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As redes sociais baniram Donald Trump quando ele ainda ocupava a presidência dos Estados Unidos devido às postagens violentas dele. Ele passou anos em lua-de-mel com as redes sociais, onde praticou com maestria técnicas para dominar a pauta do noticiário só hoje conhecidas do público. Foram as redes que decidiram impulsionar o conteúdo dele por anos mas, quando invadiram o Capitólio, tiraram tudo do ar.
Agora que o talibã novamente tomou o poder no Afeganistão, como será o posicionamento das plataformas que baniram o presidente da maior democracia do mundo? A imprensa internacional perguntou e o Twitter respondeu. Disse que vai manter as contas dos líderes do talibã mas ficar vigilante para eles não serem violentos nem desrespeitarem regras da plataforma. Ah, bom!
Apesar de ser uma das redes sociais com menos público, o Twitter tornou-se importante pela capacidade que seu algoritmo tem de pautar a imprensa. É por isso que os políticos estão ali em massa. Jornalistas usam a rede e tendem a pensar que tudo o que viraliza por lá é porque tem o mesmo eco na vida real. Noticiam e acabam propiciando que esse eco realmente exista. Pode procurar que tem até manchete dizendo "fulano tuitou tal coisa" sem nem contextualizar.
Quando a imprensa pergunta sobre manter o talibã nas redes, a resposta é bem hábil. O Twitter infere que se fala do banimento de todos os afegãos, inclusive aqueles que estão pedindo ajuda. É uma manobra de dissonância cognitiva que pode funcionar bem, mas não muda os fatos. Os líderes do talibã tem contas super movimentadas, estão postando e ganhando mais seguidores.
Embora pareça medieval, o talibã tem na tecnologia um braço importantíssimo da dominação do povo afegão. Grupos terroristas sabem bem como usar os algoritmos em seu favor. A moda começou na Somália e rapidamente virou um ativo importantíssimo do ISIS para colocar suas ideias no ocidente. A mais recente publicação sobre contraterrorismo da ONU tem foco principalmente no ambiente digital, sua efetividade e seu poder subestimado. Mas o talibã fica no Twitter.
Nos anos da presença norte-americana, o Afeganistão fez esforços monumentais de digitalização e modernização do sistema bancário e de documentos. Pensando como democrata, isso serve para que a sociedade tenha um maior controle sobre as atividades de empresas e governos, é uma ferramenta de transparência. Pensando como o talibã, é uma forma excepcional para perseguir e aniquilar inimigos.
Quem controla o governo controla os dados e o acesso a eles, simples assim. Muitos ativistas, jornalistas e até quem simplesmente prestou serviços para ocidentais correm para apagar todos os dados que conseguir. A vida das pessoas está online e o talibã não costuma ser razoável. Perdão, no Twitter ele costuma ser mais razoável até que meu amigo Alessandro Alvarenga, designer brasileiro, suspenso por uma postagem de ódio contra homossexuais. Ele é homossexual e sou testemunha de que não se odeia.
O porta-voz do Taliban, Zabihullah Mujahid, tem mais de 300 mil seguidores no Twitter. E ele só permanece na plataforma porque, ao contrário de Donald Trump, não desrespeita as regras nem incita violência. Um bom exemplo da efetividade do Twitter ao banir quem infringe regras ou incita violência é esse vídeo comemorando a invasão e conquista de mais uma cidade pelo talibã. Violento é o Alessandro, que postou a palavra "viado". Aí, sinceramente, passou dos limites.
Ah, deve ser uma exceção que eles não viram. Afinal, a inteligência artificial não consegue detectar armas de grosso calibre nem incitação a invasões, não é? Traduzo do pashtu esta outra postagem do porta-voz do talibã que continua online porque não viola regras, como estimular invasões violentas: "Sede da polícia de Herat conquistada. O inimigo fugiu ao ver as baixas e o comando ficou totalmente sob o controle dos Mujahideen. Dezenas de veículos militares, armas e munições caíram nas mãos dos Mujahideen. A guerra continua, os Mujahideen avançam em direção à província e à inteligência. Ahmadi"
Quem assina a postagem é Qari Yousaf Ahmadi, outro conhecido líder do talibã que tinha, até ontem 50 mil seguidores e ganhou mais 15 mil. É muito útil que, quando a gente entra na página de um chefão do talibã, o Twitter já indica mais 3 para a gente seguir. Iria dar um trabalhão fazer a busca em pashtu e para receber essas mensagens que não incitam violência e por isso permanecem no ar. Veja que lindo este vídeo descrito como "nossas crianças também odeiam os escravos e criadas dos invasores". Está no ar porque respeita as regras do Twitter.
Ontem, para provar que ali não é bagunça, exploração da violência e dar poder a quem ganha no grito, o Twitter lançou uma nova ferramenta. Agora você vai poder reportar postagens que desinformam. A palavra original em inglês é "misleading", ou seja, postagens que distorcem as coisas. E como o Twitter vai julgar o que é distorcido? Ah, eles entendem bem. Veja que maravilha o caso Vera Magalhães x Martinho da Vila.
Só entre anteontem e hoje viraram alvo de milícias digitais nas redes as jornalistas Carla Vilhena, Natuza Nery, Malu Gaspar e Vera Magalhães. É o "vale a pena ver de novo" de 2017, uma preparação para o ano eleitoral. A diferença agora é que a distorção dos fatos foi feita pelo próprio Twitter, que criou um "event" distorcendo a situação e escondendo uma informação crucial. Esse tipo de postagem não é derivada de algoritmos, é manual.
No programa Roda Viva, perguntou-se a Martinho da Vila sobre milícias. O artista é tão ligado à escola Vila Isabel que a coloca em seu próprio nome. Há 11 dias, a revista Veja noticiou que a viúva do miliciano Adriano da Nóbrega fez uma delação premiada acusando o ex-presidente da Vila Isabel de ser o chefe do "departamento de execuções" da milícia escritório do crime. O Twitter omitiu essa informação e ainda mentiu, como você vê abaixo.
O Twitter mente, deliberadamente, numa publicação feita por curadoria manual. "questionamentos feitos a artistas negros em torno de questões sociais que não necessariamente seriam parte de suas obras". O artista em questão usa no próprio nome o nome de uma escola de samba que, por circunstâncias alheias à sua vontade, é relacionada às execuções da milícia. Se isso não é um baque sobre um artista, não sei o que seria.
Depois desse episódio, realmente estou muito segura de que o ambiente vai melhorar, eu não vou mais precisar entrar na Justiça, pedir ajuda à Polícia Militar e civil porque ninguém vai ameaçar meu filho de morte nem ir à escola dele. O Twitter, que tem toda essa veemência em combater desinformação, não vai mais deixar um telefone sem fio chegar ao ponto de despertar tanto ódio em alguém.
Como resolver essa situação? Eu iria dizer que, em primeiro lugar, precisamos desentrouxar o jornalismo. Mas vai demorar ou não vai acontecer. Melhor que você, cidadão, aprenda sobre algoritmos, funcionamento das redes e manipulação. Eu chamo de "efeito Mister M". Descobriu como funciona a mágica, você não cai outra vez.
Vi várias reportagens feitas no Brasil sobre o caso das jornalistas, que é matéria local, recente, fácil de conseguir. Não falavam do fato: o ex-presidente da escola cujo nome é usado por Martinho da Vila é apontado como chefe das execuções da milícia Escritório do Crime. Apenas copiam o que vêem nas redes, como caixa de ressonância. Assim, a rede ganha poder efetivo na vida real. A treta de lá vira notícia.
Avaliem no caso do banimento de Trump e manutenção dos chefes dos talibãs no Twitter o tanto que não saiu de abobrinha. Foi feita uma comparação com o Facebook, que já baniu o talibã e agora não sabe direito como vai agir quando o governo começar a ser reconhecido pela comunidade internacional. Para você, leitor, fica a impressão de que uma rede é boa e a outra má. Não é nada disso.
Aqui não falamos de bem e mal, falamos de dinheiro. Postagens de um grupo contra outro são o que mais gera engajamento nas redes. Isso não é automático, é uma decisão executiva que foi convertida para algoritmos e gera lucro. O que as empresas colocam exatamente nos algoritmos ninguém sabe, sabemos só o que elas declaram. A Austrália é pioneira em enquadrar legalmente algoritmos. O Chile agora tenta uma regulamentação interessantíssima vinda de Columbia.
É verdade que o talibã foi banido do Facebook, mas dar a impressão de que esta plataforma adota política oposta à do Twitter é desinformar o público. Ambas têm problemas e ambas agem no limite da regulamentação dada por cada país. Como o Brasil ainda está na idade da pedra e fica regulamentando conteúdo em vez de focar no contexto, distribuição e curadoria, teremos muito tempo de baderna.
O Facebook está também no meio de um escândalo porque não só permite que milícias armadas tenham grupos de recrutamento como aceita pagamentos delas para impulsionar postagens. Tanto as milícias armadas em si quando membros famosos que estão na imprensa internacional conseguem fazer anúncios. A plataforma já prometeu diversas vezes banir anúncios políticos.
Informação é poder. Num movimento kamikaze, o jornalismo tem cedido seu poder às redes sociais, virando caixa de ressonância da curadoria de conteúdo feita por elas. Não há forma mais eficiente de afastar-se do público e até da realidade. Sempre acreditei que poder não se dá, se toma. Agora estou vendo ser dado de bandeja. Steve Bannon e Jason Miller dizem que virão ao Brasil para as próximas eleições. Como dizia Eduardo Cunha, "que Deus tenha misericórdia desta nação".