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Madeleine Lacsko

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Reflexões sobre princípios e cidadania

EUA avançam na regulamentação, mas Big Techs querem ser inimputáveis e absolutas

(Foto: Alex Wong/AFP)

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Os produtores de conteúdo brasileiros já perceberam que algo mudou nas últimas semanas em grandes plataformas, como YouTube, Facebook e Twitter. Para os que ganham dinheiro com seus canais, foi preciso renovar informações de todo tipo, sobretudo aquelas ligadas a impostos e trânsito de dinheiro nos Estados Unidos. As redes sociais estão passando pela lupa do governo norte-americano, de olho principalmente em monopólio e lucro ilegal com manipulação emocional para radicalização.

Esta semana, Mark Zuckerberg fez um pronunciamento que, por parte da imprensa, foi celebrado como defesa de uma regulamentação. Disse que as Big Techs devem ser responsabilizadas por postagens ou campanhas de usuários se e quando descumprirem as próprias regras de utilização. Nenhuma mãe celebrou, obviamente. Quer criar as regras para ele mesmo e só sofrer consequências se descumprir as regras que ele criou para si? Meu filho também, mas aqui não cola.

Parece óbvio que as plataformas devem cumprir as regras que criam. O fato de não cumprirem é que dá a impressão de ser essa uma solução para o caos que criaram. Uma empresa cumprir e fazer com que os usuários cumpram as regras que ela própria criou para utilizar os serviços não é nem a obrigação, é menos que isso. Ainda é necessário cumprir as leis vigentes, tendo respeito pela dignidade humana. As Big Techs não estão fazendo uma coisa nem outra e estão bilionárias.

O resultado quer dizer que vale a pena não cumprir leis, não respeitar a dignidade humana e não cumprir nem o que se propôs a cumprir voluntariamente. Dá muito dinheiro. Ocorre que as Big Techs também trazem inovações que são extremamente positivas. Principalmente depois da pandemia, sabemos que não há volta atrás, por isso o empenho em regulamentar.

Nos Estados Unidos, a Seção 230 do Communications Decency Act é tida como a pedra fundamental da regulamentação da internet. Ela estipulava que empresas não fossem punidas por postagens dos usuários. Isso foi antes das redes sociais, que se garantiram com esse cobertor. Ocorre que este ano a coisa mudou com o Safe Tech Act, que responsabiliza a empresa que lucra com tal postagem.

A diferença é técnica. A blindagem não foi feita para redes sociais, que propagandeiam providenciar uma plataforma mas, desde 2010, com a mudança dos algoritmos, não são apenas isso. O coração do negócio das redes sociais é a coleta de dados para distribuição estratégica de conteúdos. Nos casos em que a plataforma cobra pela distribuição, como é o caso de ações publicitárias, impulsionamentos e disparos para públicos específicos, os EUA propõem agora que sejam responsabilizadas.

A ideia de Mark Zuckerberg seria abolir a tal da Seção 230. Fosse aqui no Brasil, já teríamos refeito umas 20 vezes, só para ver como a seguinte dá mais problema que a anterior. Nos EUA, a legislação é tratada com mais carinho. Aparentemente, não faz sucesso o bordão do Tiririca, "pior que tá não fica". Sempre é possível piorar. Para se ter uma ideia de como os norte-americanos estudam a fundo as leis, tem livro sobre essa. Chama-se "As 26 palavras que criaram a internet", de Jeff Kosseff, professor de legislação de cybersegurança na Academia Naval dos Estados Unidos.

Houve quem tenha comemorado a proposta que o Facebook fez ao Comitê de Comércio e Energia do Congresso dos Estados Unidos esta semana. Afinal, melhor do que ficar blindada das atitudes dos usuários, seria que tivessem responsabilidade compartilhada quando descumprem as próprias regras. Esqueça o conteúdo - desinformação - e preste atenção no contexto - monopólio. O Facebook descumpre as próprias regras porque quer. As novas e pequenas empresas nem sempre. Tiro de mestre para barrar a concorrência.

O Facebook já está sendo investigado em outros comitês por monopólio devido à compra do Instagram e do Whatsapp. O comportamento de mercado da empresa é conhecido. Diante de inovações, oferece a compra. Quando não consegue, faz um serviço quase igual, nas plataformas que já são gigantes, e sufoca o pequeno. Ao mesmo tempo, desfruta de lucro vendendo serviços para desinformação, terrorismo e milícias armadas. E isso tendo toda a tecnologia para conter esses conteúdos, além de um time de milhares de pessoas dedicado apenas a isso.

Pense numa startup de qualquer coisa, um aplicativo, uma nova forma de relacionamento. No primeiro momento, não será claro quais são as regras necessárias, já que a tecnologia evolui. Os ajustes, numa realidade cada vez mais rápida de transformação, são feitos com o avião andando. Suponha que um usuário utilize o serviço para o que não deve e a empresa não consiga lidar com aquilo da maneira adequada, mas depois corrija a situação e repare o erro. Ainda assim, ela continuará arcando com as consequências do delito alheio que não podia prever, a burla de uma regra que fez imaginando que poderia cumprir.

É algo muito diferente da situação das plataformas bilionárias como o Facebook. Mark Zuckerberg sabe que nem ele nem os donos das diversas empresas que comprou teriam tirado o negócio do chão sem a blindagem do ato 230. Eliminá-lo seria eficiente para sufocar a concorrência de novas empresas. Também deixaria o Facebook à vontade para decidir qual regra ou não seguir. "Em vez de receber imunidade, as plataformas devem ser obrigadas a demonstrar que possuem sistemas para identificar e remover conteúdo ilegal. As plataformas não devem ser responsabilizadas se um determinado conteúdo evita sua detecção - o que seria impraticável para plataformas com bilhões de postagens por dia - mas devem ser obrigados a ter sistemas adequados para lidar com conteúdo ilegal", defendeu o CEO do Facebook no Congresso.

A ideia de Mark Zuckerberg é que empresas de tecnologia sejam punidas caso não comprovem ter sistemas de detecção de postagem de conteúdo ilegal. Não devem, no entanto, serem punidas pelos conteúdos ilegais que permanecerem online em sua plataforma se tiverem os tais sistemas. Dois atentados após a invasão do Capitólio, como o Facebook enfrenta milícias armadas? Aparentemente, recomendando o conteúdo que elas produzem para outros usuários.

O Tech Transparency Project, hub de estudiosos sobre poder e influência das Big Techs, acompanha há anos como as milícias armadas se organizam no Facebook. Fez um levantamento recente após a invasão do Capitólio, quando a empresa prometeu um pente fino. Quer dizer, prometeu outra vez. Diante de diversos atentados domésticos e do histórico de recrutamento para grupos terroristas no exterior, a plataforma havia prometido combater milícias há 7 meses. Um levantamento publicado anteontem pelo Tech Transparency Project mostra que ou deu muito errado ou era mentira.

Principais pontos do levantamento do TTP publicado esta semana:
1. A investigação identificou 201 páginas de milícias e 13 grupos de milícias no Facebook em 18 de março, mais de dois meses após a rebelião no Capitólio.
2. Aproximadamente 70% (140) das páginas do Facebook tinham a palavra “milícia” em seu nome.
3. O Facebook está gerando páginas automaticamente para algumas organizações de milícias, efetivamente expandindo o alcance do movimento.
4. O Facebook também direciona os usuários que “gostam” de certas páginas da milícia para outros grupos da milícia, ajudando essas organizações a recrutar e radicalizar os usuários.
5. Alguns usuários do Facebook começaram a transformar seus perfis pessoais em páginas de fato para organizações de milícias, provavelmente como uma forma de evitar a detecção.
6. A TTP encontrou alguns grupos de milícias do Facebook circulando propaganda dos Proud Boys, de extrema direita, cujos membros foram acusados ​​no motim do Capitólio.

O Facebook pode dizer que não tem como monitorar a própria plataforma. Difícil acreditar diante do rol de serviços que a empresa vende. O controle é por inteligência artificial, não na mão. Não é uma pessoa que fica olhando tudo quanto é post. Há os que coloquem a plataforma apenas como um meio, como se fosse uma empresa telefônica ou os correios. Trata-se de algo bem diferente. Ela escolhe quem é seu destinatário, quantos serão eles e quem não vai receber sua mensagem. Também cobra por isso. No caso das milícias, não é o fio do telefone por onde alguém dá uma ordem, é quem sai atrás dos que vão ouvir e os pluga.

Nos casos mostrados pelo TTP, é bem difícil argumentar como algo assim escapou da inteligência artificial e dos controles do Facebook. São grupos que têm no nome da página a palavra milícia e fotos de armas. As mensagens ensinam a fazer armamentos e bombas. São explícitas. Nesse caso, caso consiga mudar a lei como quer, o que argumentaria Mark Zuckerberg? Não sei. Mas teria brecha para alegar que o Facebook tem todo o sistema de detecção de conteúdo ilegal, então não pode ser responsabilizado. Esses seriam "casos isolados".

Antes da pandemia, havia virado moda confundir política com gestão de empresa. Sempre tive na cabeça que não dá certo, são duas funções distintas. Empresas são feitas para inovar e dar lucro. Podemos reclamar à vontade das Big Techs, mas essas duas funções elas cumprem com louvor. Parece descabido é que se dê o poder de regulamentar e regular a quem tem valor justamente por propor a disrupção. Ótimo que empresas tenham suas regras, é assim em todo mercado. Mas a regulamentação das Big Techs não cabe a elas, cabe às instituições e à cidadania. Felizmente, é um pensamento que está se consolidando no mundo democrático.

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