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Madeleine Lacsko

Madeleine Lacsko

Reflexões sobre princípios e cidadania

Uma em cada 6 crianças brasileiras vive a pobreza muito além da falta de dinheiro

(Foto: AFP)

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É óbvio que ter dinheiro ou não faz uma diferença imensa na vida de uma pessoa, só que nem por isso pode ser visto como fator determinante para a felicidade e principalmente para o desenvolvimento das crianças. A falta de dinheiro para o básico é determinante para afetar o destino das próximas gerações. Mas é a combinação deste fator com outros que cria obstáculos praticamente intransponíveis para muitas crianças. A ChildFund Brasil criou, em parceria com o Núcleo de Inteligência Social (NIS) da PUC Minas, o IPM-NIS, Índice de Pobreza Multidimensional, o primeiro indicador desse tipo no Brasil.

Os indicadores tradicionais consideram que pobreza é viver com uma renda inferior a determinada faixa, entendida como a mínima para atender um padrão de sobrevivência. O IPM-NIS vai além disso e analisa diversas outras privações que afetam, por exemplo, a liberdade de tomar decisões sobre a própria vida, a manutenção da saúde, conseguir trabalhar ou adquirir conhecimentos. Essa avaliação é útil para o enfrentamento de problemas reais que podem comprometer as futuras gerações.

O índice parte da análise dos dados domiciliares levantados pelo IBGE e faz uma escala que analisa os níveis de privação do domicílio familiar. São 13 indicadores separados em 4 dimensões diferentes:1. EDUCAÇÃO- Frequência Escolar- Distorção Idade-série - Escolaridade2. SAÚDE- Mortalidade Infantil3. TRABALHO- Trabalho Infantil- Desocupação - Trabalho Informal4. PADRÃO DE VIDA - Material do Domicílio- Água Potável- Saneamento- Tratamento do Lixo- Densidade Morador-Dormitório - Consumo

Cada um dos indicadores tem um peso específico dependendo da gravidade da privação e do peso que esse tipo de privação tem no desenvolvimento da infância. A soma de todos eles pode chegar a 100% de privação. Considera-se afetada pela pobreza a família que soma mais de 33% de privação. Nos casos concretos, por exemplo, o domicílio que não tem abastecimento de água corrente recebe pontuação de 4,17%. Se nenhum dos moradores de até 18 anos de idade completou pelo menos o Ensino Fundamental, são mais 8,33%. Assim sucessivamente, em cada um dos casos.

Hoje, 4 milhões e 800 mil crianças brasileiras de até 11 anos de idade vivem o pior da pobreza para além da falta de dinheiro: baixa escolaridade, falta de saneamento básico, falta de abastecimento de água e dificuldade dos pais para se colocarem no mercado formal de trabalho. Esse conjunto de privações não pode ser sanado apenas com ajuda financeira ou com as mesmas medidas que dão oportunidades a quem não passa por tantas privações de forma simultânea.

Embora aqui no Brasil ainda se foque muito a pobreza apenas na questão financeira, sem analisar os outros desdobramentos de forma conjunta, o conceito de Pobreza Multidimensional já é o mais utilizado no mundo inteiro para programas de desenvolvimento há pelo menos 10 anos. O PNUD, Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, já divulga anualmente esse índice em todo o mundo, inclusive no Brasil. A diferença agora é que temos um recorte específico das crianças de até 11 anos, algo inédito e necessário para compreender quais esforços têm de ser feitos agora se quisermos um país melhor na próxima geração.

No ano passado, foi lançado um piloto desse índice apenas nos Estados do Maranhão, Paraíba e Piauí. Havia, apenas nesses 3 Estados, 186 mil crianças brasileiras na situação mais extrema de pobreza. Temos, no Brasil, uma Nova Zelândia inteira só de crianças na extrema pobreza multidimensional, privadas de tudo, quase 5 milhões. Não vai ter nova política, promessa, bravata, reza, simpatia ou mágica que detenham esse meteoro. É só com trabalho e objetivos claros que vamos evitar mais uma geração perdida, semente que já está plantada por nós, sociedade brasileira.

Ainda que você tenha feito o possível e realmente tenha preocupação com a infância, nossos esforços não foram suficientes. Não falo aqui de culpa ou de pedir desculpas, mas de começar a olhar para o futuro de outra forma. Somos uma sociedade que acredita em pais da pátria, soluções mágicas e lutas imaginárias do bem contra o mal em que o bem é sempre o nosso lado. Se não formos adultos, não haverá quem salve a próxima geração.

Se esse retrato da situação da nossa infância já é desesperador, vai piorar assim que revelarmos o filme usado para registrar a realidade pós-pandemia. Não priorizamos a infância, nem imaginamos de que forma as privações dessas crianças já privadas de tudo se aprofundaram. Talvez tenha sido catártico para os mais animadinhos brincar de adolescente e entrar na onda do "contra tudo isso que está aí". Chegou a hora de chamar os adultos para a sala. Precisamos de soluções concretas, de consenso e para ontem. Não podemos nos contentar com o eterno título de país do futuro.

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