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Marcio Antonio Campos

Marcio Antonio Campos

Vaticano, CNBB e Igreja Católica em geral. Coluna atualizada às terças-feiras

Massacre em igreja

Por que a oração importa

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“Que o amor de Deus os conforte e envolva. Rezamos para que Annunciation tenha paz e força”, diz texto colocado por outra escola católica junto com flores em um memorial improvisado em homenagem às vítimas da Igreja da Anunciação. (Foto: Craig Lassig/EFE/EPA)

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Na manhã de quarta-feira passada, um atirador matou duas crianças e feriu cerca de 20 pessoas que assistiam à missa na Igreja da Anunciação, em Minneapolis – a celebração tinha a participação massiva de alunos, professores e funcionários da escola paroquial próxima. Um lembrete trágico de que o mal existe, que ele não se cansa, e que continuará tentando por todos os meios conspurcar o que há de mais puro no mundo. O mundo católico (mas não só ele) se uniu em oração pelas crianças, por suas famílias e pelos paroquianos, para que Deus os ajudasse e confortasse. Mas há quem tenha profunda aversão por esse ato tão humano.

Vários políticos do Partido Democrata e formadores de opinião alinhados com a legenda manifestaram abertamente nas mídias sociais e nos veículos de comunicação o seu desprezo pelos “pensamentos e orações”. Foi algo doentio. “Não nos deem seus pensamentos e orações de m*”, escreveu um deputado. “Orações não trazem essas crianças de volta. Chega de pensamentos e orações”, disse a ex-porta-voz de Joe Biden. Até o prefeito de Minneapolis, a cidade onde ocorreu a tragédia, se achou no direito de zombar da fé alheia dizendo “não diga que isso é sobre ‘pensamentos e orações’ agora – essas crianças estavam literalmente rezando”. Para todo esse povo, orações são inúteis (porque, se funcionassem, as crianças estariam vivas), só o que funciona é a ação (no caso, leis de controle de armas).

Não me interessa aqui a discussão sobre as armas, mas a discussão sobre a oração. Robert Barron, bispo de Winona-Rochester (também no estado do Minnesota), foi direto ao ponto e chamou as declarações do prefeito de “burrice completa”. Falando à Fox News, Barron disse que “os católicos não acham que a oração os protege magicamente de qualquer sofrimento. Afinal, Jesus rezou fervorosamente, pendurado na cruz onde estava morrendo. (...) A oração é a elevação da mente e do coração a Deus, o que é especialmente apropriado em tempos de grande dor. E a oração não está contraste com a ação moral, de forma alguma. Martin Luther King era um homem de oração profunda, e que conseguiu levar a cabo uma revolução social em nosso país. Não são coisas excludentes”, explicou Barron, citando o pastor batista que foi figura-chave na luta pelos direitos civis nos Estados Unidos.

“A oração, na sua essência, é a relação e a comunhão do homem com Deus, e pela sua ação, ela sustenta o mundo e o une com Deus.”

São João Clímaco

Como o bispo Barron disse, não achamos que a oração é um talismã. A oração é conversa com Deus. Mas a oração também nos une. Na oração, percebemos que estamos todos juntos, nos bons e nos maus momentos, e que aqueles que sofrem podem contar conosco. É por isso que, diante de uma dificuldade, de uma doença, do que for, pedimos a todos que rezem por nós. Essa união entre os membros da Igreja, entre as pessoas que creem, tem inclusive um nome, que repetimos todo domingo na missa: a “comunhão dos santos”.

“A oração, na sua essência, é a relação e a comunhão do homem com Deus, e pela sua ação, ela sustenta o mundo e o une com Deus”, escreveu São João Clímaco, no século 17 (destaque meu). Os políticos e palpiteiros democratas querem nos fazer crer que a oração não funciona, porque há mal no mundo. Mas, se com as nossas orações o mundo já é assim, imaginem como seria sem elas. Aliás, talvez não precisemos imaginar: todas as tentativas de estabelecer “paraísos na Terra” prescindindo de um Deus para quem podemos rezar terminaram em massacres muito piores que os de Minneapolis.

E é aqui que retomo o argumento final do bispo Barron: só à base de muita oração poderemos agir bem. Martin Luther King, São Maximiliano Kolbe, Dietrich Bonhoeffer, São João Paulo II e tantíssimos outros só conseguiram se opor ao mal da forma como o fizeram porque eram pessoas de oração, e porque buscaram nela a resposta a uma pergunta fundamental: o que devo fazer? Poderia apostar que muitos desses democratas desprezam a oração também porque julgam ter a resposta a essa pergunta e querem que todos a comprem irrefletidamente.

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Nem sempre temos como ajudar alguém de forma mais direta, com um conselho, com um abraço, com dinheiro, como for; mas sempre podemos rezar – e, mesmo quando é possível ajudar de outras formas, arrisco dizer que a oração é o melhor que podemos fazer pelos demais, porque nela entregamos essas pessoas (familiares, amigos, inimigos, completos desconhecidos) a Deus e pedimos a Ele que cuide delas. Rezemos, portanto, sem parar – pelas vítimas, suas famílias e amigos, pela comunidade de Minneapolis, até pelo atirador e pelos que desprezam a nossa oração. Deus sabe melhor que ninguém o que fazer com os nossos pedidos.

O político católico, segundo Leão XIV

papa leão xiv políticos francesesO papa Leão XIV recebeu uma delegação de políticos franceses em 28 de agosto. (Foto: Vatican Media handout/EFE/EPA)

Em menos de uma semana, o papa Leão XIV fez dois discursos em que delineou o que ele e a Igreja esperam de um político católico. E, para a surpresa de ninguém, trata-se de um perfil do qual precisamos desesperadamente: pessoas bem formadas, com coragem e firmeza para fazer o que é certo e recusar o que é errado, e não aquele tipo que se elege nas costas da religião para depois se omitir na defesa da verdade, com justificativas sobre “a arte do possível” e outras coisas semelhantes.

Comecemos pelo que eu considero o melhor dos dois discursos, o mais recente, feito em 28 de agosto a um grupo de políticos de uma localidade francesa. Depois de lembrar que o ambiente político francês é ainda mais difícil que o normal para um político católico, devido ao laicismo reinante, Leão XIV afirmou que o bispo de Créteil, que acompanhava o grupo, havia pedido ao papa que desse alguns conselhos. E então tivemos essas palavras (a tradução é minha, o Vaticano só tem versões oficiais em francês e em italiano):

“O primeiro – e único – conselho que eu lhes daria é que se unam cada vez mais a Jesus, vivam por Ele e O testemunhem. Não há separação na personalidade de uma figura pública: não há o político de um lado e o cristão do outro. O que há é o político que, sob o olhar de Deus e de sua consciência, vive seus compromissos e responsabilidades de forma cristã!

“Não há separação na personalidade de uma figura pública: não há o político de um lado e o cristão do outro.”

Papa Leão XIV, em discurso a políticos franceses

Vocês são, portanto, chamados a se fortalecerem na fé, a aprofundarem o conhecimento da doutrina – em particular a Doutrina Social da Igreja – que Jesus ensinou ao mundo, e a colocá-la em prática no exercício de suas funções e na elaboração das leis. Os fundamentos dessa doutrina estão essencialmente em harmonia com a natureza humana, a lei natural que todos – mesmo os não cristãos, mesmo os não crentes – podem reconhecer. Não é preciso ter medo de propô-la e defendê-la com convicção: é uma doutrina de salvação que busca o bem de cada ser humano e a construção de sociedades pacíficas, harmoniosas, prósperas e reconciliadas.

Sei bem que o compromisso abertamente cristão de uma figura pública não é fácil, especialmente em certas sociedades ocidentais onde Cristo e sua Igreja são marginalizados, frequentemente ignorados, às vezes ridicularizados. Também não ignoro as pressões, as diretrizes partidárias e as “colonizações ideológicas” – para usar uma feliz expressão do papa Francisco – a que os políticos estão submetidos. Eles devem ter coragem: a coragem de dizer às vezes ‘não, eu não posso!’ quando a verdade está em jogo. Também aqui, somente a união com Jesus Jesus crucificado! lhes dará a coragem de sofrer em seu nome. Ele disse aos seus discípulos: ‘No mundo tereis tribulações, mas tende bom ânimo, eu venci o mundo!’ (Jo 16,33).”

Alguns dias antes, o papa havia recebido os membros da Rede Internacional de Legisladores Católicos, e propôs como guia para a reflexão a figura de Santo Agostinho, que viveu em uma época politicamente e socialmente conturbada, e sua obra A Cidade de Deus. O papa agostiniano lembrou que “Agostinho encorajou os cristãos a impregnar a sociedade terrena com os valores do Reino de Deus, orientando assim a história para o seu cumprimento último em Deus, mas permitindo também a autêntica prosperidade humana nesta vida”, e questionou: como fazer isso hoje? A resposta está na busca pela autêntica prosperidade humana. Não aquela “frequentemente confundida com uma vida rica do ponto de vista material, ou com uma vida de autonomia individual sem restrições e de prazer”, mas aquela que “deriva daquilo que a Igreja define como desenvolvimento humano integral, ou seja, o pleno crescimento da pessoa em todas as dimensões: física, social, cultural, moral e espiritual. Esta visão da pessoa humana está enraizada na lei natural, a ordem moral que Deus inscreveu no coração humano, cujas verdades mais profundas são iluminadas pelo Evangelho de Cristo”. O legislador católico, portanto, precisa ajudar a sociedade a se organizar com base no amor a Deus e ao próximo, e não no amor próprio e egoísta.

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A distinção que Leão XIV faz é certeira: muitas sociedades que consideramos “prósperas” porque têm uma boa renda per capita, porque erradicaram a miséria, porque têm poucos pobres, porque têm pleno emprego, também são aquelas onde o permissivismo moral é mais exacerbado, onde a lei natural é mais frequentemente ignorada, onde o direito à vida é mais relativizado, especialmente entre os mais frágeis: o nascituro, o idoso e o doente. Isso não quer dizer que bons indicadores socioeconômicos não devam ser perseguidos, mas que eles não são fins em si mesmos, devendo estar subordinados a uma visão integral do ser humano, que contempla muitas outra dimensões.

Voltando ao discurso do papa aos políticos franceses, ele toca em um ponto crucial. Frequentemente se tenta confinar o político católico dizendo que ele não deve “impor sua fé aos outros” quando propõe ou defende legislação que proteja a vida, o casamento e a família, por exemplo. Isso é bobagem. “Impor sua fé aos outros” seria obrigar legalmente as pessoas a ir à missa aos domingos ou acreditar na Imaculada Conceição; o resto é nada mais que a defesa da lei natural, que não é característica de nenhuma religião, mas algo “que todos – mesmo os não cristãos, mesmo os não crentes – podem reconhecer” (ainda que frequentemente não reconheçam). Agora, isso requer inteligência e muito estudo, porque será preciso explicar esses princípios da lei natural em linguagem que um não católico seja capaz de aceitar, ou seja, sem recorrer a doutrina ou à Escritura; é o que, por exemplo, Robert George, Ryan Anderson e Sherif Girgis fizeram no magistral O que é o casamento.

As duas falas do papa estão na linha da Nota doutrinal sobre algumas questões relativas à participação e comportamento dos católicos na vida política, que a Congregação para a Doutrina da Fé publicou em 2002; o documento também condena a “vida dupla” do político católico e, embora lembre que há muitos temas em que o católico tem liberdade de escolher uma ou outra posição, rejeita o relativismo moral na política. Esse é o tipo de documento que, embora tenha sido publicado há quase 25 anos, não perdeu sua atualidade, muito pelo contrário. Esta nota, o Compêndio de Doutrina Social da Igreja, e os dois discursos de Leão XIV contêm muito do que um político católico precisa saber para bem exercer seu papel, e muito do que um eleitor católico precisa saber para eleger bons candidatos.

“A autêntica prosperidade humana manifesta-se quando as pessoas vivem virtuosamente, quando vivem em comunidades saudáveis, beneficiando não só do que têm, do que possuem, mas também do que são como filhos de Deus.”

Papa Leão XIV, em discurso à Rede Internacional de Legisladores Católicos.

Convenhamos: se há políticos católicos que não fazem seu trabalho, é porque há eleitores católicos que também não fazem seu trabalho. Um candidato pode enganar o eleitorado uma vez, quando ainda não tem cargo eletivo. Mas, uma vez eleito, se o católico detentor de mandato se omite, se não resiste a políticas públicas ou projetos de lei contrários à lei natural, se usa diretrizes partidárias ou sei lá que outros motivos como desculpa para sua inação, não deveria mais contar com o voto católico; quando se reelege, é porque o eleitor não fiscalizou como devia. Vamos nos lembrar disso em 2026.

Colunista em férias; voltamos no dia 23

O colunista vai pegar uns dias de férias agora em setembro, e por isso não teremos coluna nas próximas duas terças-feiras. Estaremos de volta no dia 23.

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