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Luiz Felipe Pondé

Luiz Felipe Pondé

Escritor e ensaísta, autor de 'Dez Mandamentos' e 'Marketing Existencial'. É doutor em filosofia pela USP

Gênero

“Pessoas que mijam de pé”

Ativistas trans Espanha
Ativistas trans durante protesto na Espanha. (Foto: EFE / Daniel González)

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A bruxa está solta. Talvez devesse dizer "bruxe", para não ferir suscetibilidades progressistas. A verdade é que os debates de gênero estão atingindo níveis cada vez mais altos na escala do surto. Mesmos entres os progressistas, o pau (!!) come. Ou comem-se entre si como feras que se entredevoram dizendo que tudo é um benigno debate democrático.

Há muito que parte das humanidades, principalmente as de matriz americana, não serve para nada além de criar nichos temáticos que dominam os departamentos nas universidades e perseguem quem ousar ser um herege ou ousar dizer, por exemplo, a palavra "mulher" num ensaio.

Especialistas dirão que a expressão "pessoas que mijam de pé" permanece presa à matriz fascista da biologia. Mas, suspeito eu, a expressão "pessoas que menstruam" tampouco se libertou da mesma matriz maldita.

Grande parte dos ensaios de humanidades hoje morre na segunda linha quando apresentam alguns desses sintomas, tipo "ilu isso", "ile aquilo" – você não sabe o que isso significa? Melhor para você. Não perca tempo.

O surto acadêmico ganha força porque tomou um espaço gigantesco entre essa categoria de inúteis chamados de "subcelebridades" – que vivem de engajar gente das redes para falar de nada – ou mesmo de celebridades, a moçada do mundo artístico que nunca se destacou como gente que entende a realidade para além de seus fãs, suas letras musicais ou peças teatrais. Opinião é a coisa mais fácil de se dar, mesmo sobre nada.

Seguindo o espírito democrático de uma linguagem inclusiva, proponho que, para além de banir a palavra machista "mulher", que trai sua dependência semântica com esse território fascista chamado biologia, passemos a usar a expressão "pessoas que mijam de pé" no lugar do termo patriarcal "homem". Assim, incluímos homens biologicamente homens e mulheres trans que porventura mijem de pé.

Especialistas dirão que a expressão "pessoas que mijam de pé" permanece presa à matriz fascista da biologia. Mas, suspeito eu, a expressão "pessoas que menstruam" tampouco se libertou da mesma matriz maldita. Se avançarmos na investigação dessa herança semântica maldita da influência da matriz biológica reacionária, podemos tropeçar em outros exemplos.

Que tal "pessoas com útero" no lugar de mulher? Ou "pessoas com próstata" no lugar de homem? A diferença é que há um claro aspecto de visibilidade nas expressões "pessoas que menstruam" e "pessoas que mijam de pé" – tanto sangue quanto xixi pingam, aliás, como dizia Nelson Rodrigues (1912-1980) com relação ao desejo: "O desejo pinga".

Útero e próstata são órgãos visíveis apenas com o auxílio de procedimentos de medicina de imagem, o que poderia levar a dúvidas céticas quanto à autodeclaração dos indivíduos em questão. Será que você é mesmo portador de um útero ou de uma próstata?

Melhor permanecer no âmbito do que pinga. Aliás, continuando na esfera de Nelson, dizer que o desejo pinga significa dizer que o desejo não seria uma entidade metafísica, mas sim, líquida e submetida à gravidade, como o sangue menstrual e o xixi.

Enfim, surtos são entidades infinitas nas suas manifestações linguísticas. Não precisa ter formação em Lacan (1901-1981), psicanalista francês que adorava truques de linguagem, assim como o filósofo Heidegger (1889-1976), que também inventava dialetos alemães inexistentes, para perceber que esses excessos identitários são tentativas de criar novos significantes – olhe no Google – para que crianças passem a nascer "faladas" por esses significantes.

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Assim sendo, quando você nascer, seus pais – ou algo similar – já "falarão de você" como "pequena pessoa que menstruará" ou "pequena pessoa que mijará de pé". Claro que ainda permanecerá a maldição fálica freudiana de que as pessoas que mijam de pé o fazem desde crianças, enquanto que as pessoas que menstruam só o fazem quando entram na puberdade.

Mas esse detalhe temporal, biológico, diferencial e patriarcal, seguramente gerará muito espaço para mestrados, doutorados, bolsas, seminários, concursos com cotas, enfim, todo um novo nicho em que o surto semântico contemporâneo com relação à velha tara humana com o sexo seguirá seu curso histérico.

Nesse terreno, as escolas são as câmaras de tortura das crianças, e os pais, os idiotas que aplaudem.

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