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Instituído pela Lei 14.818/2024, o programa Pé-de-Meia é um auxílio financeiro concedido a estudantes de baixa renda do ensino médio, com o objetivo de diminuir a evasão escolar. Os beneficiários que concluírem os três anos do curso podem receber, em depósitos periódicos, um total de R$ 9.200: um benefício mensal de R$ 200 (sacáveis a qualquer momento), mais R$ 1.000 ao final de cada ano letivo (estes sacáveis somente no final do curso).
Alguns critérios precisam ser cumpridos, como a frequência de no mínimo 80% das aulas e a inscrição da família do estudante no Cadastro Único de Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico). O número de beneficiados já ultrapassa 2,7 milhões. Com a futura expansão para estudantes universitários, recentemente anunciada, esse número deve chegar a 4 milhões.
É, certamente, um programa de apelo popular, e sua autoria, aliás, está no centro de uma disputa política. A deputada Tabata Amaral, candidata à Prefeitura de São Paulo, se apresenta como a principal idealizadora do Pé-de-Meia. Mas há controvérsias, já que propostas semelhantes foram apresentadas anteriormente por outros parlamentares. Para efeitos deste artigo, isso não vem ao caso.
Como tudo na vida, e ainda mais quando se trata de programas governamentais, o Pé-de-Meia pode ser analisado com um viés otimista ou com um viés pessimista, com conclusões diametralmente opostas. É necessário dizer que, geralmente, a experiência demonstra que o viés pessimista está mais próximo da realidade, mesmo quando as intenções são boas (e nem sempre são).
Para um olhar otimista, são inúmeros os aspectos positivos do Pé-de-Meia. Se bem conduzido, o programa pode ajudar a reduzir a evasão prematura dos estudantes das famílias mais vulneráveis, rompendo ciclos de pobreza e exclusão. Pode contribuir, a longo prazo, para a redução da desigualdade e o aumento da mobilidade social, ao permitir que jovens foquem no estudo, se qualificando para um futuro melhor. Jovens com maior escolaridade, evidentemente, têm maiores chances de êxito na vida profissional.
Também se argumenta que o programa estimula a educação e o planejamento financeiros, o que é mais questionável. Um dinheiro garantido, que cai automaticamente na conta todos os meses, tende a ser gasto com pouca prudência e sabedoria. Prova disso é o assustador volume de recursos gastos por beneficiários do Bolsa-Família nas famigeradas Bets.
Portanto, em vez de incentivar os estudantes a desenvolver disciplina financeira, o efeito na cabeça dos jovens pode ser bem outro, ao criar a expectativa de que sempre haverá algum tipo de intervenção estatal para resolver seus problemas financeiros. Este é, aliás, o primeiro aspecto potencialmente ruim do Pé-de-Meia.
Os jovens podem se acostumar desde cedo com a ideia de que é natural depender de alguma ajuda do governo para sobreviver
Passemos então à análise das externalidades negativas do programa, isto é, dos efeitos indiretos e não previstos que podem impactar de maneira adversa não somente os beneficiários, como toda a sociedade.
Primeiro, a criação de uma cultura de dependência do Estado. Os jovens podem se acostumar desde cedo com a ideia de que é natural depender de alguma ajuda do governo para sobreviver. A assistência financeira direta cria a expectativa de que sempre se poderá contar com essa ajuda, o que diminui a motivação para buscar independência financeira por meio do trabalho e do empreendedorismo.
Perpetua-se assim um ciclo de dependência e precariedade, em vez do incentivo à autonomia e ao crescimento pessoal e profissional. Esse processo tende a gerar uma enorme frustração futura, e mesmo efeitos negativos de longo prazo na produtividade e na força de trabalho.
Segundo, o já mencionado mau uso dos recursos. Na vida real, sem a educação financeira adequada, é altíssima a probabilidade de os jovens gastarem o dinheiro recebido em consumo imediato (ou até mesmo em apostas), sem pensar nos benefícios de longo prazo de poupar ou investir. Isso também pode gerar frustração e desilusão, quando esses jovens pararem de receber o benefício.
Terceiro, os incentivos errados. Esta crítica se aplica principalmente à extensão do programa a estudantes universitários. O auxílio financeiro imediato pode fazer muitos jovens optarem pela vida estudantil apenas para garantir o recebimento do benefício, mesmo que tenham outras opções mais adequadas às suas necessidades, como cursos técnicos ou oportunidades no mercado de trabalho.
Mais uma vez, as consequências podem ser ruins tanto para os beneficiários quanto para a sociedade. Os estudantes podem se acomodar a programas acadêmicos não necessariamente alinhados aos seus interesses e habilidades, prejudicando seu desenvolvimento profissional. E, a longo prazo, isso pode criar escassez de mão de obra jovem disposta a aceitar empregos “de entrada”, com salários mais baixos, prejudicando empresas que dependem dessa força de trabalho.
O país também pode sofrer com um menor índice de inovação e de criação de novos negócios, uma vez que o empreendedorismo também é desestimulado. Corre-se o risco de fazer emergir uma geração de jovens que não desenvolvem habilidades de trabalho, nem a ética necessária para ter sucesso em uma economia competitiva; na prática, uma geração de cidadãos menos preparados para enfrentar os desafios futuros da vida real.
Quarto, o impacto fiscal. Em seu primeiro ano, o Pé-de-Meia teve um custo estimado de mais de R$ 7 bilhões, valor que deve aumentar substancialmente com a expansão do programa no ano que vem. Especialmente em um período de incerteza econômica e acelerado aumento da dívida pública, despesas dessa magnitude podem comprometer ainda mais o equilíbrio fiscal – com consequências nefastas para o país, como demonstra a nossa História recente.
Programas focados em soluções de curto prazo não atacam as causas estruturais da desigualdade, como a má qualidade da educação
Quinto, o clientelismo e a criação de uma base eleitoral dependente.
Sei que isso jamais aconteceria no Brasil (Atenção! Contém ironia). Mas outro risco do Pé-de-Meia é o programa ser instrumentalizado como ferramenta para criar uma base eleitoral entre os beneficiários, gerando clientelismo. Jovens podem ser induzidos a votar com base nos benefícios financeiros recebidos, em vez de avaliar o conjunto das políticas públicas implementadas e a eficiência na gestão da economia.
Cria-se, assim, uma base eleitoral alinhada a uma visão de mundo que favorece partidos de um determinado viés ideológico. Por exemplo, o programa pode tornar os jovens mais inclinados a votar em partidos que defendam o Estado provedor. Pode, também, ser usado para promover uma narrativa política desfavorável aos partidos que defendem a redução do papel do Estado. De forma sutil (ou não tão sutil), promove-se uma visão de mundo alinhada à esquerda, passando-se aos estudantes mensagens políticas implícitas sobre o papel do Estado e as soluções para o problema da desigualdade social.
Parece evidente que jovens que recebem o benefício possam ser levados a associar sua estabilidade financeira ao partido ou governante que implementou o programa. Se um jovem acredita que a sua segurança futura depende da permanência de determinado partido no poder, ou da continuidade de programas assistencialistas, a longo prazo isso pode distorcer a democracia, acentuando uma divisão social baseada em manter uma grande parcela da população dependente de benefícios estatais.
Além disso, a propaganda eleitoral eventualmente associada ao programa fortaleceria a narrativa de que somente os partidos de esquerda são capazes de beneficiar os pobres, associando-se os partidos de centro e direita a uma suposta defesa das desigualdades. Cria-se assim uma base eleitoral sólida e leal entre os jovens, especialmente entre aqueles que dependem do auxílio governamental, e a quem não se oferecem oportunidades de ascensão social através do trabalho e do empreendedorismo.
Por fim, programas focados em soluções financeiras de curto prazo não atacam as raízes e as causas estruturais do problema, como a falta de qualidade da educação básica. Programas assim podem acabar desviando o foco (e recursos financeiros) de outras áreas fundamentais para o desenvolvimento sustentável da sociedade.
A longo prazo, investir em educação de qualidade, na geração de empregos e até mesmo no combate ao tráfico de drogas e outras formas de criminalidade pode ter um impacto maior na vida desses jovens que oferecer diretamente um apoio financeiro imediato, que um dia acaba.
Um analista com viés negativo, portanto, poderia chegar à seguinte conclusão: ainda que bem-intencionado e com potenciais benefícios para a redução da evasão escolar, sem incentivo ao empreendedorismo e à formação técnica o programa Pé-de-Meia pode contribuir para gerar mais dependência do Estado e agravar ainda mais desequilíbrios fiscais e sociais.
Conteúdo editado por: Aline Menezes