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Ao fim da 60.ª Assembleia Geral da CNBB, a entidade divulgou mais uma Mensagem ao povo brasileiro – a última assinada no mandato de dom Walmor Oliveira de Azevedo como presidente e de dom Joel Portella Amado como secretário-geral, agora substituídos, respectivamente, por dom Jaime Spengler e dom Ricardo Hoepers. Quem acompanha essa coluna e, portanto, se interessa pelos assuntos da Igreja Católica já deve ter visto o vídeo com a pergunta de um jornalista da ACI Digital ao novo comando da conferência episcopal com críticas à Mensagem. Se o leitor ainda não viu, ou se viu apenas a versão mais curtinha, que tem somente a pergunta, mas não a resposta, confira a íntegra da entrevista coletiva (gostem ou não do que os bispos disseram, é dever de justiça não omitir as respostas); o trecho de que falamos começa no minuto 19:35:
Primeiro, onde eu acho que o repórter passou do ponto, ainda que com a melhor das intenções – e digo que achei bastante corajoso e louvável da parte dele trazer à tona o que ele trouxe. A Mensagem é um documento prioritariamente social, ou seja, que trata dos “sofrimentos presentes na sociedade”; não vai falar de visão beatífica. É por isso que me incomodam um pouco essas contagens ou “nuvens” de palavras que vejo muita gente boa fazendo em certos documentos pontifícios ou da CNBB, que não levam em conta a própria natureza do documento nem o contexto em que tais palavras são mais ou menos usadas.
E vamos além: muitos desses temas fazem parte, também, da missão da Igreja, que jamais pode ser descolada da realidade em que vivemos. Combater a fome e a miséria, buscar trabalho digno para todos, promover a família e a vida da concepção até a morte natural, reforçar a necessidade de cuidado com o meio ambiente, tudo isso também diz respeito à Igreja; do contrário, ela não teria uma Doutrina Social há mais de um século. Ser o sal da terra e a luz do mundo inclui fazer a voz da Igreja ser ouvida em defesa dos mais pobres e dos marginalizados, para que a sociedade seja mais conforme à mensagem do Evangelho. O que não se pode é descuidar do mais importante, que de fato é a salvação das almas, do contrário a Igreja vira ONG, e isso o papa Francisco já condenou mais de uma vez.
Mas onde o repórter da ACI acerta em cheio é que a Mensagem, em alguns de seus pontos, não se limita a defender, promover ou criticar aquilo que a Igreja sempre defendeu, promoveu ou criticou, mas também assume lados em assuntos nos quais o católico tem total liberdade de defender esta ou aquela posição. O trabalho análogo à escravidão é o tipo de pecado que brada aos céus por vingança, e fazem muitíssimo bem os bispos em denunciá-lo, mas a crítica à “informalidade das relações trabalhistas” para mim é o tipo de coisa que avança o sinal; existem inúmeros modelos de relações trabalhistas dignas que passam por graus maiores ou menores de formalização, e é lícito ao católico defender todos eles. O mesmo vale para a referência a “juros abusivos que ampliam o abismo social”, sem uma tentativa mínima de entender os fatores que levam o Brasil a ter os juros que tem. E só não falo mais da menção ao julgamento do marco temporal, que envolve a interpretação de um texto constitucional, porque a Mensagem não deixa clara qual é a posição dos signatários.
Não existe uma única “taxa de juros católica”, uma única “lei trabalhista católica”, uma única “interpretação constitucional católica”
E, quando isso acontece, o risco é de criar a ideia de que existe uma única “resposta católica” para tudo, quando na verdade são infinitos os assuntos em que o fiel católico tem liberdade de pensar e fazer o que julga ser o melhor. Não existe uma única “taxa de juros católica”, uma única “lei trabalhista católica”, uma única “interpretação constitucional católica”. Existem princípios que a Igreja defende, isso sim, a começar pelo respeito à dignidade humana, que se manifesta não apenas na proteção da vida e da família, mas se estende para outros campos como o mundo do trabalho. Entrar na arena pública para defender princípios é importantíssimo; oferecer respostas únicas para temas que comportam liberdade de opiniões, como se fossem a “posição católica”, não. Mas a Mensagem acaba fazendo isso – ainda que de forma bem amena comparando com muitas Análises de Conjuntura que já li...
O que eu espero é que a pergunta do repórter da ACI tenha chacoalhado os bispos para que se esforcem mais, daqui em diante, para discernir bem que temas exigem maior firmeza e em que assuntos há de se respeitar a liberdade do católico. Neste mundo em que, num instante, a opinião de um bispo vira “a opinião da CNBB”, e a opinião da CNBB vira “a posição da Igreja Católica” (muitas vezes graças ao analfabetismo funcional de jornalistas quando o assunto é religião), eles precisam ter isso em mente para bem cumprir a missão social da Igreja.
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