essas práticas com o pretexto de defender a democracia e o Estado de Direito – ao mesmo tempo em que destroem as liberdades essenciais à democracia e ao Estado de Direito.

Segundo a literatura especializada, o uso de diferentes mecanismos de coerção para suprimir liberdades civis e limitar severamente direitos fundamentais, como a liberdade de expressão, de reunião e de imprensa, são características básicas de um Estado policial, mas outros fatores são igualmente relevantes.

Nos países onde vigoram Estados policiais, o Judiciário tem lado, é assumidamente um poder político. Alinhado a um projeto de poder, o sistema judicial é, coerentemente, usado como ferramenta política. A Justiça é seletiva, com interpretações arbitrárias da lei, o que possibilita a prisão por qualquer comportamento vagamente rotulável como uma ameaça à democracia. Decisões judiciais costumam beneficiar o governo, e garantias legais, como o direito a um julgamento justo, ao duplo grau de jurisdição e ao devido processo legal, são solenemente ignoradas.

Outro componente dos Estados policiais é o culto à autoridade: o governo promove uma cultura de obediência cega à autoridade, e qualquer questionamento das ações do governo é considerado um atentado ao Estado de direito. Isso torna mais fácil demonizar os adversários e justificar o uso de medidas repressivas.

O passo seguinte é incentivar o cidadão comum a denunciar vizinhos ou colegas de trabalho que aparentem ter opiniões suspeitas sobre o governo. O resultado é a criação de uma atmosfera de medo, já que todos sabem que críticas ao governo podem ser consideradas crime – ou, no mínimo, podem ser percebidas como um comportamento extremado, passível de retaliações.

Estudos de caso mostram que nada disso é possível sem o controle da mídia e das redes sociais, o que limita o acesso da população a fontes alternativas de informação e análise. Nas ditaduras clássicas, o controle do Estado é direto, seja por imposição da censura, seja pela propriedade estatal dos meios de comunicação, seja pelo bloqueio das redes não alinhadas.

O importante é garantir que a sociedade receba apenas a versão oficial dos acontecimentos – inclusive no noticiário sobre a economia, invariavelmente positivo, ainda que a percepção das pessoas comuns seja bem outra.

A mídia se torna, assim, uma ferramenta de propaganda governamental, consolidando uma narrativa hegemônica que promove a imagem e a ideologia do governo. Foi o que aconteceu na União Soviética e na Alemanha nazista - e ainda acontece em países como a Venezuela e a Coreia do Norte, onde o papel da mídia é fazer propaganda oficial e ocultar os abusos de poder.

Frequentemente, jornalistas e veículos de comunicação que endossaram a perseguição e a censura se tornam vítimas de censura e perseguição. Mas aí costuma ser tarde

Nas democracias relativas é diferente: nelas, a grande mídia costuma se aliar voluntariamente ao Estado policial, ajudando a legitimar e consolidar práticas repressivas. Os incentivos se tornaram mais eficazes que a coerção, e não faltam incentivos para a imprensa se aliar ao governo nos Estados policiais.

Por exemplo, a grande mídia pode ser cooptada por meio de benefícios financeiros, como subsídios econômicos e publicidade estatal. Neste caso, os governantes usam incentivos econômicos para garantir que os meios de comunicação divulguem apenas notícias e análises favoráveis ao regime. Como as empresas de comunicação dependem de publicidade governamental, elas podem ser facilmente persuadidas a apoiar o Estado policial - para evitar cancelamento de contratos, perda de financiamento ou mesmo pesadas multas por divulgar “desinformação”.

Mas não se iludam: quando necessário, o Estado policial não hesita em utilizar a força bruta e a intimidação mais grosseira, com ameaças de prisão de jornalistas ou censura explícita a veículos de comunicação. Quando a coisa chega nesse ponto, muitos jornalistas se alinham ao governo por puro instinto de sobrevivência. Podem não aderir, mas se calam, já que não é todo mundo que tem vocação para mártir.

Na imprensa como na sociedade, esse processo leva à autocensura. A incerteza sobre os limites do que se pode falar e o medo de punições fazem com que as pessoas se autocensurem e evitem contestar o governo ou dar palpites sobre temas sensíveis, como vacinas, urnas, drogas, aborto ou ideologia de gênero. Cientes dos riscos que correm, muitos jornalistas e cidadãos comuns passam a “opinar mentalmente”, para evirar o stress.  

É claro que em muitos casos sequer são necessários incentivos: a imprensa se alinha voluntariamente ao Estado policial, por compartilhar a mesma ideologia – e os mesmos adversários políticos. Isso acontece sobretudo em regimes populistas, nos quais o endosso da mídia ao discurso oficial é sincero: muitos jornalistas realmente acreditam estar defendendo a democracia e outras causas nobres quando apoiam a censura e a perseguição de adversários políticos, nesses países. Seja qual for a motivação, o resultado é o mesmo: a mídia ajuda a legitimar e justificar o controle estatal sobre a sociedade.

No Estado policial, a desqualificação (ou mesmo a criminalização) de críticos e opositores é uma tática bastante comum para fragilizar a oposição e garantir algum apoio popular a medidas repressivas, como a censura. Quanto mais poderoso o Estado, quanto mais elaborados forem os mecanismos de controle da informação, mais fácil se torna substituir a realidade objetiva pela narrativa oficial.

Em momentos de crise ou emergência, essas medidas repressivas são inicialmente apresentadas como excepcionais e temporárias, necessárias para a defesa da democracia e do Estado de Direito. Mas o tempo vai passando, e a situação só piora. Frequentemente, jornalistas e veículos de comunicação que endossaram a perseguição e a censura se tornam vítimas de censura e perseguição. Mas aí já costuma ser tarde.

Em suma, segundo a literatura especializada, a aliança entre a mídia e o Estado policial pode se dar de diferentes maneiras: por meio do controle direto, da cooptação financeira, da intimidação ou do alinhamento ideológico. Seja qual for o mecanismo, a imprensa se reduz a porta-voz e veículo de propaganda, que justifica ações repressivas e silencia críticos e dissidentes.

Ainda bem que nada disso acontece no Brasil.

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Conteúdo editado por: Aline Menezes

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