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Madeleine Lacsko

Madeleine Lacsko

Reflexões sobre princípios e cidadania

Eleições no Peru

Uma escolha muito difícil

Escolha muito difícil é a das eleições Peruanas
Presidente Pedro Castillo, eleito no Peru: de esquerda e mais conservador que os nossos conservadores. (Foto: Reprodução)

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Não sou do time que gosta de polarização e paixões políticas. Meu presidente ideal é um que, de preferência, eu nem lembre o nome. As coisas funcionariam tão bem e de forma tão natural que nem seria necessário xingar ou defender o governante.

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E daí minha amada pátria de chuteiras transforma a política em fandom. Ficamos encalacrados numa rinha de paquitas de Lula e Bolsonaro, sendo que a maioria da população não vota a favor de nenhum mas contra. A situação provocava uma sensação de derrota até eu ficar sabendo das eleições no Peru.

As eleições peruanas talvez sejam nossa única chance de ter orgulho da política brasileira. A gente está aqui reclamando dessa coisa de lulistas contra bolsonaristas. Lá eles estão com algo mais extremo do que poderíamos produzir. Nem um segundo turno de Jean Wyllys contra o Sargento Fahur estaria à altura.

O Nobel de Literatura Mario Vargas Llosa, muito ativo na política de seu país, resolveu se pronunciar. Ele começou a vida política na esquerda, mas tornou-se liberal e candidatou-se à presidência por uma aliança de centro-direita em 1990. Então, o que quer que ele diga será rechaçado pela esquerda brasileira.

Avaliando com base no rancor, já que a maioria não sabe nem apontar o Peru no mapa, influencers de esquerda esculacharam a escolha de Mario Vargas Llosa por Keiko Fujimori. E ele nem elogiou nada, já que sempre foi opositor dos Fujimori. Apenas alertou que pode ser uma tragédia o novo governo de esquerda contra o establishment, que elegeu como principal inimigo a esquerda tradicional.

Ao ver a defesa de Pedro Castillos nas redes sociais da esquerda brasileira pensei que tinham revogado o print. Ele rechaça tudo o que a nossa esquerda defende na pauta de costumes, não quer nem ouvir falar da pauta identitária, é pró-vida e contra até divórcio. Mas a nossa esquerda alega que a adversária dele é corrupta, por isso seria inadmissível o apoio. Sim, é isso mesmo que você leu.

Se me perguntarem para quem eu torço nessa briga de faca no escuro entre Keiko Fujimori e Pedro Castillos, a dúvida será eterna. Escolho a briga, a faca ou o escuro? Uma escolha muito difícil mesmo. O governo de Alberto Fujimori não foi só corrupto, foi de uma desumanidade chocante. Mas as ideias do novo candidato não ficam atrás.

Eu vi muitos textos falando da história idílica do professor da zona rural que entrou na política ainda jovem mas virou um líder só nas greves de 2017. Conhecido pelo povo décadas após o início da carreira política, Pedro Castillos teve uma ascensão meteórica de popularidade e tem um fã-clube apaixonado.

O novo presidente peruano já declarou que a Venezuela é uma democracia. E, até aí, tudo bem para a esquerda brasileira. Ocorre que ele é muito católico e defensor dos costumes dos povos do interior, muito conservadores. Já disse ser completamente contrário ao aborto, casamento entre pessoas do mesmo sexo e até divórcio. Também pensa que ONGs não devem ser permitidas pelo imperialismo.

Acabo de ler as 77 páginas do ideário do partido Peru Libre, pelo qual se elegeu o novo presidente peruano. Parece inacreditável até para nós brasileiros. Se somos campeões na esculhambação, em imaginação e ousadia o pessoal vai muito além. O partido declara adotar a versão marxista de mundo porque é "a forma mais coerente, inteligente e científica" de analisar a ação humana no mundo. Científica.

O projeto central do partido é dar continuidade à revolução anticolonial conduzida por Tupac Amaru II no século XVIII, o que seria a verdadeira esquerda peruana, que é só o Peru Libre. "Reconhecemos que em nosso país existe uma espécie de esquerda que só vive para se opor a qualquer iniciativa, boa ou má, porque não estão preparados para governar e nem saberiam o que fazer para alcançar o poder. Há também aqueles que, tendo desistido de sua missão, escolheram o caminho do empresariado, dos bancos, das ONGs, etc., gerando uma traição vil à missão com o povo", diz o documento.

O problema de Pedro Castillos com a direita de seu país é de ordem econômica e ideológica. Ele é contra liberalismo e quer um Estado forte. Mas o problema dele com a esquerda peruana é achar que ela não tem caráter, capitulou diante de migalhas de dinheiro e poder e se ajoelhou ao status quo imposto pelos liberais. Justamente esse pessoal mais xingado é o que defende o político no Brasil.

Quanto à questão econômica, o plano é de reestatização daquilo que for possível, principalmente nos setores de petróleo, gás, mineração, transportes e comunicação. Ele também quer uma nova constituição porque a atual é "individualista, mercantilista, privatista e entreguista". E se ele tirar todos esses direitos pelos quais as elites progressistas tanto se batem? Não creio que o eleitorado dele se importe com isso.

Na economia, o projeto é a reformulação total do modelo econômico. O Estado passaria a ser regulador, chegando até a revisor dos contratos da iniciativa privada. Também seria redistribuidor de riquezas, com a ideia de lucro máximo e salário máximo a serem redivididos pela máquina estatal peruana. A intenção é "peruanizar" a economia e parar de seguir fórmulas internacionais.

Na Educação há uma proposta bem diferente. Todos teriam direito a uma vaga na universidade, de forma gratuita, assim que terminassem o ensino médio, com triagem por mérito. Os que ficassem de fora, no entanto, poderiam optar por substituir o primeiro ano de estudos por um ano no Exército. Na Saúde a intenção é implementar uma tabela única de preços nos serviços particulares.

O partido é a favor da legalização do aborto, o presidente é terminantemente contrário. O Perú Libre tem como diretriz que toda mulher seja obrigada a entrar em todas as alternativas educativas possíveis para libertar-se da prisão das tarefas domésticas. O presidente defende valores da família tradicional. O partido é presidido por um condenado por corrupção. Pedro Castillos fez campanha contra a corrupção de Keiko Fujimori.

A tão falada "democratização dos meios de comunicação" é descrita como dividir os meios em 33% públicos, 33% privados e 34% alternativos, no modelo criado por Rafael Correa no Equador. Hoje, no Peru, 85% dos meios de comunicação são privados e 15% são públicos. Não há imprensa alternativa. O partido diz abertamente que não acredita em liberdade de imprensa, mas numa imprensa comprometida com a visão de mundo que ele tem.

Além disso, o Peru Libre promete eliminar "programas lixo" da televisão e do rádio. "Como alguns meios televisivos, radiais e escritos distorcem a mente das novas gerações, o Estado não pode regulá-los por livre mercado, esquivando-se sem proteger a infância e juventude, já que assim o Estado abdica de seu papel protetor. Os ministérios da Educação e Cultura devem avaliar os conteúdos das televisões e das rádios antes da difusão, evitando desta forma que se atente contra a moral e os bons costumes da sociedade peruana", diz o ideário.

Na área do Judiciário, seria tudo refeito. Todos os juízes destituídos e tudo criado novamente, sem privilégios e com novas leis. Pedro Castillos defende que a lei não pode ser nacional e globalista, imposta de cima para baixo, deve levar em conta os costumes locais e os valores locais das pessoas do interior nas decisões referentes a elas. Todo o projeto gira em torno do resgate dos valores ancestrais peruanos.

Em muitos outros países, a bandeira do resgate das tradições ancestrais é vista como extrema-direita. No Peru, curiosamente, surge na esquerda camponesa. Ocorre que não é a esquerda que conhecemos, é uma contrária a todos os valores cosmopolitas, liberais e regras globais. Tem sido uma fórmula de sucesso na política desde início de século XXI.

Nós poderíamos passar dias esmiuçando este ideário do Perú Libre e não deixaríamos de encontrar novas ideias interessantíssimas. No final das contas, tive de dar o braço a torcer e concordar em um ponto. As elites políticas vivem tão alienadas no mundo de privilégio delas que estão totalmente descoladas do povo e da realidade.

Vimos na prática isso acontecer com nossos influencers do tipo papai-sabe-tudo aqui no Brasil. No afã de apedrejar Mario Vargas Llosa, saíram defendendo com unhas e dentes a esquerda virtuosa do Perú Libre de Pedro Castillos. Não têm nem ideia de que ele considera a esquerda cosmopolita e os progressistas latinoamericanos a maior porcaria do continente.

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