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Luiz Philippe de Orleans e Bragança

Luiz Philippe de Orleans e Bragança

Despertar cívico

Que tipo de ativista você é?

Ativismo no Brasil cresceu entre 2014 e 2017, quando a sociedade civil se mobilizou em movimentos nacionais impulsionados por temas como a Lava Jato, o impeachment da Dilma e a prisão de Lula. (Foto: Arquivo/Marcelo Andrade/Gazeta do Povo)

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O ativismo da sociedade precisa ser reativado. Entre 2014 e 2017, vimos a sociedade civil se levantar contra o governo. Não havia líderes, não havia políticos ou partidos envolvidos nesse levante. Era o povo de verdade e, pela primeira vez, estava organizado em movimentos nacionais que assumiram o protagonismo da política. Defesa da Lava Jato, impeachment da Dilma e prisão do Lula foram os temas que levaram multidões às ruas, para espanto do governo de esquerda que se achava o comandante das manifestações até então.

Mas esse período áureo do ativismo cívico não durou. A partir de 2018, por diversas razões, a sociedade brasileira se desmobilizou e voltou a deixar para a classe política o protagonismo do combate político. Só agora, em 2025, percebemos o quanto isso faz falta. O ativismo da sociedade civil precisa voltar.

Um dos privilégios de escrever para esta Gazeta do Povo reside na certeza de que os leitores são conscientes. Para você, tenho essa pergunta-título, considerando que só o fato de se dispor a ler artigos como os que são publicados aqui reflete sua participação nos rumos do Brasil e do mundo.

Os níveis

Há quatro níveis de engajamento político que todo ativista precisa entender e, em cada um deles, há uma função clara, a depender das suas competências, habilidades, interesses e conhecimentos.

1. Engajamento por lideranças

O primeiro é o ativista que se mobiliza por lideranças. Esses são os de maior número e se confundem com o eleitor entusiasmado. Eles se mobilizam como cabos eleitorais, fazendo propaganda de seus candidatos a todo momento oportuno e sempre focam qualquer debate político mais no “quem” e menos no “o que” ou no “como”. Para ele, qualquer causa política não é relevante caso seu líder não a apoie ou não a conheça.

Esse tipo de ativismo é o mais preponderante porque é materializado e concentrado na personalidade de um líder, envolvendo um conjunto de valores, símbolos, princípios e normas encarnados na figura viva de um indivíduo. Agem como se a campanha eleitoral nunca tivesse fim.

Trata-se, portanto, de ativismo eleitoral, que tem recorrência no Brasil, pois a cada dois anos temos eleições, e o ativismo em prol de uma personalidade é inegavelmente necessário. Entretanto, apenas o ativismo focado na pessoa do líder político é incompleto se não houver outros tipos de cobranças políticas.

2. Engajamento por causas

O segundo nível de ativismo é o das causas e das pautas políticas. É um ativismo calcado em ideias díspares ou mesmo em uma ideologia coesa. De qualquer forma, é mais vago, filosófico e acadêmico.

Em qualquer debate, o ativista de causas tenta sempre levar a discussão para a ideia que fundamenta “o que” e frequentemente aponta incoerências nos indivíduos que supostamente defendem a mesma coisa. Como ideias estão desencarnadas de qualquer personalidade, o ativista que as defende é mais crítico, cínico e apático com as lideranças políticas pragmáticas e só demonstra algum entusiasmo ao ver líderes que possam ser capazes de materializar suas ideias.

Essas ideias revelam uma visão mais clara de para onde temos que ir como conjunto, como nação e como território, país e cidadania. Trata-se de agir completamente desvinculado de uma personalidade. É demonstrar poder de visualização que revela uma conscientização do que é preciso fazer para debelar problemas.

Esse tipo de ativista é importante porque fornece o conteúdo, a essência do que o líder político deve fazer, e por isso sua ação é mais complexa, pois é mais difícil mobilizar em torno de ideias e causas do que defender pessoas.

Mobilizar por ideias tem menos adesão que por líderes, pois o ruído, a confusão de opiniões e a baixa consciência política geram baixo consenso. No entanto, é a mobilização por causas que cria base de sustentação de longo prazo ou de destruição de curto prazo.

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3. Engajamento por reformas

O terceiro nível é o ativista por mudanças no sistema, no regime, no Estado. Na minha opinião, esses operam de forma mais discreta do que aqueles que defendem líderes ou causas, pois requer uma cosmovisão de como as coisas de fato funcionam e como a interação entre essas diferentes forças políticas se desenvolve.

É uma visão de organização do regime dentro do qual o jogo político será travado. Em outras palavras, é a visão do estádio, das regras que definem o jogo e quais são os limites para os jogadores.

Essa perspectiva pertence a poucos indivíduos e ocorre sobretudo com aqueles que acompanham a política assiduamente, estudam história, estão na máquina pública, são juristas ou trabalham com política e estão em sintonia para entender as engrenagens e como melhorá-las. Eles detêm avaliações dos gargalos dos diversos sub-regimes que regem todo o sistema e definem mudanças sobre o que pode gerar crises.

Que problemas recorrentes temos? Onde o Estado atual falha em resolver esses problemas? Ou será que o próprio Estado é o problema?

O ativismo em prol de mudanças no sistema ou de sua aprimoração envolve um grupo muito seleto, mas fundamental, porque não adianta colocar a pessoa certa com as pautas certas se o regime é deficiente, corrupto ou defasado.

Quem se mobiliza por reformas faz um ativismo raro, mas peça fulcral para gerar grandes mudanças

4. Engajamento pela cultura

Quem se engaja pela cultura tem consciência de que a cultura está na base de tudo. A cultura é um conjunto de aspectos como valores, história, símbolos, comportamentos, mitos, tradições, ícones, linguagem, literatura, artes cênicas e plásticas, arquitetura, religião, esportes, heróis, desafios, perdas e vitórias que são compartilhados e constroem a identidade de uma sociedade.

Há muitos ativistas que defendem alguns desses aspectos que compõem a cultura; entretanto, poucos fazem a sinapse (a conexão) desses aspectos culturais com líderes políticos, causas políticas ou reformas de Estado.

Em outras palavras, o número de ativistas culturais que transferem seu ativismo para se tornar pautas políticas, reformas de sistema ou defesa de líderes específicos é muito pequeno. E, por isso, o ativismo cultural que vem da sociedade é raro. No entanto, a cultura que é promovida e controlada pelo Estado é bem ampla e conta com vários “promotores” culturais. Esses não são da sociedade, mas sim uma oligarquia corporativista dependente do Estado. Existe até mesmo Ministério da Cultura na esfera federal e, nos estados e municípios, há secretarias dedicadas à cultura.

Isso mesmo: o Estado capturou o poder da cultura para si e passou a impor sua própria versão, introduzindo comportamentos, éticas, valores, mitos e até criando seus próprios heróis fictícios. Pior: embutida nesses aspectos culturais controlados pelo Estado está a premissa de que, sem o Estado, não há cultura.

Essa captura não é nova. Iniciou-se com a República, enraizou-se na era Vargas, expandiu-se com o fim do regime militar e se consolidou com a era Lula.

No início da intervenção cultural, o Estado brasileiro promovia o carnaval e o futebol como parte da política “pão e circo”. Isso virou praxe nos primeiros 100 anos dos governos republicanos. Hoje, o Estado brasileiro foi muito além: promove questões antirreligiosas, determina comportamentos antinaturais, como o aborto, a marginalização da família, tirando-a do centro da sociedade.

Esses novos aspectos culturais impostos pelo Estado são uma afronta tão forte à ordem natural que serviram de estopim para o levante de consciência de uma base bem ampla de ativistas culturais que querem o oposto: a volta da religiosidade na educação e da família como o epicentro da vida social no Brasil. E isso criou o ensejo para se questionar o sistema político como um todo.

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A síntese

Por isso, há uma grande conscientização da necessidade de reformas no Brasil, pois se percebeu que o sistema já foi longe demais. Não bastasse o poder de intervenção do Estado na sociedade, vemos a corrupção, o crime organizado, a injustiça e a tirania tomando conta das instituições públicas. É uma falência completa da credibilidade do sistema político.

Já existem ativistas e políticos que representam essa necessidade de mudança. Ainda não são a maioria e não está claro se pensam em reformas profundas do sistema ou simplesmente agem para ocupar espaço no sistema estatal atual, mas estão se apresentando cada vez em maior número.

Desse modo, os ativistas precisam cobrar para se obter efetividade. E mesmo a cobrança precisa ser qualificada. Os ativistas precisam de consenso sobre perguntas importantes, por exemplo: o que é responsabilidade da sociedade e o que é função do Estado? Se for política pública do governo, em que esfera deve ser contemplada (federal, estadual ou municipal) e de que forma (perene ou temporária)? Quais líderes representam mudanças de sistema e quais só preenchem espaço? Que tipo de regime e de Estado é necessário combater para evitar esses problemas no futuro?

Quem acompanha esta coluna já sabe responder boa parte dessas perguntas e já se engaja na política em um ou todos os níveis de engajamento expostos acima. O ideal seria uma síntese entre os diferentes níveis de ativismo, unificando o engajamento por pessoas, causas, reformas e cultura, pois todos são fundamentais. Mas nem o autor que escreve esta coluna se engaja em todos esses níveis, pois foca mais onde pensa agregar mais valor.

Portanto, comente com qual nível de ativismo você mais se identifica: líderes, causas, reformas e/ou cultura. Eu já respondo o meu: dedico-me mais a causas e reformas. E você? Seu comentário tanto pode ser uma introspecção sobre que tipo de ativista você é como também pode servir de ajuda para outros se encontrarem no campo de batalha em prol do Brasil.

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