Triste Brasil esse em que todo mundo agora quer seu dia de censorzinho. Na semana passada, o Observatório da Comunicação Religiosa (OCR) – uma iniciativa da Conferência de Religiosos do Brasil (CRB) e da Comissão Justiça e Paz (CBJP) – publicou uma nota pública alertando as autoridades eclesiásticas a respeito de uma parceria muito, mas muito perigosa mesmo, envolvendo o canal católico de televisão Canção Nova. Se o leitor ainda não clicou no link para a nota, deve estar se perguntando com quem o pessoal de Cachoeira Paulista teria se alinhado. A máfia? O crime organizado? O abortismo internacional? Não, muito pior: teria sido com... extremistas de direita!
A nota critica uma suposta parceria entre a Canção Nova e a produtora Brasil Paralelo, que “notoriamente se alinha com o pensamento de extrema direita” – e o leitor bem sabe: falou em “extrema direita”, já dá para imaginar algum viés ideológico no meio, parecido com aquele de quem escreve algumas Análises de Conjuntura. Caso ainda reste alguma dúvida, basta olhar alguns outros textos no site do próprio OCR, como o que denuncia “a utilização da religião para a manipulação político-eleitoral”, mas só consegue mencionar “setores fundamentalistas da extrema-direita”, nunca a esquerda. E o texto termina afirmando que o observatório quer “chamar a atenção da própria Canção Nova [quanta generosidade!] e das autoridades eclesiásticas [que fariam exatamente o quê numa situação dessas?] para os graves riscos que esta parceria com a empresa Brasil Paralelo representa para o cumprimento das Diretrizes da Igreja Católica, o alinhamento com o ensinamento do Papa Francisco e a fidelidade ao Evangelho de Jesus Cristo”.
Ainda que o Observatório da Comunicação Religiosa tivesse acertado as informações factuais, sua nota revela um viés político bastante evidente
A coluna entrou em contato com o OCR na semana passada, usando o formulário disponível no site da entidade, para perguntar que conteúdos da Brasil Paralelo estariam sendo veiculados na Canção Nova e bateriam de frente com a doutrina da Igreja, o Evangelho ou “o ensinamento do papa Francisco”. Até agora ninguém respondeu com um mísero exemplo sequer. Mas isso tem uma explicação, segundo uma reportagem de Nathália Queiroz no site ACI Digital e minha apuração com pessoas próximas à Canção Nova: a tal parceria não existe.
Logo no início, a nota do OCR se refere a uma “parceria entre a TV Canção Nova (Estúdio Anuncia-me) e a empresa Brasil Paralelo” – mas acontece que Canção Nova e Anuncia-me não são a mesma coisa. O Anuncia-me é uma obra apostólica independente, com foco na evangelização na África, tocada pela Obra de Maria, uma comunidade fundada em 1990 em Pernambuco e que hoje está presente em vários continentes. Para botar no ar o canal Anuncia-me, a Obra de Maria fez uma parceria com a Fundação João Paulo II, que mantém a Canção Nova. Como o próprio canal afirma no Instagram, há um estúdio central em Cachoeira Paulista e estúdios menores em países africanos, e é o Anuncia-me, não a Canção Nova, que lista a Brasil Paralelo entre os apoiadores que fornecem conteúdo.
O OCR ainda diz que o anúncio da parceria, feito em julho, “confirma o que a própria empresa Brasil Paralelo já havia divulgado, em fevereiro de 2022, quando listou a Canção Nova entre os meios de comunicação que veiculavam seus conteúdos”. De fato houve um anúncio em julho, mas era da parceria entre Canção Nova e Obra de Maria para o Anuncia-me, sem relação alguma com Brasil Paralelo. Sobre essa divulgação de 2022, ela realmente existe, mas a assessoria de imprensa da Canção Nova afirmou que provavelmente se relaciona ao uso de algumas imagens de produções da Brasil Paralelo em uma série de reportagens sobre ideologia de gênero feita pela equipe de jornalismo da Canção Nova, e só.
Ou seja, o Observatório está observando muito mal as coisas, já que nem o factual ele consegue discernir direito (é fake news que chama?). Isso fora a miopia ideológica, é claro. Mesmo supondo que o OCR tivesse acertado no factual, deixando a Canção Nova de fora da “denúncia” para manifestar preocupação com a parceria entre Anuncia-me e Brasil Paralelo, o tom da nota indica que estamos diante de uma tentativa de estimular um bloqueio aos conteúdos da produtora – seja por meio de uma autocensura da parte do Anuncia-me, seja pela intervenção das autoridades eclesiásticas. Tudo porque o pessoal do OCR, pelo jeito, não gosta do que a Brasil Paralelo faz (e sabemos, “extrema direita” é uma dessas frases-muleta para “tudo de que eu não gosto”), e pra isso vale até colocar o TSE no jogo, num ad hominem feito para descredenciar o conteúdo de cunho religioso da produtora. Se quer mesmo prestar um serviço decente à Igreja neste caso, que o OCR deixe de lado a mania de rotular os desafetos e aponte de que conteúdos específicos está falando, e que erros eles contêm. Aí, sim, dá para conversar.
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