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Madeleine Lacsko

Madeleine Lacsko

Reflexões sobre princípios e cidadania

E se a gente já fizesse o impeachment junto com a eleição?

(Foto: Evaristo Sá/AFP)

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Sabe o adolescente que cresceu sem ouvir um não? Aquele que atravessou os anos com os pais arrumando desculpas para tudo de errado que ele faz, ameaçando professora que deu nota vermelha, processando a escola quando repete de ano ou é expulso, ganhando tudo o que pede, quebrando celular e recebendo outro no mesmo dia. Então, esse é o eleitorado brasileiro. Agora, novamente, a gente acha que comprar mais um celular para o menino será suficiente para que ele fique feliz e passe a ser uma pessoa decente.

Eu defendo que a gente já faça eleição e impeachment ao mesmo tempo. Daí a gente continua escolhendo candidato a presidente do Brasil como se fosse votação do BBB ou duelo de repentista e depois tira porque não deu certo. Quem diria que esse candidato tão bom em irritar meu cunhado chato iria se embananar a ponto de ter gente pedindo impeachment, né? Isso mesmo, presidente da República serve para você mitar no seu grupo de whatsapp, se dizer feminista ou ser lindo. Não é para governar não.

Já disse mais de uma vez, aliás quase diariamente porque sou chata, que sou a favor de um psicotécnico. Aliás, psicotécnico que já deveria ter sido feito há muito tempo, desde quando o PT passava a mão na cabeça do deputado que defendia da tribuna o fuzilamento público do presidente Fernando Henrique Cardoso e de mais um ministro. Quem poderia imaginar que uma pessoa com esse perfil e que, depois de trocentos mandatos, jamais relatou um único projeto de lei, iria ter dificuldades para pegar no pesado e colocar o Brasil acima dos próprios caprichos? Ninguém, impossível de prever.

Quem imaginaria que uma novata no PT, vinda do PDT e empurrada goela abaixo das diversas correntes ideológicas do partido iria ter problemas para governar depois de rachar com Lula para concorrer à reeleição? Impossível, gente. Afinal, ela é uma mulher e é importante ter mulheres na presidência. Todo mundo gritava que fascistas e machistas não passarão. Ela sempre foi contra os neoliberais. Como prever que a chapa poderia esquentar com a economia cambaleando se, por capricho, ela resolvesse rachar com o ex-presidente Lula?

Também não era possível para um adulto prever que daria errado colocar na presidência um jovem sem base política nacional, com um partido muito pequeno, vindo de um Estado com pouquíssimos deputados e dono de um discurso agressivo na hora em que precisávamos de união para a transição democrática? Gente, ele tinha "aquilo roxo", andava de jet ski, dançou com a primeira dama na festa de 15 anos dela e ia tirar todos os marajás do universo. E não tinha muita escolha entre os outros 53 candidatos, fazer o quê, né?

A relação do brasileiro com eleição é exatamente a mesma que a Gretchen tem com o casamento. Aliás, desejo a ela que finalmente acerte o passo nessa 18a união, que eu tive o prazer de assistir ao vivo no YouTube. Talvez ela tenha até mais chance de acertar do que o eleitor brasileiro de acertar em 2022. Seria bom se, com a vacina, distribuíssemos também uma dose de vergonha na cara.

Qual o evento que marcou a primeira geração a viver na democracia após 1988? Os caras pintadas que pediram o impeachment de Fernando Collor de Mello. Democracia, para o brasileiro, pode ser resumida em "se der errado a gente tira". Colocamos 4 pessoas sem capacete numa moto em alta velocidade na estrada, conscientes do que estamos fazendo, daí tem um acidente. Nossa, que decepção, né? Quem poderia imaginar um acidente nessas circunstâncias?

O motorista da moto, que teve essa ideia brilhante, sobrevive. Os outros três também, felizmente. Ficam machucados, passam um tempo internados, mas sobrevivem. Estão todos convencidos de que a culpa é da fábrica da moto. Agora só vão comprar moto da concorrência. Amigos, parentes e colegas de trabalho concordam. Começam a fazer um enorme movimento em defesa da vida contra aquela marca de moto assassina. Todos sentem-se heróis.

Gostaria demais de encontrar um jeito de convencer o Comitê Olímpico a incluir vitimismo entre os esportes oficiais. Além do judô, seria uma outra medalha certa para o Brasil todos os anos. É uma vergonha para nós que de 5 presidentes eleitos, 2 tenham sofrido impeachment, um tenha ido parar na cadeia e agora se fala em impeachment de mais um. Mas todo mundo é vítima porque o erro é sempre do outro lado.

É um país que se faz de sonso depois de tomar todos os piores tipos de decisão. A responsabilidade não é só dos políticos, dos privilégios, dos conchavos. Também é nossa. O resultado das nossas escolhas coletivas tem sido invariavelmente algo que prejudica todo o país. E depois queremos nos sentir heróis em vez de assumir as consequências. Não falo aqui do caso específico de Jair Bolsonaro e nem se há ou não elementos para impeachment. Falo de nós, cidadãos. Há algo de muito errado na forma como escolhemos e precisamos pensar nisso com muita seriedade.

Agora começou o festival de gente sonsa nas redes sociais. Tem o povo que ainda está discutindo se era impeachment ou golpe. Outros perseguem tudo quanto é mulher jornalista com a frase "uma escolha muito difícil". Minha experiência mais gratificante é com os colegos jornalistos que nunca vão me ler e assistem meus vídeos no mudo para finalidades não informativas perguntando: "em quem você votou mesmo?". Sim, na fantasia deles, eu sou ou fui bolsonarista.

Um dia antes da posse do presidente Bolsonaro, fiz esse vídeo acima. Para quê? Descobri que é um sacrilégio perguntar a alguém eleito para governar um país se ele vai trabalhar ou não. A equipe de transição nem sabia que precisava fazer o orçamento do ano seguinte e submeter à aprovação do Congresso. Contava que o Congresso tinha um orçamento e eles mudavam como queriam após a posse. Nem em barraca de cachorro quente se admite para a função alguém que nem sabe qual é a função. Mas a gente sim.

Houve uma enxurrada de xingamentos, ameaças de morte e campanhas pela minha demissão quando eu ousava perguntar se o brilhante mago da Faria Lima ia fazer o serviço dele ou só ficar mitando em entrevistas. Talvez eu não saiba que é crime no Brasil achar que governo tem de colocar o povo em primeiro lugar em vez do ego invariavelmente superestimado dos nossos políticos.

Infelizmente estamos plantando o que colhemos, todos nós. Para colher outra coisa, vamos ter de aprender juntos a plantar outro tipo de semente. Ou, sei lá, a gente pode pedir para a mãe da gente ir gritar com a professora e falar que a nota vermelha está errada porque a gente foi bem na prova.

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