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Brasil: um país que não fica mais chocado com atirador em escola
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Ontem ocorreu um caso chocante de atirador numa escola em Minas Gerais. A imprensa noticiou. A repercussão, fora os veículos locais, foi insignificante. No mundo das redes sociais, regido por algoritmos e não pela realidade, razão ou decência, pouco repercutiu.

O que está acontecendo conosco? Em que momento passamos a ser um país que não fica chocado com atirador em escola?

O governador do Estado de Minas Gerais, Romeu Zema, fez um tuíte e emitiu uma nota oficial. Não teve aquela coisa mais elaborada, com vídeo e palavra amiga, que os políticos fazem hoje quando, por exemplo, recebem a visita de um jogador de futebol. Parece que estamos decidindo nossas prioridades pelo que bomba nas redes, não por princípios. E isso não é uma crítica ao governador, é a nós todos, inclusive eu.

Há 20 anos ocorreu o primeiro massacre em escola de que se tem notícia: Columbine, nos Estados Unidos. Até hoje se fala disso, virou filme, nos jogou em uma nova realidade em que o ressentimento pode levar jovens a se organizar para copiar o feito. Não sei quantos casos iguais aconteceram no mundo, mas é perturbador que a gente tenha passado a tratar casos assim com indiferença no Brasil.

Uma professora foi heroína ontem: Sandra Borges Ferreira. Arriscou a vida, salvou uma sala de aula inteira e não foi reconhecida por nós da forma devida.

O tiroteio foi uma tragédia que deixa marcas num povoado pacato, de 2 mil habitantes, a 560 quilômetros de Belo Horizonte. Ponto do Marambaia é um povoado da cidade de Caraí e fica às margens da rodovia Rio-Bahia. A Escola Estadual Orlando Tavares, onde tudo aconteceu, tem alunos do 6o ano do fundamental ao 3o ano do Ensino Médio.

Um aluno de 17 anos de idade faltou às aulas. Apareceu na escola às 8 horas da manhã, mas não entrou pelo portão principal. Vestido de preto e armado com uma espingarda de dois canos, uma faca e uma pistola falsa, pulou o muro.

Ateou fogo em mochilas e desligou a energia elétrica. Os primeiros disparos alarmaram o diretor, que pediu os professores para trancarem as portas da sala de aula. Quem estava no páteo saiu correndo da escola.

O atirador tentou entrar em uma sala mas não conseguiu porque a professora Sandra Borges Ferreira segurou a porta com o próprio corpo. Ele atirou pela porta. Atingiu um colega, de 15 anos, parte do grupo que correu para ajudar a professora a manter a sala fechada. Nervoso, ele saiu atirando pelo corredor e atingiu outro colega, de 16 anos.

Quem acabou com o tiroteio foi o irmão do atirador, que tomou a espingarda dele quando apontou para a cabeça de um professor. A polícia apreendeu o menor em seguida. A arma era do padrasto, que foi preso.

Os dois estudantes baleados felizmente sobreviveram. Fabrício Passos foi atendido no hospital da cidade vizinha, Padre Paraíso, e liberado ontem mesmo. Marco Antônio teve de ser transferido para uma cidade maior, Teófilo Otoni, porque perdeu muito sangue. A última notícia é que está estável seu quadro de saúde.

O relato da polícia sobre os motivos do crime é absolutamente chocante e precisa servir de alerta sobre a situação da nossa sociedade. O rapaz tentou namorar duas garotas e elas deram um fora nele. Então, pensou em abrir fogo na escola para "assustar" as duas, imaginando que isso convenceria a namorar com ele.

É um menino descrito na imprensa local como tranquilo. Até aquele momento, com 17 anos de idade, o único episódio de agressividade contado é por Whatsapp, na relação com as meninas. Há um relato de cortejar e, quando rejeitado, reagir enviando xingamentos.

Talvez, se não fosse por Whatsapp mas pessoalmente, alguém no pequeno povoado de 2 mil habitantes teria percebido que o menino não estava lidando bem com rejeição e poderia ter ajudado. Ele não contou a ninguém, as meninas também não e ele decidiu que a solução era entrar atirando na escola.

Há diversos grupos de Whatsapp, de Facebook - sem falar nos chats, fóruns da web ou deepweb - em que diversos jovens e adolescentes normalizam morte e suicídio como soluções para problemas corriqueiros da vida e rejeições cotidianas. Não há ninguém ali para dizer a eles que outras soluções são melhores.

Eles vivem no mesmo mundo em que os adultos não mais agem, apenas reagem ao império dos algoritmos de redes sociais. Adultos que não são capazes de se mobilizar em indignação e luto diante de atirador numa escola são capazes de evitar outras tragédias do tipo? Precisamos tirar a cara do celular e nos questionar.

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