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Madeleine Lacsko

Madeleine Lacsko

Reflexões sobre princípios e cidadania

Cultura Woke

A cruzada da Disney para substituir desenho animado por panfleto ideológico LGBT

Disney (Foto: Unsplash)

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Se Walt Disney fosse vivo, provavelmente não deixaria mais seu nome ser usado para fazer propaganda dessa seita maluca. Ele era um conservador declarado, fazia doações para o partido Republicano, embora tivesse sido Democrata quando jovem. Mas um dos segredos do sucesso é que a Disney sempre foi um mundo de ilusão infantil, não um piquete. Agora, está sendo transformada numa parada gay.

A história veio à tona diante da mobilização de funcionários com a tal da lei apelidada de "Don't Say Gay" na Flórida. É um apelido esperto. Embora nosso foco fique mais nos professores, o grande problema são os administradores escolares. Eles é que promovem treinamentos em que crianças são orientadas a mudar de gênero ou têm seu nome alterado na lista de chamada sem que os pais tenham conhecimento. As escolas que os formam estão entre as mais fracas e mais ideológicas dos Estados Unidos. Ocorre que eles também é que determinam créditos escolares, matrículas, boletins. As crianças pequenas tomam orientações malucas sobre sexualidade como verdades, regras objetivas.

E de onde vêm essas orientações? Do Identitarismo ou Movimento Woke, o bebê de Rosemary da pós-modernidade, que contaminou o ambiente universitário, principalmente na área de humanas. A ideologia substitui o conhecimento, a escola deixa de ser um espaço de ensino e pesquisa para ser um espaço de transformação da sociedade. O problema é que ninguém nem conhece a sociedade nem aprende nada sobre ela, alega ter boas intenções e ser bom, querer inclusão e igualdade.

Na questão de gênero existe a Teoria Queer, que não é ciência nem construção de conhecimento, é uma Teoria Crítica, uma análise provocativa que pode ou não ser comprovada de forma empírica. Em grande parte, já foi testada e é comprovadamente falsa. Mas até nas grandes universidades que preparam administradores, a questão de gênero é ensinada utilizando autores como Marcuse, Deleuze, Judith Butler. Aliás, a imprensa também comete o mesmo erro.

Com o intelecto da profundidade de um pires, esses agentes crêem ter aprendido a explicação de um fenômeno biológico, humano e social: gênero. Na verdade, leram uma hipótese a respeito de um fenômeno não observado nem quantificado de maneira científica. Ao não entender a diferença e tentar agir com base na própria ignorância, produzem desastres. Mas não têm problemas de consciência porque se blindam na atuação virtuosa. Trabalham pela inclusão. É o pior tipo de autoritarismo, o que se crê bondoso. É para o seu bem, então aguenta.

Nas escolas, os governos e os pais começam a interferir. E o problema nem é só ficar o tempo todo falando de fantasias da seita do identitarismo. Há outro pior ainda que é não falar dos conteúdos necessários para que as crianças tenham uma educação de qualidade. Para aquelas que vêm de famílias já favorecidas, o impacto é menor. Mas aquelas que são as tais minorias terão um impacto terrível. Não eram justamente essas que o povo do identitarismo diz que protege? Pois é, não é bem assim.

O problema aumenta quando essa seita invade o universo da comunicação. Ela começa a assumir o lugar de fatos. Eu compreendo que o mundo não é feito só de fatos, nem o meu é. Mas é como se eu fizesse essa coluna falando a você das maravilhas que eu acredito que Jesus fez e faz na minha vida diariamente. De como tenho a mais absoluta certeza de que determinado acontecimento é a mão de Deus.

Eu tenho o direito de ter fé em algo que nem é área da ciência? Tenho. Eu tenho o direito de falar às pessoas da minha fé? Claro que tenho. Pode ser que eu esteja certa na minha fé? Eu entendo que estou. O que eu não posso é dizer a você que isso é um fato, querer impor minha fé a você e apontar o dedo xingando de negacionista quem ousar me questionar. É isso o que faz diariamente o povo do identitarismo.

O caso da Disney é particularmente interessante porque mostra a ação insidiosa e coordenada de grandes empresas, pessoas colocadas em posições estratégicas, ONGs, empresas de publicidade e jornalistas. Uma campanha deliberada para que 50% dos personagens Disney sejam LGBT está em curso. Dê um Google em Disney e LGBT e veja o que a imprensa brasileira noticiou: o oposto. Que a Disney estava boicotando personagens LGBT em suas produções.

A verdade sobre o caso Disney

Primeiro a Disney havia se posicionado a favor da lei da Flórida. Então, vários funcionários começaram a fazer manifestações públicas nos Estados Unidos. Coincidentemente - ou não - a imprensa norte-americana e de vários outros países noticia "denúncias" de que a Disney teria sido homofóbica ao vetar secretamente personagens LGBT. Fontes secretas, claro. Nenhum caso concreto apontado.

Mas obviamente, falou homofobia é truco. Ganharam. Se a Disney foi homofóbica mesmo sem ter nenhum exemplo concreto de quando isso aconteceu, ela precisa pedir desculpas públicas. Então ela fez isso e parou de apoiar a tal lei, fazendo inclusive uma nota oficial afirmando ser contra qualquer tipo de discriminação.

Daí alguém decidiu ir atrás de fatos. A história era um pouco diferente do que você viu na imprensa. Havia empregados da Disney pressionando ativamente por uma agenda LGBT como se fosse uma doutrinação religiosa. Alegavam inclusão, mas sem demonstrar o nexo causal entre a ação que propõem e o objetivo que querem alcançar. Seria como eu obrigar todo mundo a aceitar Jesus no desenho animado para alcançar a paz mundial. Eu ia achar bom, mas não faz sentido.

A presidente corporativa da Disney, Karey Burke, disse que "como mãe de uma criança transgênero e outra pansexual, ela apóia ter muitos muitos muitos personagens LGBTQIA nas histórias" e até se comprometeu com um mínimo de 50% de LGBTs e minorias entre os personagens.

Ou seja, a impressão que a gente tem ao ver Star Wars virar Priscilla, a Rainha do Deserto não é à toa. Aliás, preciso dizer que eu gostei bastante do Star Wars novo porque também gosto muito de Priscilla, a Rainha do Deserto. Mas prefiro Darth Vader, que mataria todo mundo da fase Disney já na primeira cena por absoluta falta de paciência com gente fresca.

Tem mais. Christopher Rufo obteve o vídeo da reunião interna da Disney sobre a lei da Flória. A produtora executiva Latoya Raveneau diz que a equipe dela já implementou uma agenda gay não tão secreta e está adicionando "queerness" em toda a programação infantil.

E vamos agora a um exemplo concreto de teoria da conspiração de extrema-esquerda, com todos os ingredientes clássicos: a mentira, o medo de tirarem tudo de você, a sensação de que ninguém está fazendo nada, as crianças como alvo, etc. A moda da ala psiquiátrica da direita era dizer que alguém quer roubar seus filhos e entregar à pedofilia e as provas seriam fotos em eventos sociais ou mensagens de whatsapp. Aqui é a mesma tosquice. Só que vinda de uma diretora da Disney e levada a sério.

Nadine Smith, ativista da Equality Florida diz que a intenção dos autores da lei é "apagar vocês, criminalizar sua existência e tirar seus filhos". É uma teoria da conspiração pesada, inferindo que a intenção dos republicanos é sequestrar os filhos de famílias com pais homossexuais. Uma empresa do tamanho da Disney tomou uma decisão oficial com base nessa teoria da conspiração. Que beleza.

Não é inclusão, é sinalização de virtude e negacionismo científico

Por que precisa colocar diversidade de pessoas nos anúncios? Porque representatividade importa e cala a sua boca. Religião não pode ser questionada, métodos e ciência sim. Colocar a diversidade nos anúncios é um método eficaz para promover mais inclusão? Faz sentido que seja, mas realmente acontece? Boa pergunta.

A Disney quer colocar 50% de personagens LGBT e minorias nos filmes. Nos Estados Unidos, a população que assim se define é em torno de 5%. No mundo, se estima algo em torno de 10%. Uma organização que advoga por políticas públicas com base em fatos questionou a Disney sobre a decisão. A resposta de uma ativista demonstra que a matemática não vai salvar apenas o Brasil, vai salvar o mundo, até o da fantasia.

Por que 50% representando um grupo de 2%?

Ela quer 50% de personagens que sejam LGBTQIA+ e minorias raciais (na perspectiva dos Estados Unidos)
42% dos EUA são não-brancos
5,6% dos EUA são abertamente LGBTQIA+
E a Disney é uma companhia global
~84% do mundo é não-branco
~10% do mundo é LGBTQIA+
50% de representação no filme é
justo (grifo meu)

Não entendi essa conta, mas sei que não é uma noção de justiça. A palavra justo é utilizada como moralismo de quinta categoria, para dividir o mundo entre causas boas e causas ruins. Como essa causa é considerada boa, tudo o que for feito em nome dela é positivo, não importa qual seja o resultado. O importante, afinal, não são as minorias, são as pessoas que vão se dizer flanelinhas de minoria, os Che Guevaras de apartamento.

É justo privar a infância da fantasia, da arte e da ficção? É justo impor critérios para escolha de personagens de ficção em cada obra? Você não pode mais ter uma obra sobre um tema específico ou sobre uma cultura específica? Um filme de cachorro tem de ser metade gay, metade lésbica, metade trans, metade não binário, metade pansexual. Qual a noção de justiça na imposição dessa regra para obras de ficção?

É também algo derivado da mesma seita, o identitarismo. Representatividade importa. Empresas gigantescas e gente muito razoável chega a acreditar nisso. Eu já acreditei. Se você colocar representadas na ficção e na publicidade as minorias que não ocupam determinadas posições, elas serão exemplos e essas pessoas entenderão que tais posições também são para elas. Realmente faz sentido.

Nem tudo que faz sentido acontece e nem tudo que acontece tem sentido. Se colocar na propaganda funcionasse, só ia ter negro nos altos cargos de banco brasileiro. E também entre os maiores clientes. Estão? Não sei nem se o pessoal faz a conta, mas não parece haver um equilíbrio entre o que a propaganda mostra e a realidade.

Pensa na propaganda da Avon e na vontade de mostrar que pessoas trans e travestis também existem. Se dependesse de se ver na propaganda para virar realidade, você ia ver até drag queen usando Avon, sendo que elas não vão usar um negócio desses nem morta que elas só usam marca cara. Quem usa Avon é mãe de família mesmo, que compra no catálogo. Pode botar quantas travestis quiser na propaganda.

Na indústria de tecnologia, matemática e engenharia, mulheres são tradicionalmente minorias. Em determinado ponto, resolveram colocar mais mulheres nas propagandas das empresas e nos anúncios, para atrair mais talentos femininos. A tese é de que mulheres são culturalmente afastadas desse tipo de trabalho, acham que não são trabalhos para elas. Também há isso, todo mundo já ouviu. Mas será que é o único fator ou o preponderante? E mais: será que colocar mais mulheres na propaganda corrige a desproporção?

A primeira coisa é sobre a razão de mulheres não buscarem os trabalhos em tecnologia, matemática e engenharia. Você acha que eles são mais desejados por mulheres em países como Brasil e Índia ou em países como Noruega e Dinamarca? Brasil e Índia. Como há mais desigualdade entre homens e mulheres, os trabalhos preferidos por homens dão status que mulheres desejam. É um dado comprovado pela ciência, mostrado no documentário Hjernevask, Lavagem Cerebral.

O outro ponto é: aumentar de propósito na propaganda a proporção de grupos minoritários conduz a um ambiente mais igualitário? Essa é a tese que conduz hoje decisões de publicidade e propaganda da maioria das grandes empresas no mundo. Segundo estudo publicado no Journal of Personality and Social Psychology, é um apelo ao bom mocismo que custa caro: erode a confiança na imagem da empresa e a sensação de segurança dos funcionários das minorias.

O estudo se chama "Diversidade falsificada: como deturpar estrategicamente a diversidade de gênero atenua a sinceridade percebida das organizações e eleva a ameaça à identidade das mulheres", feito por Kathryn M. Kroeper, Heidi E. Williams e Mary C. Murphy. Foram analisados casos reais de empresas que tomaram a decisão de colocar mais mulheres em propagandas, sites e comunicação interna do que realmente tinham em seus quadros.

Ter um grupo diverso de funcionários não é uma questão de bondade ou de todas pessoas terem direito, é uma estratégia econômica. Vivemos numa economia global em que todo tipo de pessoa tem acesso à hipercomunicação via celular. Quanto mais variedade de experiências de vida uma empresa puder ter, mais percepções de problemas, oportunidades e propostas de soluções diferentes ela vai conseguir. Isso já é traduzido em números, por isso tantas empresas investem em diversificar o pessoal.

"Como alternativa a falsificar a diversidade, o presente trabalho sugere que a ênfase a diversidade aspiracional pode ser uma tática de recrutamento promissora para empresas não diversificadas. Para nosso conhecimento, o nosso é o primeiro estudo a examinar a eficácia de uma abordagem de diversidade aspiracional em recrutamento. Achamos que as empresas são interpretadas como mais sinceramente interessadas em promover diversidade de gênero quando reconhecem explicitamente a falta de diversidade no presente, mas expressam uma aspiração de aumentar a diversidade daqui para frente.", sugerem os cientistas.

Expliquei isso por amor à causa, mostrar como esse fenômeno ocorre e por que grandes empresas, com tradição e executivos experientes, tomam decisões com base numa seita maluca acreditando se tratar de estudos científicos sobre inclusão. Mas essa da Disney nem eu entendi onde o pessoal quer chegar.

Metade de personagens LGBT em todo desenho animado de criança vai ser uma coisa tão chata que nem a comunidade LGBT vai ter paciência com o desenho. Capaz de ter gente entrando no armário de novo só de vergonha de tanta gente sem noção na Disney.

E a coisa das minorias, sinto avisar, mas a visão da Disney sobre a diversidade cultural não é exatamente diversidade cultural. O Brasil, por exemplo, é representado pelo Zé Carioca e por Rio. É que nem novela da Gloria Perez com todo mundo na Índia e no Marrocos usando decote e falando português. Não é exatamente diversidade. Mas parece que não tem um amigo para avisar que isso tem um pezinho no racismo.

O mais interessante desse processo é que, ao acreditar fazer algo bom e virtuoso, a turminha do identitarismo faz as piores barbaridades sob o manto da virtude. Não tem nem peso na consciência de propor o controle ideológico da arte para crianças, sexualização de personagens infantis e representações racistas de outras culturas. Eles podem fazer as piores coisas, afinal é tudo para o seu bem.

Se for para escolher um racismo sobre brasileiro, deixo vocês com o meu preferido. É a novela iraquiana Samba, que rodou em 2011. Garanto que aquele povo recalcado e metido a virtuoso da Disney jamais seria capaz da ousadia artística do país de Saddam Hussein.

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