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Foi lançado recentemente um dos livros mais importantes para o aprofundamento da formação histórica: “Os Arquitetos das Américas”, de Rodrigo Marinho (Ed. LVM). Trata-se de uma reflexão sobre dois personagens que mudaram a história do jovem continente americano: George Washington e Dom Pedro I. O autor demonstra como esses dois líderes, cada um à sua maneira, forjaram as maiores nações das Américas, unindo liberdade, responsabilidade e amor à pátria.
Rodrigo Marinho foi muito feliz em fazer a junção de duas personalidades que mesmo deslocadas no espaço-tempo do continente - uma no final do século XVIII nos EUA, a outra no início do século XIX no Brasil - assumiram a mesma missão. Com um passado pessoal que os coloca como líderes de transição de modelo político de Estado, que estava em curso exatamente naquela época, essas lideranças são fonte constante de investigação e pesquisa acadêmica.
Tempos de Independência
As personalidades de George Washington e de Dom Pedro I adequaram-se perfeitamente ao momento em que viveram. Seu caráter ousado foi essencial para uma liderança de transição, caso contrário ela nunca ocorreria, e é exatamente esse ponto que precisa ser cada vez mais explorado, pois estabelece uma conexão com o perfil de liderança desejável na atualidade.
O livro aborda um tema muito importante, pois independentemente do momento certo, ou de todas as variáveis necessárias para conduzir as mudanças e a transição de um modelo para outro, é necessário ter um temperamento incisivo, uma personalidade determinada.
Por incrível que pareça, George e Pedro guardam muitas semelhanças, são dois generais, duas lideranças naturais. Apreciam o campo, o embate bélico e o heroísmo. Gostam de estar junto com suas tropas, de estar à frente da mudança, não admitem serem condutores sem, de fato, liderarem fisicamente seus soldados.
Cincinato e o rei soldado
Na independência do Brasil, a Pedro I foi concedido o título de “Protetor e Defensor Perpétuo do Brasil” pelos brasileiros. Mais tarde, e não por acaso, em Portugal, D. Pedro IV - nosso D. Pedro I - ficou conhecido como “o rei soldado”, em virtude de sua luta contra o absolutismo de seu irmão Miguel no cerco do Porto. Tanto no Brasil quanto em Portugal Pedro I fez implementar constituições modernas que separavam e limitavam poderes, inclusive o seu próprio.
Paralelamente, George Washington é amplamente visto como líder determinado, demonstrando forte vontade e resiliência, especialmente durante a Revolução Americana. Também foi aclamado pelos americanos e não se furtou em qualquer momento de enfrentar o inimigo mesmo diante de probabilidades de vitória ínfimas. Muitos queriam aclamá-lo rei, mas ele preferiu entregar o poder depois de dois mandatos como presidente. Se tornou conhecido como Cincinato, em referência ao general romano que fora eleito ditador pelo Senado romano várias vezes, mas sempre devolvia o poder ao Senado sempre que julgava que sua missão estava cumprida.
Em termos de origem e intento, as semelhanças se estancam nesse ponto.
O mundano e o mitológico
Washington vem da aristocracia rural, tinha escravos e era um homem voltado à fazenda, à vida no campo, o que o distancia de Dom Pedro, eclético e abolicionista. Enquanto que a imagem de Pedro I era relacionada à sua vida de aventuras mundanas, Washington era elevado ao status de símbolo mitológico: não por propaganda, mas por anseio de uma jovem nação validar o heroísmo de seus patriotas.
Há passagens memoráveis que tornam Washington um homem agraciado por milagres. Em uma delas, durante a Guerra da Independência, quase perdeu a vida, especificamente na Batalha de Brandywine, em 1777. Washington liderava suas tropas contra o exército britânico e ficou exposto ao fogo inimigo. Em um momento crítico, uma bala passou por seu jaquetão, mas providencialmente não o atingiu. Além disso, há relatos de que seu cavalo foi baleado enquanto estava sendo montado, mas Washington conseguiu escapar ileso.
Apesar de todos os seus feitos, e sua notável honestidade e bravura, Washington não era tão bem educado quanto Pedro I. Nem perto. Pedro era considerado um acadêmico arredio dentro do quadro nobiliárquico europeu. Por isso foi falsamente considerado mal-educado pela historiografia nacional.
Na verdade, era o contrário. Pedro I era erudito (possivelmente mais que muitos intelectuais de hoje), distinguia-se pelos bons modos, pela diplomacia, falava várias línguas (enquanto Washington só falava inglês), tinha ouvido absoluto, escrevia e compunha músicas, tocava instrumentos musicais e, é claro, adorava estudar generais e táticas de guerra.
Essas são apenas algumas das distinções curiosas que se observam na historiografia de ambos os países, e que pode ser contemplado para discussão em “Os Arquitetos das Américas”.
Levantes contra o Velho Regime
De qualquer maneira, o livro faz uma excelente análise dessas lideranças que, sim, têm intentos e vontades semelhantes e possuem personalidade para representar a mudança. Ao mesmo tempo, são apresentadas curiosidades sobre suas vidas pregressas, o que gera debate sobre todos os acontecimentos no período.
O autor foi muito feliz no enfoque dado ao livro e está de parabéns pela obra. Os séculos XVIII e XIX têm que ser mais bem estudados não só na historiografia das Américas, mas também da Europa, pois todas as ideias que vieram a moldar as Américas e o mundo estão calcadas em eventos monumentais que estavam acontecendo na Europa.
Não fossem figuras de transição como George Washington e Pedro I, a história do mundo seria muito diferente. O impacto de suas ações no ecossistema local e regional reverberou no futuro do mundo como o conhecemos.




