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Sussurrada nos ônibus, dita com desgosto na fila da padaria, repetida em mesas de bar ou escrita com amargura nas redes sociais, uma frase voltou a circular: “O povo perdeu a esperança.” Não se trata de exagero ou pessimismo; é o diagnóstico emocional de um país que está cansado.
Em Belém, epicentro da COP 30, ativistas indígenas protestavam contra o desmatamento enquanto delegados internacionais discursavam sobre “esperança verde” em salões climatizados. No Rio de Janeiro, famílias amontoadas em favelas enfrentam tiroteios diários, sonhando com uma trégua que nunca chega.
Historicamente resiliente, o brasileiro agora demonstra um novo tipo de esgotamento, que não é apenas material: é espiritual. O país vive uma fadiga moral e simbólica profunda, como se tivesse perdido seu senso de futuro. Desaprendemos a imaginar um amanhã melhor.
Essa desesperança não surge da noite para o dia; é resultado de uma lenta soma de frustrações e promessas quebradas. Não é um colapso repentino, mas uma erosão gradual, alimentada por cada aumento dos preços nas gôndolas dos supermercados, por cada notícia sobre escândalos de corrupção que, na prática, não dão em nada (INSS, Banco Master etc.), por cada arbitrariedade cometida pelo sistema contra seus adversários políticos, por cada falsa promessa de prosperidade e justiça, por cada exaltação cínica da censura.
A economia, é claro, é um dos motores desse desalento. Apesar de os indicadores oficiais serem sempre positivos, na vida real ninguém comemora, porque os números não refletem a evidente perda de poder de compra do brasileiro comum.
O povo sente no bolso: o entregador que mal cobre o valor do aluguel, o pequeno empreendedor que não consegue mais pagar o plano de saúde e a escola dos filhos. A esperança econômica evaporou, deixando um vácuo preenchido por endividamento e migração interna para centros urbanos superlotados.
O custo de vida só aumenta, e mesmo quem está empregado precisa fazer malabarismo para ficar no “zero a zero” no fim do mês. A maioria não consegue sequer isso: o endividamento das famílias no Brasil atingiu um novo recorde histórico em outubro, com quase 80% sofrendo com algum tipo de dívida.
A inadimplência também subiu, para 30,5%. Mas, segundo os analistas da grande mídia, a economia está bombando!
Tudo isso cria um clima de frustração silenciosa. A promessa de ascensão social pelo esforço próprio, tão poderosa no início dos anos 2000, se esfarelou. O que antes parecia uma escada para a prosperidade virou uma escada rolante ao contrário: por mais que acelere o passo, o trabalhador sente que está sempre descendo. Sua prioridade é sobreviver, mas uma sociedade que pensa apenas no hoje está condenada a reproduzir infinitamente sua própria miséria.
Desprovido da crença de que é possível transformar o país, o povo se conforma e se retira psicologicamente de cena. É o niilismo democrático
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Evidentemente, o problema não é apenas econômico. A raiz mais profunda da desesperança é política. Há uma crescente percepção de vulgarização e empobrecimento do debate público. Já era bastante ruim o Brasil ser refém da polarização que sequestrou e envenenou a sociedade em níveis nunca vistos. Mas a situação piorou ainda mais: hoje o sistema trabalha abertamente por uma eleição tutelada, sem candidatos inconvenientes e com resultados previsíveis.
Polarização de verdade só existe quando os dois lados têm direito à voz e a um tratamento isonômico por parte da Justiça e da mídia. No Brasil, isso já desapareceu há muito tempo. Hoje um lado tem o direito de bater, e o outro, de apanhar e ficar calado. Em tempos de democracia relativa, quem discorda tem medo de falar. Melhor ficar quieto, né?
Nesse cenário, a apatia eleitoral é crescente: as pessoas não acreditam mais que seu voto pode alterar a realidade. Cada vez menos cidadãos confiam que o processo eleitoral é justo e transparente, e não estou aqui colocando as urnas em questão: quando o processo inteiro é contaminado pela parcialidade, fraudar urnas se torna desnecessário. Desprovido da crença de que é possível transformar o país, o povo se conforma e se retira psicologicamente de cena. É o niilismo democrático.
Outro elemento corrosivo da esperança é a insegurança endêmica que toma conta do país. A sociedade brasileira vive hoje em um estado de medo generalizado e permanente. Em um país com 50 mil homicídios anuais, a violência não é apenas estatística: ela contamina o imaginário. Não há quem não conheça alguém que já foi assaltado, sequestrado ou agredido.
Cada deslocamento cotidiano é acompanhado por pequenas estratégias de sobrevivência: evitar determinadas ruas, esconder o celular, andar depressa, desconfiar de todos. O medo é uma forma de prisão invisível, e uma população aprisionada não consegue sonhar. Quando a vida cotidiana se organiza em torno do medo, não há espaço para esperança.
Talvez um aspecto ainda mais devastador seja outro: a sensação de que o Brasil não recompensa o mérito, de que o esforço individual vale pouco diante da máquina pesada do Estado, da desigualdade estrutural, das alianças oligárquicas e do sistema político que parece operar em circuito fechado.
Jovens talentosos querem ir embora não por falta de amor ao país, mas porque sentem que aqui o talento é desperdiçado, a inovação é sufocada, a criatividade é tratada como ameaça, e não como motor de transformação.
A desesperança não surge apenas daquilo que se vive, mas daquilo que se imagina que poderia ter sido. O Brasil é um país que convive com a consciência dolorosa de seu próprio potencial desperdiçado.
Somos uma nação que sabe que poderia ser grande, mas escolhe ser medíocre. Essa frustração produz indiferença e cinismo, uma forma de corrosão moral que se infiltra em todas as relações sociais. Pior ainda: a desesperança foi naturalizada. As pessoas falam de miséria, violência, corrupção e degradação institucional com um encolher de ombros. Não há indignação, apenas resignação.
O brasileiro não grita mais: suspira. Não protesta: desiste. Não cobra: se afasta. Essa desistência silenciosa é infinitamente mais perigosa do que qualquer explosão de revolta, porque a revolta ainda traz implícita a crença de que algo pode mudar. Na resignação, não se acredita em mais nada.





