"Todo moralista metido a herói tem esqueleto no armário". O conselho me foi dado por Roberto Jefferson, no meio daquela bagunça do mensalão, em uma situação bem específica. Eu estava empolgada com a valentia do senador e procurador Demóstenes Torres em alguns temas. Experiente, o então deputado acertou na mosca. Anos depois, o senador seria cassado por corrupção. Exatamente o mesmo tipo que condenava quando eu quase acreditei.
Entre políticos é mais fácil acompanhar a novela mexicana de idas e vindas à qual nós nos condenamos. Mas e entre quem orbita em torno do poder? João Santana está de volta à ativa, foi contratado como marketeiro de Ciro Gomes. Fosse ficção, a gente diria que é forçada. Se você só o conhece da Lava Jato, continue que tem muita história.
João Santana parece ter pousado no radar do brasileiro como marketeiro da campanha de Dilma Rousseff, inaugurando fake news e assassinato de reputação como método - e não tática ocasional - em campanhas políticas nacionais. Era uma situação especialmente difícil. Àquela altura, a então presidente já tinha rachado com Lula, que é o coração do PT. Ele queria ser candidato e ela insistiu em ser reeleita.
Havia ainda outra dificuldade acessória, a crise de governabilidade criada pela própria presidente ao esfacelar a própria base para ganhar apoio do PSD. Gilberto Kassab havia criado seu próprio partido e precisava de filiados, prometia apoio nos bastidores e dizia não ser nem de esquerda nem de direita. Dilma Rousseff foi buscar filiados nas fileiras dos já aliados, como PMDB, PP e PL. Dinamitar a própria base em busca da lealdade máxima é uma opção arriscada.
A campanha foi marcada pela tragédia, a queda do avião de Eduardo Campos, que começava a engatar em popularidade. João Santana é profundo conhecedor do emocional do brasileiro, que tenderia a apoiar aquela candidatura. Foi então que lançou uma campanha deliberada de assassinato de reputação de Marina Silva, feita sob medida para vários públicos e ideologias diferentes. Quer ver como funciona? Basta que ela apareça para alguém dizer que ela estava sumida. Foi um dos frames do marketeiro.
João Santana, estrela carcerária da Lava Jato, preso por corrupção e agora ressuscitado politicamente por Ciro Gomes já foi um desses heróis da luta contra a corrupção. É jornalista de formação e foi peça central na revelação do escândalo do Fiat Elba que derrubou Fernando Collor de Mello. Sei que sou chata ao recomendar dia sim outro também que "olhem as biografias" antes de se encantar com alguém a dizer exatamente o que a gente pensa. Tem motivo.
O impeachment de Fernando Collor foi mais rápido e emocionante que o de Dilma Rousseff. Descofio que a ligeireza era porque ainda não tínhamos internet para pesquisar como se escreve impeachment, então resolveram acabar logo com aquilo tudo. Mas a emoção é porque o processo não foi apenas político, foi o episódio mais longo de "Casos de Família".
Tudo começa com a denúncia sobre o tesoureiro de campanha, PC Farias, feita pelo irmão do presidente da República, Pedro Collor. Era uma família em que todo mundo parecia artista de cinema, o que deixava tudo mais interessante. O irmão delator teve um tumor cerebral fulminante, teve de passar a andar em cadeira de rodas em meses.
O problema é que documentação para fazer o impeachment de Collor não tinha. Aliás, ele foi inocentado pela Justiça. O problema é que não havia materialidade nem para o julgamento político. Foi um furo de reportagem da revista Istoé que mudou o rumo da história. O motorista Eriberto França contou que a Fiat Elba usada pelo presidente tinha sido comprada com dinheiro de PC Farias. João Santana, chefe da sucursal de Brasília da Istoé, foi um dos autores da reportagem.
O PT da época de Collor tinha uma rivalidade especial com outro personagem da política, Paulo Maluf. Certa vez num debate, Lula tirou sarro: "Dizem que o Maluf é competente porque ele compete, compete, compete e não ganha". Foi aí que entrou na equação o publicitário baiano Duda Mendonça, pioneiro da longa linhagem de gênios do marketing político no Brasil. Em 1992, numa campanha inovadora que baixou os índices de rejeição, elegeu Maluf prefeito.
Na campanha seguinte, Duda Mendonça conseguiu o impossível, fazer o sucessor de Paulo Maluf. O ex-prefeito sempre teve rejeição altíssima e a proposta era eleger alguém que nem da política era, mas tinha relação de confiança com ele. Surge assim um dos fenômenos mais fugazes e inusitados da política brasileira: Celso Pitta. Calma que já chegamos no João Santana de volta.
A prefeitura de Pitta foi um desastre completo e os empresários malufistas da ala de Calim Eid nunca gostaram de Duda Mendonça. Esperto, usou a imprensa para sair da situação. Deu entrevista dizendo que, pelo andar da carruagem, o prefeito não chegaria ao final do mandato. O secretário de comunicação da prefeitura, Antenor Braido, devolveu na mesma moeda, dizendo à imprensa que o publicitário deveria pedir demissão se não estava feliz.
Duda Mendonça se desligou do malufismo e aportou onde estava então a síndrome do "compete, compete, compete e nunca ganha", a candidatura de Lula à presidência da República. Foi nessa campanha que João Santana se uniu a ele. Foi criado o "Lulinha paz e amor", com amplo apoio do empresariado, sagrando uma vitória duradoura para o PT, a derrocada do publicitário baiano e o auge do ex-jornalista.
O maior escândalo da era Lula foi o mensalão, detonado por um grande aliado, Roberto Jefferson. Não era coisa de primeiro turno. A primeira opção dele foi Ciro Gomes. A história da internet em campanhas políticas no Brasil começa aí, em 2002, quando o presidente Jair Bolsonaro usa seu grupo de internet com 20 mil militares para ajudar na campanha de Ciro Gomes e depois na de Lula. A ruptura do PTB foi uma bomba que atingiu também Duda Mendonça.
O publicitário admitiu nas CPIs que recebeu por fora da campanha de Lula para a presidência. Duda Mendonça virou sinônimo de escândalo e caiu em desgraça. O PT resolveu colocar outro no lugar para ter destino igual, João Santana. Fez a campanha da reeleição de Lula e as duas de Dilma Rousseff, rodou mundo elegendo presidentes. Foi o próximo a cair em desgraça num escândalo de corrupção, a Lava Jato. Foi preso, saiu, deixou crescer uma barba que lhe dá um ar peculiar. Talvez a política brasileira seja uma obra de Dias Gomes.
Agora eu pergunto a vocês, onde é que está atracado o navio com a maldição do "compete, compete, compete mas nunca ganha"? Na praia cearense de Ciro Gomes. João Santana já estava de costas viradas para Lula quando rompeu com ele para virar o homem forte de Dilma na reeleição. Ciro Gomes, depois de 2018 nunca mais escondeu a gastura. Uniram-se a fome com a vontade de comer.
Uma vez me disseram que Brasília só tem 3 pessoas: eu, você e um cara que a gente conhece. É como se obrigassem Janete Clair a escrever novela só com meia dúzia de personagens que vão inevitavelmente ter de se revezar no papel de mocinho e bandido. Nosso apetite político é pelo espetáculo, ainda bem. A amnésia crônica e coletiva nos impediria de levar a política a sério. Quanto ao futuro, pelo menos uma certeza temos: de tédio a gente não morre.
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