Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
Luiz Philippe de Orleans e Bragança

Luiz Philippe de Orleans e Bragança

Sistema

Semipresidencialismo: ditadura ou democracia?

Temos um sistema que não é presidencialista nem parlamentarista mas sofre os vícios dos dois modelos. (Foto: Joédson Alves/Agência Brasil)

Ouça este conteúdo

As conversas sobre a mudança do sistema de presidencialismo para semipresidencialismo no Brasil começaram com o pé errado e pelo canal errado: por membros do Centrão e do STF. No entanto, o tema é digno de ser discutido, pois a mudança de regime é fundamental para o Brasil sair do lodo político que o atual regime criou.

Em meu primeiro livro, “Por que o Brasil é um país atrasado?”, faço uma análise da situação política dos mais de 190 países que compõem a ONU. No capítulo 6, por exemplo, estão claramente identificados quais países têm o maior e menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). 

Nos primeiros lugares do IDH estão aqueles com sistema parlamentarista, (na maioria, monarquias cristãs, e algumas repúblicas). Os países mais subdesenvolvidos, ditatoriais e pobres, têm menor IDH, são repúblicas presidencialistas ou semipresidencialistas. 

Como definir o regime?

O fator marcante para auferir o regime é avaliar quem exerce domínio. Se o parlamento é quem define a agenda política, o orçamento, a execução de políticas públicas e a representação da vontade popular do momento, o modelo é parlamentarista. Quando o presidente lidera essas funções, o sistema é presidencialista.

Decorre dessa ideia o próprio nome, “parlamentarismo”. O sufixo “ismo”, aliás, está também presente em “presidencialismo”, e define quem comanda, ou deveria comandar o sistema político. 

Mas, e no semipresidencialismo, quem é que manda? É aí que mora o perigo.

Semipresidencialismo e seus extremos: entre todos os países desenvolvidos, com maior IDH, apenas dois adotaram esse modelo. E eles são claramente liderados por seus parlamentos: França e Portugal. Em ambos, o presidente não é a figura central e as discussões parlamentares concentram o pulso da política dos dois países, dominando a agenda. O presidente é um agente direcional, mas pode sofrer reveses do parlamento.

Do outro lado, há sistemas semipresidencialistas, como o da Rússia, Bielorrússia, Ucrânia e diversos outros países da Ásia e da antiga União Soviética que também se dizem semipresidencialistas, mas seus parlamentos são totalmente irrelevantes no protagonismo político e seus presidentes são ditadores de fato.

Onde está o erro? Na subordinação. No semipresidencialismo ditatorial, o presidente comanda o orçamento, a agenda política e a legislação

Ele nomeia quem será o primeiro-ministro, a mesa diretora do legislativo e estes se tornam subordinados a ele. O parlamento nesses casos se torna mero carimbador das decisões do presidente. 

E no Brasil? No modelo político do Brasil, o presidente concentra o orçamento e define a agenda, mas quem aprova tudo isso é o Congresso. Nos últimos 30 anos, o Executivo tem obtido sucesso na compra do Congresso para aprovar o que quer. Ou seja, o Congresso Nacional tem se subordinado ao poder executivo pela corrupção.

Portanto, considerando quem está iniciando essa discussão, se o Brasil migrar para um modelo semipresidencialista será para subordinar o Legislativo ainda mais ao poder Executivo, efetivamente criando uma ditadura, ou para criar um modelo mais parlamentarista? Para quem trabalha na política, a resposta é óbvia.

A concentração do poder no presidente abriu portas para o nazismo: o modelo semipresidencialista surgiu na República de Weimar, na Alemanha, após a Primeira Guerra Mundial, depois do fim do Império Alemão. Depois de eleito, o presidente deveria sugerir um primeiro-ministro ao Parlamento, que vinha para compor uma coalizão majoritária. Caso não tivesse adesão do Parlamento, outro seria nomeado até que o Parlamento aceitasse a sugestão do Presidente. Até aí estava tudo bem, só que mais tarde, nos anos 30, os nazistas conseguiram distorcer esse modelo.

Para apaziguar as arruaças que o partido nazista estava promovendo nas ruas, o presidente Paul von Hindenburg nomeou Adolf Hitler primeiro-ministro, mesmo sem maioria do parlamento. O que aconteceu depois, todos nós já sabemos. 

Quando Hindenburg morreu, Hitler, em vez de convocar novas eleições para presidente, deixou os nazistas criarem uma falsa crise e se aproveitou da situação para consolidar os dois cargos em um só, tornando-se presidente e primeiro-ministro ao mesmo tempo: um super-presidente, ou seja, um ditador. Em grande parte, tudo isso foi conduzido de forma constitucional, apelando a regras de calamidade, segurança nacional e poderes emergenciais, com o intuito de não chamar novas eleições. 

Esse é o modelo semipresidencialista que começou certo, mas deu errado. Agora vamos entender o outro lado da moeda.

O outro lado do semipresidencialismo: enquanto a Alemanha concentrava poder no presidente, a França, no mesmo período, concentrava poder no parlamento durante a Terceira e a Quarta República. Havia um presidente escolhido e sucumbido pelo parlamento, de forma que o presidente não tinha força e o parlamento era extremamente fragmentado pelos caciques partidários, o que impossibilitava a governabilidade. 

Mais tarde, o general Charles De Gaulle resolveu a questão, fazendo um referendo popular para criar a Quinta República: deu ao presidente poderes bem definidos. Eleito por um colégio eleitoral, o presidente ganhou e tinha o poder de sugerir um primeiro-ministro ao parlamento (como era na República de Weimar pré-Hitler). Na verdade, o que De Gaulle fez foi criar duas fontes de poder legítimas: a do presidente e a do parlamento.

Na Quinta República, o parlamento se tornou muito mais representativo e fiel ao eleitor, e não aos caciques partidários, mudando o sistema de votação para voto distrital. Esse fator, aliado ao equilíbrio do poder do presidente perante o parlamento, foi o que salvou o modelo semipresidencialista francês.  

Com mais representatividade direta, os caciques de partidos têm menos força na barganha de divisões políticas e o parlamento ganha em legitimidade na condução da política. O poder do presidente francês tornou-se o que é hoje, um direcionador da agenda, mas o parlamento continua soberano. E assim a França segue até hoje, uma referência de país desenvolvido a partir desse modelo semipresidencialista. 

É curioso notar que França e Alemanha tomaram caminhos antagônicos. A Alemanha começa o século 20 com o sistema semipresidencialista, reforçando o poder para o presidente, mas após a Segunda Guerra Mundial adota um modelo parlamentarista, com o congresso forte e presidente mais fraco. 

Em oposição a esse modelo, a França começa o século 20 com a Terceira e Quarta República de sistemas quase exclusivamente parlamentaristas e acaba por adotar, na Quinta República, com De Gaulle, um sistema semipresidencialista, presidente com mais poder. O ponto a ser discutido, portanto, não é se o melhor modelo para o Brasil seria o parlamentarismo ou o semipresidencialismo, mas onde está o equilíbrio de forças. 

No contexto francês e alemão, essa equação foi resolvida para conduzir ambos os países a mais estabilidade política, dos meados do século 20 até agora. E nós?

Legitimidade, limites e equilíbrio

Se por um lado, o semipresidencialismo pode se tornar uma ditadura do executivo, por outro, se reforçar demasiadamente o poder do parlamento, pode destruir qualquer chance de governabilidade. O ideal é reforçar a legitimidade de cada um desses poderes, estabelecer limites claros e definir um regimento de balanço. 

Para isso é fundamental definir claramente os papéis, tanto do parlamento como do presidente. 

No caso do Brasil, alguns dizem que o regime é mais parlamentarista, mas só o presidente tem legitimidade por causa do voto direto.

Na prática, temos uma jabuticaba que não é presidencialista nem parlamentarista e sofre dos vícios dos dois modelos

Há vários detalhes para melhorar o nosso regime e todos são cruciais. Por exemplo, sugiro que o parlamento tenha mais poderes de orçamento e definição de política pública pelas comissões, extinguindo as agências reguladoras do executivo e tirando alavancas de corrupção do Congresso. 

Outra sugestão é adotar o voto distrital, para dar mais legitimidade ao parlamentar e limitar a condução da política pelos caciques dos partidos. Esse tem sido o nosso padrão mais evidente e que destrói qualquer chance de amadurecimento de uma democracia representativa, com estabilidade e equilíbrio. 

O limite invisível: vemos como no presidencialismo, parlamentarismo e semipresidencialismo os detalhes contam e definem se o país tem a chance de se tornar digno e desenvolvido. A função dos parlamentos é a parte mais importante para definir se o país é uma democracia representativa madura ou não, e sabemos como a corrupção age no Congresso do Brasil, avassalando o legislativo.

É importante ressaltar que as Câmaras são mais representativas que o poder executivo, e devem ser soberanas na questão de definição de legislação e de governabilidade. Os outros poderes, Executivo e Judiciário, também são legítimos, mas meros orientadores do parlamento. Entretanto, há um limite importante ao poder do parlamento e que poucos mencionam: a federação.

A França, por exemplo, não é um país federalista, mas existe o poder devolvido para regiões autônomas, que têm parlamentos próprios para definir legislações e tributações locais. Essa autonomia federativa também impõe um limite ao poder do parlamento central.

Já o modelo federalista da Alemanha, a descentralização é mais forte, ao ponto de as assembleias locais terem mais poder decisório sobre mais temas que o parlamento central. O mesmo ocorre nos Estados Unidos, em que o congresso norte-americano interfere menos na vida dos cidadãos que nas assembleias dos Estados-membros.

E no Brasil? O Brasil se define federalista, mas o Congresso Nacional concentra muito mais poder legislativo que muitos países unitários como a França, por exemplo. Esse é um aspecto importante na análise, pois nem todos os modelos seguem na prática o que dizem ser no papel. 

Em suma: a diferença entre presidencialismo, parlamentarismo e semipresidencialismo está nos detalhes e é importante prestar atenção a eles. Na história das democracias dos últimos 300 anos, os países desenvolvidos que se caracterizam como tal souberam reforçar seus parlamentos, e não enfraquecê-los, e respeitaram os limites e equilíbrio de forças entre poderes.  

A mudança de regime é importante, mas a discussão desse tema ainda está concentrada nas mãos erradas. É fundamental que mais cidadãos se qualifiquem para participar do debate. Quem sabe este artigo seja o início do caminho para atingirmos o objetivo de fazer o Brasil deixar de ser um país atrasado? 

VEJA TAMBÉM:

Conteúdo editado por: Aline Menezes

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.