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O Jubileu do Mundo Educativo foi encerrado no último sábado, com a missa em que o papa Leão XIV incluiu São John Henry Newman no rol dos doutores da Igreja e o nomeou copadroeiro da educação católica, ao lado de São Tomás de Aquino. Mas, antes disso, o papa assinou, em 27 de outubro, sua primeira carta apostólica: Desenhar novos mapas de esperança (ainda sem tradução oficial em português), divulgada no dia seguinte, 28, 60.º aniversário da declaração Gravissimum educationis, do Concílio Vaticano II, sobre o mesmo tema. No documento, Leão XIV usa a imagem da navegação, guiada por mapas e pelas constelações, para descrever o processo educacional. Assim como fizera em Dilexi te, ele abre a carta com uma recapitulação histórica da ação da Igreja em prol da educação, mencionando, por exemplo, São Marcelino Champagnat, São João Bosco, São João Batista de La Salle e Maria Montessori; lembrou, ainda, o trabalho dos monges medievais na preservação do conhecimento do mundo antigo, e que as universidades nasceram “do coração da Igreja”.
O documento é curtinho, e eu recomendo sua leitura. O tema da educação católica se tornou especialmente caro para mim depois que tive filhos, mas antes disso ele já chamava minha atenção, especialmente quando eu percebia que uma escola ou universidade católica parecia não refletir de fato aquilo que ela carregava no nome. Por isso, destaco na coluna de hoje algumas poucas ideias que achei mais valiosas na nova carta apostólica, e que precisam ser absorvidas não apenas pelos educadores, mas também pelas famílias daqueles que estão matriculados nas instituições católicas de ensino.
“A família continua a ser o primeiro local da educação” (5.3)
“As escolas católicas colaboram com os pais, mas não os substituem”, afirma Leão XIV na continuação do trecho que citei neste subtítulo. Entendo mais que ninguém o desejo de muitos pais que procuram uma escola católica para seus filhos, de modo que eles recebam uma educação... bem, uma educação católica. Eu sou um desses pais. Mas matricular o filho em uma instituição confessional católica não é e nunca foi uma forma de lavar as mãos em relação à própria responsabilidade, até porque as crianças não são idiotas e logo começam a perceber quando há um abismo entre o que elas aprendem na escola católica e o que os pais praticam (ou, na maioria das vezes, não praticam) em casa. Mesmo quem não é católico, mas escolhe uma escola católica para o filho porque acredita que ali ele vai aprender a exercer as virtudes cristãs também precisa vivê-las em casa. Aliás, falando em virtudes...
“O valor da educação não se mede apenas pelo eixo da eficiência: ele se mede pela dignidade, pela justiça, por sua capacidade de servir ao bem comum.”
Papa Leão XIV, na carta apostólica “Desenhar novos mapas de esperança”
“A educação não é apenas a transmissão de conhecimento, mas também o aprendizado das virtudes” (5.1)
Ao longo da carta, Leão XIV (que foi professor de Física e Matemática em uma escola católica de ensino médio em Chicago) bate muito em uma tecla: a escola ou a universidade católica não é “resultadista”. Os alunos tiram as melhores notas no Enem, passam nos melhores vestibulares, conseguem as posições mais disputadas no mercado de trabalho? Ótimo, mas eles se tornaram pessoas melhores por terem passado por aquela escola ou faculdade? Aprenderam a respeitar os demais? Saberão escolher o caminho certo diante dos dilemas da vida? Mais adiante, o papa dirá que “a educação católica não pode ser silenciosa: ela precisa combinar justiça social e justiça ambiental, promover a sobriedade e estilos de vida sustentáveis, e formar consciências capazes de escolher não o que é meramente conveniente, mas o que é justo” (7.2, destaque meu). Se a escola investe na formação para as virtudes muito menos do que investe em ter os melhores laboratórios, em fazer convênios com meio mundo para oferecer este ou aquele diploma, que diferença ela faz, na comparação com uma instituição não confessional?
“A escola católica é (...) um ambiente onde a visão cristã permeia todas as disciplinas e toda interação” (5.2)
Na escola católica “fé, cultura e vida se entrelaçam”, afirma Leão XIV. Isso quer dizer que a identidade católica de uma escola ou universidade não se limita a uma capela, umas imagens sacras espalhadas pelo prédio ou pelo câmpus, e umas aulas de religião – isso quando elas não são substituídas por aulas de “boa vontade genérica” para não “ofender” pais e alunos de outras religiões (que, até onde eu sei, deveriam ter consciência do que esperar quando matriculam os filhos em uma escola católica, ou prestam vestibular para uma PUC).
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Deus abençoe e recompense reitores e diretores de universidades católicas em que não se fazem pesquisas que violam a dignidade humana, e respeitam a vida desde a concepção até a morte natural. Deus abençoe e recompense reitores, diretores e orientadores que não permitem propaganda ideológica contra os valores da Igreja em suas instituições. Deus abençoe e recompense educadores que não são relativistas, que defendem a verdade e a nossa capacidade de encontrá-la. Deus abençoe e recompense diretores e professores que cuidam do conteúdo ensinado a crianças e adolescentes, especialmente nas idades em que os hormônios começam a falar mais alto e a pressão dos amigos e colegas fica mais forte. Tudo isso (mas não apenas isso) não apenas ajuda a reforçar a identidade católica de uma instituição de ensino, mas também é algo extremamente valioso para quem nela estuda.
A escola católica é onde se ensina o bom, o verdadeiro... e o belo
“A formação cristã abraça a pessoa de forma integral: espiritualmente, intelectualmente, emocionalmente, socialmente e fisicamente”, afirma Leão XIV (4.2), antes de dizer que “nenhum algoritmo pode substituir o que torna a educação humana: poesia, ironia, amor, arte, imaginação, a alegria da descoberta e até o aprendizado a partir dos erros, como oportunidade de crescimento” (9.2). Das virtudes e da busca pela verdade já tratamos nos itens anteriores. Aqui, eu destaco a importância que o papa dá à arte.
“A antropologia cristã é a base de um estilo educacional que promove o respeito, o acompanhamento personalizado, o discernimento e o desenvolvimento de todas as dimensões humanas.”
Papa Leão XIV, na carta apostólica “Desenhar novos mapas de esperança”
O que é belo, infelizmente, está em baixa. Todos – crianças, adolescentes, jovens, adultos – estamos expostos à feiura e à vulgaridade literária, visual e auditiva; na verdade, somos bombardeados por elas. E por isso as instituições de educação católica (e as famílias, claro!) deveriam servir como refúgios, não para colocar os alunos em redomas, mas para mostrar-lhes que há muito mais, que o gênio humano criou maravilhas de cuja existência nem desconfiávamos.
O ser humano é naturalmente atraído para a beleza, mas precisa ser exposto a ela. Não há como culpar adolescentes que resolvem se inspirar em uma funkeira qualquer em uma apresentação se isso é tudo o que elas conhecem. Mas a escola pode lhes mostrar o quanto isso ofende a dignidade da mulher, e pode mostrar quanta riqueza existe em inúmeros outros gêneros da música popular, sem paternalismo ou pieguice – até porque ninguém está propondo que apenas a literatura, o cinema ou a música católica tenham valor, nem impondo um único modelo estético (a música clássica, por exemplo) como aceitável.
Na expressão “educação católica”, o “católica” pode e deve ser um diferencial verdadeiro, não apenas um adjetivo-chamariz. Um ensino que leva a excelência a sério consegue entregar ao mundo pessoas intelectualmente preparadas e, principalmente, de fé e virtudes sólidas – o tipo de ser humano de que mais necessitamos hoje.








