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A decisão de Rodrigo Pacheco de cancelar a sessão do Congresso desta terça (18), com o intuito evidente de não ler o requerimento para criação da CPMI de 8 de janeiro, demonstra claramente como o Legislativo brasileiro e, em particular, as presidências de cada casa, têm cuidado mais dos seus próprios interesses do que de respeitar suas funções e atribuições. Tomam medidas inconstitucionais, descumprem suas palavras, não garantem a necessária independência do Legislativo em relação aos demais poderes e demonstram carecer de sensibilidade com as demandas do Brasil real.
Como vice-líder da oposição na Câmara dos Deputados, tive a oportunidade de participar do debate que durou mais de duas horas entre líderes do Congresso Nacional e o presidente Rodrigo Pacheco na última terça-feira. A reunião a portas fechadas, constrangedora para um presidente que não logrou êxito em sua intenção de compartilhar com a oposição o ônus da decisão já tomada por ele, terminou da forma como começou: com o governo convicto da decisão de adiar a leitura da CPMI e a oposição irredutível na defesa da realização da sessão do Congresso, mesmo que apenas para esse fim. O que chocou, ou pelo menos deveria, foram os argumentos utilizados para embasar a decisão.
É certo que, com o tempo, tudo o que ocorreu no dia 8 de janeiro em Brasília será esclarecido. O Congresso Nacional pode contribuir, por meio da CPMI, para que a justiça seja feita.
Após uma tranquila reunião para discutir a pauta de vetos da sessão do Congresso na noite de segunda-feira (17), na manhã de ontem (18) surgiu um documento assinado por líderes que representam a maioria dos deputados solicitando o adiamento da sessão. A desculpa? O PLN para pagar o Piso dos Enfermeiros ainda não havia sido apresentado pelo governo ao Congresso, algo que nada tem a ver com os demais vetos ou com a leitura do requerimento de abertura de CPMI e que, portanto, poderia tranquilamente ser discutido em separado.
Além dos partidos que dão sustentação explícita ao governo (PT, PSB e MDB), também assinaram o documento vexatório os líderes do PSD, Podemos e Republicanos. Somados, os deputados desses partidos são 301 – de fato, representam a maioria dentre 513. Além do fato de partidos declarados como “independentes" participarem de uma manobra governista para frustrar novamente a leitura da CPMI no Plenário do Congresso, o argumento é completamente inconstitucional. É impossível em uma democracia a maioria bloquear o direito líquido e certo da minoria, simples assim.
A Constituição e os regimentos parlamentares são claros: as comissões de investigação precisam ser instaladas e não podem ser obstaculizados.
Em decisão de 2005, o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello, com seu conhecido estilo de texto grifado, sublinhado e em caixa alta, anunciava já na ementa a “impossibilidade de a maioria parlamentar frustrar, no âmbito do Congresso Nacional, o exercício, pelas minorias legislativas, do direito constitucional à investigação parlamentar (art. 58, parágrafo 4º)”. Em abril de 2021, outro ministro do STF confirmou esse direito à minoria parlamentar: passado um ano da pandemia do novo coronavírus, o ministro Luís Roberto Barroso determinou a instalação da CPI da Covid no Senado.
Apesar de discordar pessoalmente da conveniência de uma CPI durante a pandemia, na época dei razão à decisão do ministro, pois, cumpridos os requisitos, a Constituição e os regimentos parlamentares são claros: as comissões de investigação precisam ser instaladas e não podem ser obstaculizados nem pela maioria nem pela presidência. Isso valia para a oposição de ontem como vale para a de hoje, afinal, a Constituição é a mesma! Frustrar, pois, o direito da minoria à instalação de uma CPMI, além de dar ao governo mais tempo para tentar cooptar parlamentares, convencendo-os a retirarem suas assinaturas, é flagrantemente inconstitucional. O requerimento dos líderes da maioria, cujo claro intento era o da protelação, deveria ter ido diretamente para a lixeira sob a mesa de Pacheco. O presidente do Congresso, porém, preferiu usá-lo como argumento, ainda que inconstitucional, para, mais uma vez, prejudicar a oposição e ajudar o governo Lula.
Será que haverá novo adiamento caso o governo não consiga esvaziar o pedido de CPMI nesses próximos sete dias?
O Congresso Nacional não pode servir como puxadinho do Palácio do Planalto para representar os interesses do governo. Muito antes pelo contrário, a independência do Poder Legislativo também é regra constitucional. Governo e oposição têm, cada um, sua representação e os parlamentares de cada lado têm total legitimidade para agir em defesa de seus interesses. A presidência das casas legislativas, não.
Agrava a situação Rodrigo Pacheco ter empenhado sua palavra de que a leitura do requerimento seria feita no dia 18. Em vídeos gravados por ele com parlamentares da oposição e até mesmo da mesa diretora do Senado, Pacheco garantia que faria a leitura do documento. Descumpriu com sua palavra e, agora, remarcou o que já deveria ter feito para a próxima quarta-feira, 26. Como confiar? Será que haverá novo adiamento caso o governo não consiga esvaziar o pedido de CPMI nesses próximos sete dias?
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Apesar de a reunião de líderes ter sido inicialmente a portas fechadas, e ainda que posteriormente não tivesse sido transmitida nas redes sociais por vários parlamentares que adentraram o recinto no seu final, a decisão inconstitucional e governista de Pacheco ficou muito clara. Vivemos, porém, tempos estranhos: também o instrumento constitucional de ingressar no STF com um mandado de segurança como já feito no passado, não inspira mais confiança. Promotora de uma série de abusos desde antes do dia 8 de janeiro e multiplicados a partir de então, a Suprema Corte tem mostrado, por meio das ações de seus ministros, que pode ser mais um obstáculo em vez de uma garantia para a realização da CPMI.
É certo que, com o tempo, tudo o que ocorreu no dia 8 de janeiro em Brasília será esclarecido. O Congresso Nacional pode contribuir, por meio da CPMI, para que a justiça seja feita nesse caso com mais celeridade ou, então, seguir o caminho que muitas de suas lideranças, incluindo o presidente Rodrigo Pacheco, parecem preferir: o da cumplicidade e da injustiça. Não é sem razão, pois, que o instrumento da obstrução está sendo utilizado pela oposição para demonstrar a indignação da parcela da população que representa e como alerta ao Parlamento como um todo: é preciso seguir a Constituição, garantir os direitos das minorias parlamentares e manter independência do governo – de qualquer governo. Só assim o Parlamento contribuirá efetivamente para a consecução da justiça e da democracia no país.