A primeira reação foi de perplexidade. Mas já começam a aparecer, no campo da esquerda, narrativas que dão algum sentido à decisão do presidente da França, Emmanuel Lacron, digo, Macron, de dissolver o parlamento e convocar eleições antecipadas. O certo é que se trata de um movimento de altíssimo risco – ou mesmo suicida - segundo os mais pessimistas (ou otimistas, dependendo do ponto de vista).
Se o objetivo for travar o avanço da direita (parênteses necessários: jornalistas da grande mídia, parem de rotular de “extrema-direita”, “ultradireita” e etc., qualquer um que não apoie a esquerda! Já está feio, e até ridículo, além de não enganar mais ninguém), a operação carece de lógica.
A eleição parlamentar antecipada acontecerá daqui a menos de 20 dias, em 30 de junho (com um segundo turno no dia 17 de julho), poucas semanas antes das Olimpíadas de Paris.
O que levaria o eleitorado francês, cada vez mais insatisfeito com Macron e a agenda globalista, a mudar de opinião sobre o governo em um prazo tão curto?
Segundo a imprensa europeia, Macron tomou a decisão sem consultar sequer o primeiro-ministro, Gabriel Attal, e o ministro da Economia, Bruno Le Maire, que teriam ficado contrariados com a medida, considerada desesperada à primeira vista.
Em todo caso, com a maior parte do país tão claramente contra ele, Macron avaliou que a continuação do seu mandato sem uma nova consulta popular seria temerário.
Recapitulando: na recente eleição para o Parlamento Europeu, o Reagrupamento Nacional (RN), de direita, teve 31,4% dos votos e 30 assentos. Por sua vez, o Renascença, partido de Macron, teve 14,6% e 13 assentos. Menos da metade.
Nesse contexto, a percepção hoje é que, ao apostar no tudo ou nada, Macron tem tudo para ficar sem nada. A se repetir uma vitória acachapante da direita, a pressão para que ele renuncie pode se tornar insuportável.
Mas o objetivo pode ser outro. Segundo o jornal francês “Libération”, há décadas porta-voz da esquerda francesa, defendeu esta semana uma tese bastante criativa: a de que Macron quer perder. Ele seria forçado a nomear um primeiro-ministro de direita (o nome natural é Jordan Bartella, do RN), com quem teria que conviver nos três anos finais de seu segundo mandato. A aposta é de que Bartella não terá capacidade de administrar o país, o que acabará gerando um enorme desgaste para a direita – e enfraquecendo as chances de Marine Le Pen na eleição presidencial de 2027.
A teoria vai na linha do que declarou, nesta semana, Luc Ferry, filósofo e ministro da Cultura durante o governo de Jacques Chirac: “A melhor coisa para acabar com um partido é deixá-lo chegar ao poder”. O que é verdade, até certo ponto.
Se isso acontecer, será uma convivência difícil, e nada impede o RN de fazer um excelente governo, apesar de sua experiência no poder se limitar a gestões municipais. Por outro lado, o partido vem se esforçando para moderar suas propostas, melhorar sua imagem e se tornar mais palatável junto aos eleitores de centro.
Já um analista do jornal “Le Monde”, de centro-esquerda, foi mais pessimista: “Ao brincar com fogo, o chefe de Estado pode acabar se queimando e arrastar o país inteiro para o incêndio”. Ele se referiu também ao risco de um parlamento muito fragmentado, e sem maioria, tornar o país ingovernável.
Apesar de rara e prevista na Constituição, a dissolução da Assembleia pelo presidente tem alguns precedentes (já ocorreu oito vezes, ao longo de mais de 100 anos). O general De Gaulle dissolveu a Assembleia duas vezes, em 1962 e 1968, e saiu vitorioso. O socialista François Mitterrand fez o mesmo, em 1981 e 1988. Já o conservador Jacques Chirac, por outro lado, fracassou: os socialistas venceram as eleições antecipadas convocadas em 1997.
Tudo indica que o fracasso aguarda Macron, ele que não tem a estatura de De Gaulle, nem a competência de Mitterrand.
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