No último dia 4, festa de São João Maria Vianney, padroeiro dos sacerdotes, o Vaticano divulgou uma carta do papa Francisco, datada de 17 de julho, sobre o valor da literatura. Percebe-se, ao longo do texto, que o pontífice tinha em mente os padres e seminaristas, mas logo no início ele já afirma: “pensei que o que se segue pode ser dito, de modo semelhante, em relação à formação de todos os agentes pastorais e de qualquer cristão”.
E por que fomentar a necessidade de mergulhar na literatura? Francisco lamenta que, na formação dos futuros padres, a “atenção à literatura é considerada como algo não essencial”, e diz que “tal perspectiva não é boa. Ela está na origem de uma forma de grave empobrecimento intelectual e espiritual dos futuros sacerdotes, que ficam assim privados de um acesso privilegiado, precisamente através da literatura, ao coração da cultura humana e, mais especificamente, ao coração do ser humano”. E reparemos que Francisco não está falando de uma literatura ou de uma ficção apenas com fins apologéticos, como aquela de C.S. Lewis (excelente, aliás) ou de O Senhor do Mundo, uma distopia que Francisco adora citar. O papa está nos estimulando a ir aos clássicos, àquelas obras que se tornaram patrimônio de toda a humanidade.
“A representação simbólica do bem e do mal, do verdadeiro e do falso, como dimensões que na literatura tomam a forma de existências individuais e de acontecimentos históricos coletivos, não neutraliza o juízo moral, mas impede-o de se tornar cego ou superficialmente condenatório”
Papa Francisco, em carta sobre o valor da literatura
De fato, muitíssimas vezes já ouvi de gente boa que a literatura é uma porta escancarada para conhecermos o íntimo do ser humano, suas lutas, suas virtudes, seus defeitos. Pensemos nos personagens de Shakespeare, Tolstói ou Dostoievski, que em seu conjunto nos oferecem um panorama de inúmeras emoções humanas: de como a inveja, a cobiça, a mentira ou a fúria revolucionária podem destruir uma pessoa, uma família ou uma sociedade; de como é fácil encontrar desculpas para nossos próprios erros, embora nunca seja possível escapar deles; e também de como o amor e a virtude têm um potencial transformador. Francisco não menciona tais autores pelo nome – na verdade, ele não recomenda autor nenhum em específico; “cada um encontrará os livros que falarão à sua própria vida e que se tornarão verdadeiros companheiros de viagem”, ele afirma. Mas, quando o papa cita Lewis falando das “grandes obras da literatura”, podemos ter uma boa ideia do tipo de literatura que ele quer nos incentivar a buscar.
Para o sacerdote, que lida com o cuidado das almas, a literatura oferece uma espécie de “curso em humanidade”, diz o papa, ainda que não use essas palavras. “À medida que sentimos vestígios do nosso mundo interior no meio dessas histórias, tornamo-nos mais sensíveis às experiências dos outros, saímos de nós próprios para entrar nas suas profundezas, conseguimos compreender um pouco mais as suas lutas e desejos, vemos a realidade com os seus olhos e acabamos por nos tornar companheiros de viagem. (...) E podemos fazê-lo com empatia e, por vezes, com tolerância e compreensão”, afirma o pontífice, ressaltando que isso não tem nada a ver com relativismo moral: “a literatura não é relativista porque não nos despoja de critérios de valor. A representação simbólica do bem e do mal, do verdadeiro e do falso, como dimensões que na literatura tomam a forma de existências individuais e de acontecimentos históricos coletivos, não neutraliza o juízo moral, mas impede-o de se tornar cego ou superficialmente condenatório”, acrescenta o papa. É como diz o pai de Nick Carraway, o narrador de O Grande Gatsby, de F. Scott Fitzgerald, na primeira frase do livro: “Antes de criticar alguém, lembre-se de que nem todos tiveram as oportunidades que você teve”.
A carta do papa sobre literatura é uma pequena pérola que pode ser lida rapidamente e que nos recorda da necessidade de nos desligarmos um pouco não só das telas, mas de muitas daquelas obsessões que tendem a nos tragar se não prestamos atenção, especialmente em um país politicamente turbulento como o nosso. É um conselho inclusive para mim, que, puxando pela memória enquanto escrevo esta coluna, não consigo me lembrar do último livro de literatura que li até o fim (o Martín Fierro que comecei a ler recentemente e parei no meio não conta), e quando isso aconteceu.
O que explica o rombo histórico das estatais no governo Lula
Governo Lula corre para tentar aprovar mercado de carbono antes da COP-29
Sleeping Giants e Felipe Neto beneficiados por dinheiro americano; assista ao Sem Rodeios
Flávio Dino manda retirar livros jurídicos de circulação por conteúdo homofóbico
Inteligência americana pode ter colaborado com governo brasileiro em casos de censura no Brasil
Lula encontra brecha na catástrofe gaúcha e mira nas eleições de 2026
Barroso adota “política do pensamento” e reclama de liberdade de expressão na internet
Paulo Pimenta: O Salvador Apolítico das Enchentes no RS
Deixe sua opinião