
Ouça este conteúdo
O termo "Centrão" se refere a um fenômeno político que se nota em países que têm uma miríade de partidos nas assembleias legislativas e nenhum que detenha a convergência ideológica da maioria da população. Os partidos e parlamentares do Centrão defendem o status quo, não gostam de mudança e representam os diversos interesses corporativistas do Estado e não da população.
Os parlamentares do Centrão são sistematicamente comprados tanto pelas instituições permanentes de Estado quanto pelo governo eleito. Em outras palavras, o Centrão faz composição política com quem quer que seja que detenha o poder político.
Quando se percebe a falência institucional do país, a necessidade de reformas e o engajamento popular em torno de mudanças, é o Centrão que resiste firme sem qualquer pudor. E, na mesma moeda, somente depois que ele seja contemplado nas mudanças, como beneficiário ou sobrevivente político delas, é que o Centrão decide ir adiante com reformas. Tanto no Brasil quanto na Europa, o Centrão é a maior força política, pois representa o “eleitor confuso” que nesses países é a maior parte do eleitorado.
No caso do Brasil, com muita frequência me perguntam se os deputados e senadores do Centrão não têm preocupação com o Estado de Direito, com a separação de poderes, com a legalidade, com a obediência ao devido processo legal e efetivamente com a representatividade da população. A resposta é um retumbante NÃO. O Centrão representa a sobrevivência de si próprio como representante.
A sociedade acompanha pela mídia o Congresso sucumbindo às violações dos demais poderes, tanto o Executivo como o Judiciário. O eleitor que votou naquele que deveria ser seu representante no Legislativo fica indignado, pois depositou sua confiança em um candidato que pensou ser defensor de seus valores básicos e de um sistema político digno, mas se frustrou completamente.
O que mexe com o Centrão? O eleitor que se choca ao ver seus deputados e senadores traírem o povo muitas vezes votou em um representante do Centrão, essa é a verdade. Em que pese uma minoria dos deputados do Centrão prezar pelos valores basilares da República, a vasta maioria não pensa assim e só reage para fazer o certo quando alguns dos seguintes gatilhos são acionados:
Impasse gerado
Para resolvê-lo, o político do Centrão acaba fortuitamente indo na direção certa, isto é, se for criada uma obstrução ou impedimento para que ele atinja o que deseja, e, para isso, deve decidir no sentido de respeitar os valores fundamentais republicanos.
VEJA TAMBÉM:
Prejuízo político
Se tomar a decisão errada gera alguma perda de prestígio ou de status, todos os alarmes são acionados, pois o representante do Centrão, na sua maioria, tem pouca expressão popular.
Esse realmente é um fator que faz o político do Centrão pensar: “OK, vou fazer a coisa certa desta vez, porque posso perder popularidade e não me reeleger”. Muitas vezes a perda de status também pode gerar perdas financeiras, que é o item que veremos a seguir, também comprometendo o potencial de reeleição.
Prejuízo financeiro
Quando tiver reduzidas suas emendas parlamentares ou fundo eleitoral, ou se algum negócio pessoal que dependa do Estado for prejudicado, esse deputado reverte a posição e abraça o que é certo; por não ter uma representação popular orgânica de expressão, ele precisa de mais recursos para fazer campanha contra os que têm visibilidade e apoio popular.
Risco de prisão
Muitas das lideranças políticas do Centrão, em função de seu amplo enraizamento em esquemas de corrupção, só respondem para o lado da dignidade quando a possibilidade de sua prisão aumenta. É o típico malandro que percebe que ninguém mais acredita nas suas mentiras ensaboadas.
É exigir demais que tome consciência do erro que cometeu ou das violações constantes que defende, mas ele sabe que, para se preservar livre, vale tudo, inclusive dizer e fazer o que é correto;
Risco à reeleição
A maior parte da população, por não estar engajada na política, tem memória curta e não faz uma investigação séria do passado político dos candidatos, acabando por eleger personae non gratae, gente desqualificada, semimarginais da sociedade e da política, que acabam compondo o Congresso e as assembleias e câmaras locais.
O político corrupto sabe disso e sabe que existem várias janelas para voltar ao sistema. Mas tudo tem seu limite e, se os escândalos se acumulam, sobretudo perto ou no período eleitoral, muitas dessas janelas se fecham.
Esses são os cinco motivadores de como pressionar o Centrão a fazer a coisa certa. A linguagem falada pelo Centrão é distinta do que é esperado em um sistema idôneo; não se trata de um bloco que defende o Estado de Direito moderno, mas de um câncer de comportamento gerado pelo sistema eleitoral, com o voto proporcional — que afasta o eleito do eleitorado — criando todo tipo de abertura a agentes desconhecidos que adentram o sistema político.
Tais pessoas, sabemos, não têm a ética necessária para conduzir a coisa pública, assim como o caráter e a idoneidade para preservar o que foi construído. O resultado é que, por seu instinto de sobrevivência, elas destroem tudo que conservaria o que é bom, belo e verdadeiro.
Escravos do instinto e das opções
Estamos lidando com uma classe representativa primitiva, inclusive na linguagem, e somente aplicando duras penas e criando impasses, prejuízos políticos, financeiros, eleitorais e perda de liberdade é possível ser entendido. Este é o único idioma que o Centrão corrupto entende.
Enquanto os incentivos do sistema não forem mudados, esse fenômeno de comportamento deve persistir. E, pior, deve ter influência direta na escolha dos próximos candidatos aos cargos mais importantes do país. Aliás, sempre teve desde o fim do regime militar.
Todos os presidentes tiveram que fazer parceria com o Centrão. Enquanto o eleitor na base escolher representantes do Centrão, suas lideranças ganham força e nós teremos esse problema recorrente. E por que o eleitor escolhe deliberadamente esse Centrão? Temos alguns fatores:
O eleitor vota no Centrão porque é o segmento político que mais tem recursos para gastar em eleição; em outras palavras, é o que mais se promove e compra votos, conduzindo o eleitorado a só optar por eles. O Centrão não tem ideologia, mas, como tem dinheiro, acaba suplantando sua falta de opinião, relevância e visão de país;
Volume: eles estão em maior número. Há mais partidos do Centrão que da direita ou esquerda, então é muito provável que o eleitor escolha um partido de centro por mero desvio-padrão;
Confusão: o eleitor está confuso e, sob essa condição, não está nas redes sociais, não busca formar sua própria opinião, e, por isso, está sujeito ao ruído gerado pela mídia tradicional, que não é formadora de opinião, mas não perdeu sua capacidade de confundir o público.
Esse eleitor confuso é o alvo preferencial do Centrão, um eleitor que prefere a esquerda de viés ideológico aprofundado — embora muitas vezes o confuso se perca e se convença de que não é a ideologia correta — ao mesmo tempo que a mídia tradicional consegue convencê-lo de que a direita é radical e extremista, fator que o faz optar por esse Centrão amorfo.
As exceções: muitas vezes bons candidatos da oposição não encontram espaço em partidos conservadores da oposição nas suas cidades ou estados. Esses partidos também podem estar desvirtuados internamente por lideranças locais de seus diretórios estaduais e municipais. Às vezes as “panelinhas” negam apoio a candidatos legítimos de oposição. Tais candidatos acabam por recorrer a partidos do Centrão para se abrigar e fazer valer suas candidaturas.
Esse último item explica por que, na Câmara dos Deputados, em Brasília, muitos parlamentares do Centrão estão alinhados com a oposição, destoantes de seus partidos. Estes têm um caminho muito mais árduo, pois estão em ambiente hostil a quem tem posicionamento claro e, portanto, um mérito maior.
Infelizmente, esses bons candidatos muitas vezes não conseguem legenda em um partido de oposição e acabam engrossando as fileiras do Centrão. E seus números engrossam também o poder de barganha das lideranças do Centrão.
O que fazer?
Este texto é para descrever como o Centrão funciona e o que o faz mudar. Sem que se mudem os incentivos do sistema, é irreal dizer que o Centrão vai desaparecer. Para isso, é necessário um novo ecossistema político. O ideal para o eleitor brasileiro que deseja mudanças é criar uma maioria coesa.
Nas eleições de 2022 tínhamos uma maioria de deputados e senadores não alinhados com a esquerda. Mas não houve coesão, pois a maior parte deles também não estava alinhada com a direita, apesar de terem feito campanha como tal. Ou seja, foram facilmente divididos e comprados pelo Poder Executivo.
Para se criarem mudanças, não basta ter maioria, mas sim coesão em torno de uma agenda de soluções. A direita já está muito mais bem qualificada hoje do que no passado recente. E o Centrão também está muito mais bem financiado hoje do que no passado. Os jogadores e o jogo para 2026 estão postos e prestes a começar. A bola da esperança é a opinião pública.
Conteúdo editado por: Aline Menezes




