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Uma das mesas temáticas da primeira sessão do Sínodo sobre a Sinodalidade, em outubro de 2023.
Uma das mesas temáticas da primeira sessão do Sínodo sobre a Sinodalidade, em outubro de 2023.| Foto: Alessandro di Meo/EFE/EPA

Faz pouco mais de dez anos que a frase de Galvão Bueno foi imortalizada – esta do título, especificamente, veio segundos antes do quinto gol da Alemanha. Pois lá vêm eles de novo, e dessa vez não são só os alemães: tem maltês, luxemburguês, italiano, holandês, argentino... falo, claro, da segunda sessão do Sínodo sobre a Sinodalidade, que teve seu Instrumentum Laboris publicado no último dia 9.

Boa parte da cobertura feita sobre o Instrumentum Laboris (que não é magistério pontifício, é apenas um documento de trabalho para orientar a próxima sessão do Sínodo) se concentrou naquilo que o documento não menciona, ou sobre o que o documento afirma que não será discutido em outubro – por exemplo, o caso da ordenação de mulheres ao diaconato (n. 17). No entanto, celebrar esse fato é quase como comemorar o gol do Oscar. Afinal, o próprio IL diz que sobre esse tema “é conveniente que prossiga a reflexão teológica, com tempos e modalidades adequados”. Os redatores do IL, pelo jeito, não prestaram atenção no papa Francisco quando, questionado recentemente por uma jornalista do canal americano CBS se “uma menina que cresce como católica hoje (...) algum dia terá a oportunidade de ser diaconisa e participar como membro do clero na Igreja?”, respondeu simplesmente com um “não” – mais direto, impossível.

Talvez o mais interessante seja constatar que, quase nove meses depois da publicação do documento-síntese da primeira sessão do Sínodo, os responsáveis ainda não saibam dizer ao certo o que raios é essa tal sinodalidade. O que vemos é a repetição daquele lero-lero que é quase um discurso de autoajuda: a Introdução, por exemplo, diz que “a sinodalidade não é simplesmente um objetivo, mas um caminho de todos os fiéis, a percorrer em conjunto, de mãos dadas”; que a “metodologia sinodal (...) utiliza a conversação no Espírito como ponto de partida do caminho”; e que “a circularidade do processo sinodal é uma maneira de reconhecer e valorizar o enraizamento da Igreja numa variedade de contextos, ao serviço dos laços que a unem” – eu fico me perguntando se essa referência à circularidade não foi um ato falho, já que essas discussões todas parece mesmo que giram, giram e não saem do lugar.

Lendo o Instrumentum Laboris, fiquei com a impressão de que os problemas da Igreja serão resolvidos quando cada dicastério romano, cada conferência episcopal, cada diocese e cada paróquia criar uma série de comissões, subcomissões e departamentos

Mais adiante, o IL começa a dar algumas pistas mais sólidas, embora ainda longe de oferecer uma definição precisa. Citando o relatório-síntese de 2023, fala no “desejo de uma Igreja mais próxima das pessoas, menos burocrática e mais relacional” e na “escuta recíproca, o diálogo, o discernimento comunitário, a criação de consensos como expressão de tornar presente Cristo vivo no Espírito e a assunção de uma decisão numa corresponsabilidade diferenciada” (n. 5). Mas consenso sobre o quê exatamente? O IL não diz, e aí o leitor pode ver o copo meio cheio ou meio vazio. Por um lado, o documento não insinua nenhuma mudança em doutrina, ainda que “consensual”; por outro, sabemos que os alemães, lá no seu “caminho sinodal”, estão forçando um “consenso” para pregar uma doutrina que não é a doutrina católica, e aí ficamos preocupados ao ler no IL que “numa conferência episcopal europeia ‘foi decidido iniciar uma fase de experimentação sinodal de cinco anos. A nível nacional, trata-se de desenvolver, valorizar e aperfeiçoar formas de consulta sinodal, de diálogo, de discernimento, bem como processos de decisão que articulam a fase de elaboração (decision-making) com a tomada de decisões (decision-taking)’” – seria uma referência à Alemanha?

De prático-prático mesmo, e preocupante, identifiquei dois pontos específicos: a sugestão de incluir não católicos no calendário litúrgico (“o exemplo de mulheres e homens santos de outras Igrejas e Comunidades Eclesiais é um dom que podemos receber, inserindo a sua memória no nosso calendário litúrgico, em particular no que se refere aos mártires”, n. 49), e a ideia de “reconhecer as Conferências Episcopais como sujeitos eclesiais dotados de autoridade doutrinal, assumindo a diversidade sociocultural no quadro de uma Igreja poliédrica e favorecendo a valorização das expressões litúrgicas, disciplinares, teológicas e espirituais apropriadas aos diferentes contextos socioculturais” (n. 97). Como é? “Autoridade doutrinal” a um órgão que, a rigor, nem faz parte da estrutura hierárquica que Jesus quis para sua Igreja? Teremos várias “doutrinas”, dependendo da conferência episcopal? É só ver o que está ocorrendo na Alemanha para concluir que essa conversa não tem como levar a nada de bom.

E isso que nem entramos nas contradições entre o que se pede no IL e a prática eclesial recente. Insiste-se em “transparência”, especialmente nos contextos dos abusos sexuais e escândalos financeiros, no mesmo momento em que o padre Marko Rupnik segue por aí, sujeito a punições canônicas bem brandas em comparação com o que ele fez. Exalta-se a “variedade das tradições litúrgicas, teológicas, espirituais e disciplinares” como “a demonstração mais evidente do enriquecimento e beleza que esta pluralidade confere à Igreja” (n. 80), mas a missa tridentina é ferozmente perseguida. Aliás, o IL diz tantas vezes que uma característica essencial da sinodalidade é a escuta, mas duvido muito que os fiéis tradicionalistas tenham sido ouvidos antes de Traditionis custodes, ou que os católicos de Tyler tenham sido ouvidos antes de uma decisão tão drástica quanto a remoção de seu bispo, Joseph Strickland.

Lendo o Instrumentum Laboris, fiquei com a impressão de que os problemas da Igreja serão resolvidos quando cada dicastério romano, cada conferência episcopal, cada diocese e cada paróquia criar uma série de comissões, subcomissões, departamentos, todos seguindo os melhores preceitos do ESG e do tal DEI (“diversidade, equidade e inclusão”), resolvendo tudo no voto – em resumo, uma “Igreja sinodal” não passaria de uma “Igreja sindical”. Ingênuo eu e todos os que achávamos que os problemas da Igreja estariam resolvidos quando todos nos propuséssemos a ser santos...

É claro que, como acreditamos que Cristo protege sua Igreja e garante sua indefectibilidade, ela não levará um 7 a 1 dos “sinodais” (especialmente dos “sinodais” alemães) – mas isso não quer dizer que a partida será fácil. Rezemos pelo Sínodo, pelo papa e pela Igreja.

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