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Imagem de Nossa Senhora e igreja em Medjugorje, na Bósnia-Herzegovina, em foto de 2023.
Imagem de Nossa Senhora e igreja em Medjugorje, na Bósnia-Herzegovina, em foto de 2023.| Foto: Fehim Demir/EFE/EPA

Por quatro décadas os católicos esperaram um pronunciamento do Vaticano a respeito de supostas aparições de Nossa Senhora na vila bósnia de Medjugorje, iniciadas em 1981 (quando o lugar ainda era parte da Iugoslávia) e que continuariam ocorrendo até hoje. Pois a espera acabou: na quinta-feira passada, o Dicastério para a Doutrina da Fé publicou uma nota, que se inicia com a afirmação grandiloquente de que “é chegado o momento de concluir uma longa e complexa história em torno aos fenômenos espirituais de Medjugorje”. O problema é que a nota diz muito, mas deixa de lado o principal, ou seja: a história não está concluída coisa nenhuma.

Medjugorje é o primeiro grande teste das novas regras do Vaticano para a análise de “presumidos fenômenos sobrenaturais”, que substituíram as de 1978. Até este ano, havia alguns graus que a autoridade eclesiástica poderia atribuir ao fenômeno, resumidos nas expressões latinas constat de supernaturalitate (atestando o caráter sobrenatural), constat de non supernaturalitate (negando o caráter sobrenatural) ou non constat de supernaturalitate (um juízo indefinido). Agora, há seis graus que vão da Declaratio de non supernaturalitate (idêntico ao modelo anterior) ao Nihil obstat (“sem objeções”); no entanto, a possível sobrenaturalidade do fenômeno não será objetivo de análise, a não ser por ordem expressa do papa – os vereditos dizem respeito mais a eventuais mensagens divulgadas e “frutos espirituais” ligados ao fenômeno. Por fim, qualquer análise dos bispos diocesanos terá de ser chancelada pelo Dicastério para a Doutrina da Fé.

E, depois de pelo menos um constat de non supernaturalitate (do bispo Pavao Žanić, que estava à frente da diocese de Mostar, onde fica Medjugorje, no início das supostas aparições), dois non constat de supernaturalitate (de uma comissão diocesana em 1986 e uma comissão do episcopado iugoslavo em 1991), e uma conclusão de sobrenaturalidade referente apenas aos sete primeiros dias de aparições (de uma comissão pontifícia encerrada em 2014), o Vaticano deu um Nihil obstat, o grau mais alto de aprovação pela nova “escala”. Para isso, baseia-se nos frutos espirituais massivamente positivos – conversões, confissões, vocações ao sacerdócio e vida consagrada, adoração eucarística, devoção mariana – e no conteúdo das mensagens atribuídas à Virgem, embora a nota reconheça que algumas delas têm conteúdo bem problemático.

A nota do Vaticano sobre Medjugorje diz muito, mas deixa de lado o principal: Nossa Senhora apareceu lá ou não?

A grande pergunta, no entanto, permanece: afinal de contas, a Virgem Maria apareceu ou não em Medjugorje? Para isso o Vaticano não tem resposta, e não sei se quer ter. Mas, convenhamos, disso depende todo o resto. A Mãe de Deus falou (ou fala) mesmo com os videntes, e os trechos heterodoxos são invenções deles, como Mélanie acrescentou o “Roma perderá a fé” na mensagem de La Salette? Ou temos um sexteto que escreve coisas em sua maioria edificantes, embora com alguns problemas, atribui tudo a Nossa Senhora (o que já é bem complicado) e construiu uma devoção gigantesca em cima disso, gerando efeitos positivos para inúmeras pessoas? Faz toda a diferença se foi assim ou assado, não faz?

A Igreja não exige adesão do fiel nem mesmo nos casos de aparições reconhecidas, como Fátima, Guadalupe ou Lourdes. Quanto a Medjugorje, nunca me debrucei sobre as mensagens para avaliá-las, mas parece-me mesmo que a visita ao local faz muita gente mudar para melhor sua vida. Ainda assim, sigo não acreditando que a Virgem tenha aparecido lá. Não me parece que a Mãe de Jesus teria endossado a disputa feroz entre os franciscanos e o bispo local (com direito a sequestro), nem estimulado desobediência à autoridade eclesiástica, inclusive papal. E, ainda que o Vaticano diga que “os dons carismáticos (...) não exigem necessariamente a perfeição moral das pessoas envolvidas para poder agir”, suponho que os “videntes” deveriam estar levando vidas mais condizentes com a fé, em vez de ostentar luxo. Isso sem falar dos padres que acompanhavam os jovens: um deles, Ivica Vego, largou a batina depois de engravidar uma freira; outro, Tomislav Vlašić, perdeu o estado clerical em 2009 após uma investigação “pela difusão de doutrina dúbia, manipulação de consciências, suspeita de misticismo” e conduta sexual inapropriada (ele também engravidou uma freira, bem antes de as “aparições” começarem), e terminou excomungado em 2020. Por mais que as pessoas sejam falíveis, é escândalo demais pra minha cabeça.

Esquerda não gostou de vídeo com algumas verdades inconvenientes

A esquerda – assumida ou enrustida – na política e no jornalismo está rasgando as vestes por causa de um vídeo curtinho, de 3 minutos, com padres, diáconos e personalidades católicas, que está viralizando. Eu assisti ao vídeo, que em nenhum momento menciona nomes de partidos ou candidatos; na verdade, não há nem indicação de quando ele foi feito, e recebi informações de que ele seria de 2022. Se for assim, seu ressurgimento em 2024 é bem compreensível, porque o conteúdo consiste apenas em alguns critérios que um católico deveria levar em consideração diante da urna. Diz, por exemplo, que não deveríamos votar em abortista, em defensor da ideologia de gênero, em adversários da liberdade religiosa ou em quem apoia perseguidores de cristãos (a ênfase nesse tema faz sentido se o vídeo for de 2022, já que à época Lula era um grande aliado do ditador Daniel Ortega), em quem nega os valores do Evangelho, em defensores da legalização das drogas, em arautos da censura e adversários da liberdade de expressão. Por mais óbvio que isso seja, é suficiente para que o vídeo seja alvo de desinformação e fake news.

Uma agência de checagem chamada Coletivo Bereia, que se define como “uma iniciativa jornalística sem fins lucrativos voltada para o combate à desinformação em ambientes digitais religiosos”, tascou um “enganoso” em sua análise do vídeo. Para isso, recorre a uma série de espantalhos, por exemplo ao dizer que não existe projeto de lei sobre fechamento de igrejas no Brasil – como se os liberticidas fossem burros a esse ponto; na verdade, eles preferem ir tolhendo aos poucos a liberdade de expressão de líderes religiosos e “regular as igrejas”. Chama, ainda, a ideologia de gênero de “noção inventada” (sei, quer dizer que não existe nenhuma tentativa de subverter a biologia e dar a cada um a chance de negar seu sexo biológico), e inclusive denuncia a “associação de pedofilia a movimentos de esquerda e grupos LGBTQIA+”, sendo que o vídeo não diz absolutamente nada sobre isso. Tudo isso regado a muitos termos como “extremismo conservador”, “extrema direita”, “pautas ultraconservadoras” e assemelhados, que já entregam a ideologia que move os checadores.

Aliás, as checagens do Bereia são tão, mas tão bem feitas que eles classificaram como “verdadeiro” o caso do Observatório da Comunicação Religiosa, que foi assunto da coluna da semana passada. Bom, é verdade mesmo que existe um Observatório da Comunicação Religiosa, e que ele publicou uma nota denunciando uma suposta parceria entre Brasil Paralelo e Canção Nova. Mas isso qualquer panda treinado que achasse o site do OCR seria capaz de verificar. Checagem, checaaaaagem mesmo quem fez foi a Nathália Queiroz, do ACI Digital, e este colunista, que verificamos: não existe a tal parceria, pois quem está reproduzindo conteúdo do Brasil Paralelo não é a Canção Nova, e sim o apostolado Anuncia-me, que é da Obra de Maria (embora envolva uma parceria com a Canção Nova). Isso não impediu a diretora do Bereia, Magali Cunha, de dizer ao repórter Eduardo Cunha Lima, do Crux (outro que não checou nada, pelo jeito), que “na mesma semana em que o vídeo viralizou, grupos católicos [“grupos”? Foi só um, o OCR] denunciaram a questionável parceria entre Canção Nova e Brasil Paralelo”. E é esse povo que acusa os outros de espalhar fake news...

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