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Marcio Antonio Campos

Marcio Antonio Campos

Vaticano, CNBB e Igreja Católica em geral. Coluna atualizada às terças-feiras

Religião e política

O que não lhe contaram sobre a proibição da vigília pró-Bolsonaro pelo arcebispo de Curitiba

Paróquia São Francisco de Paula, Curitiba-PR.
A paróquia São Francisco de Paula, em Curitiba, para onde vigília de oração por Jair Bolsonaro havia sido marcada na semana passada. (Foto: Ivonaldo Alexandre/Arquivo/Gazeta do Povo)

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Pelo jeito, foi providencial que eu tivesse escrito a coluna da semana passada, sobre como as pessoas incentivam a hostilidade às autoridades da Igreja usando a internet, horas antes de estourar o caso de uma vigília de oração pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, programada para ocorrer na noite de terça-feira passada, e que foi barrada pelo arcebispo de Curitiba, dom José Antônio Peruzzo. Afinal, muitas das estratégias que eu comentei semana passada (e acabamos de descobrir que o Dicionário Oxford escolheu “rage bait” como palavra do ano – justamente o comportamento de caçar cliques provocando indignação) acabaram sendo empregadas por quem fez a repercussão do episódio, para fazer – de forma muito injusta – a caveira do padre Octavio Vaz, de dom Peruzzo e até da CNBB, que não tinha nada a ver com a história.

Como tudo se desenrolou nós sabemos: na tarde do dia 24, segunda-feira, a jornalista Cristina Graeml fez uma convocação pelas mídias sociais para uma vigília “pela saúde, por liberdade e justiça para o presidente Bolsonaro e para todos os milhares de presos e exilados políticos do Brasil e por suas famílias, pelo Congresso Nacional e por anistia já”. Poucas horas depois, ainda na noite de segunda-feira, dom Peruzzo vetou o evento, avisando a todo o clero da arquidiocese que esse tipo de manifestação estaria proibido. Ainda assim, o povo apareceu lá na noite seguinte; o padre Octavio (que foi procurado pela coluna, mas achou melhor não comentar o caso) informou as pessoas sobre a proibição – uma coisa que não consegui descobrir ainda é se os fiéis foram à igreja estando cientes da decisão do arcebispo, ou se ficaram sabendo apenas quando já estavam lá –, e o povo rezou do lado de fora da igreja.

Dom Peruzzo vetou vigília pró-Lula na catedral de Curitiba em 2017

O que o seu comentarista bolsonarista favorito não vai lhe dizer é que oito anos atrás o arcebispo de Curitiba teve a mesmíssima atitude, mas direcionada aos petistas. Em maio de 2017, Lula era investigado na Lava Jato e tinha depoimento marcado ao então juiz Sergio Moro. “O grupo político-partidário de Lula pretendeu realizar, nas dependências da catedral, uma vigília em favor da ‘justiça e do futuro do país’. Mas tudo fora muito mal explicado (talvez intencionalmente). Seria à noite, em torno das 20 horas”, afirmou dom Peruzzo à coluna, por escrito. “Ao perceber que tudo teria um formato partidário, ainda que em linguagem religiosa, desautorizei o uso das dependências daquele templo”, acrescentou.

Em resumo, o critério aplicado naquela ocasião foi usado novamente este ano. “Tudo se aproximava de feitio semelhante também agora, na igreja São Francisco de Paula: organizado e promovido por uma candidata recente, com inequívocas expressões e linguagem político-partidária; a vigília seria em favor de um líder, também ele à frente de um partido político, poucos dias antes levado à privação da liberdade”, explicou o arcebispo.

Independentemente do que o padre pensasse a respeito do assunto, ele obedeceu o seu arcebispo, há mérito nisso e ele jamais poderia ser hostilizado como foi – ali, na frente da igreja, e depois, na internet

Dom Peruzzo ressaltou os riscos para a unidade entre os fiéis católicos. “‘Partido’ remete a ‘parte’, e o que é parte sempre merece respeito; mas, se algo prejudica a unidade entre os que creem, há que salvaguardar tudo o que ressalta a tipicidade da fé professada”, continuou. “Ninguém promove a reconciliação estando com os espíritos armados. Seria grande, seria imensa a divisão dentro das comunidades católicas. Multiplicar-se-iam os confrontos. E estamos em vésperas de um ano eleitoral, com os ânimos muito exacerbados. Acaso isso favoreceria a paz dos que têm direito à evangelização?”, questiona o arcebispo.

Apoiadores de Bolsonaro e Lula já tumultuaram festa da padroeira do Brasil em 2022

Além da questão da coerência entre atitudes passadas e presentes, havia alguns outros motivos para apreensão. Em 2022, eu contei aqui na coluna o caso lamentável em que bolsonaristas e petistas tumultuaram as comemorações de Nossa Senhora Aparecida no Santuário Nacional. De lá para cá, os ânimos se acirraram ainda mais. Era possível que, no fim das contas, o que deveria ser apenas oração pudesse virar ato político? Era, como também era possível que o povo simplesmente entrasse na igreja, rezasse e saísse em paz. Teria sido melhor deixar a coisa transcorrer e agir a posteriori, proibindo novos eventos como esse caso a coisa degringolasse? É complicado; teria sido muito ruim se o povo perdesse a noção dentro da igreja (como chegou a perder fora da igreja; já falaremos disso), e além disso havia o precedente de 2017, que dom Peruzzo quis seguir, preferindo não pagar para ver em nenhum dos casos. No fim das contas, o que houve foram dois juízos prudenciais contrários e legítimos: o padre Octavio (de cuja boa intenção não duvido nem um pouco, pois o conheço pessoalmente e minha família frequenta a igreja de São Francisco de Paula) provavelmente olhou mais para o aspecto da oração, e o arcebispo viu riscos nessa convocação específica.

“O demônio pode ocultar-se até sob o manto da humildade, mas não pode vestir o manto da obediência”

A frase de Santa Faustina Kowalska me veio à mente quando vi um dos vídeos feitos na igreja de São Francisco de Paula na noite do dia 25. “Ele não precisa cumprir a ordem”, diz alguém – “ele”, no caso, é o padre Octavio, e “a ordem” é a determinação do arcebispo. Só por aí já dá para ver onde estão as prioridades de algumas pessoas. O padre não só precisa como deve acatar o que o seu pastor determina. Independentemente do que o sacerdote pensasse a respeito do assunto, se considerasse que a sua avaliação ainda era a mais correta, ele obedeceu, há mérito nisso e ele jamais poderia ser hostilizado como foi – ali, na frente da igreja (um senhor chega a dizer que ele “não tem vergonha na cara”), e depois, na internet.

(Justiça seja feita, a Cristina Graeml, quando comentou o caso depois, não incentivou nenhum tipo de reação hostil contra o padre Octavio ou dom Peruzzo.)

E o Renato Freitas?

Não faltou quem lembrasse do episódio em que o então vereador (hoje deputado estadual) Renato Freitas invadiu uma igreja no centro de Curitiba, em fevereiro de 2022. Ainda do lado de fora, o protesto liderado por Freitas levou o padre que celebrava missa na Igreja do Rosário a apressar a celebração; terminada a missa, o grupo entrou na igreja e o vereador começou a dizer palavras de ordem, insultando os católicos que votaram em Bolsonaro. A Câmara Municipal de Curitiba cassou o mandato de Freitas por quebra de decoro, mas o então ministro do STF Luís Roberto Barroso devolveu o mandato ao vereador.

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Na época, a arquidiocese foi contrária à cassação – o que está sendo usado contra dom Peruzzo para afirmar que ele seria parcial em relação à esquerda. Acontece que a nota assinada pela procuradora da arquidiocese, Cynthia Glowacki Ferreira, não defendia a inocência do então vereador: ela afirmava que houve, sim “desrespeito ao lugar sagrado”, e que Freitas deveria sofrer “medida disciplinadora proporcional ao incidente”. Ou seja, mais uma vez estamos falando em juízo prudencial: para a arquidiocese, havia de fato ocorrido um desrespeito, mas levando-se em conta fatores como o pedido de desculpas público, deveria haver punição, embora mais branda que a cassação. Isso é diferente de passar pano para invasor de igreja. E o episódio da vigília pró-Lula barrada em 2017 deveria bastar para acabar com qualquer acusação de parcialidade.

E a CNBB?

cnbb

Pois é, e a CNBB, não vai fazer nada? Quem leu minha coluna de semana passada sabe que a CNBB não vai fazer nada porque ela não pode fazer nada. A conferência episcopal não é uma instância disciplinadora de bispos ou padres, não tem poder para reverter decisões de governo tomadas por bispos dentro de suas dioceses, e só em alguns casos muito raros ela tem a autoridade para emitir regras gerais que se apliquem a toda a Igreja no Brasil. Quem não gostou da suspensão da vigília que vá reclamar com o bispo – não o de Curitiba, mas o de Roma mesmo, que este, sim, tem o poder das chaves e a autoridade sobre seus irmãos no episcopado.

Mas, como eu também disse na semana passada, ao menos em alguns casos eu tenho lá minhas dúvidas sobre o já tradicional “e a CNBB?” ser realmente uma manifestação de ignorância sobre como funcionam as coisas na Igreja, em vez de um oportunismo rasteiro para alfinetar a conferência mesmo em assuntos nos quais ela não pode ter ingerência nenhuma.

O falso Messias na CNBB

Falando em CNBB, o advogado-geral da União, Jorge Messias, em campanha para conseguir o apoio necessário no Senado para se tornar ministro do STF, esteve na sede da CNBB na quinta-feira. Ele foi recebido pelo secretário-geral da conferência, dom Ricardo Hoepers, e a reunião teve a participação remota do cardeal Jaime Spengler, arcebispo de Porto Alegre e presidente da CNBB. Teve colunista por aí dizendo que a conferência “manifestou apoio” ao famoso “Bessias”, mas ninguém confirma nada a respeito.

Dizer-se pró-vida é fácil. Mas, quando teve a grande chance de fazer algo contra o aborto, Jorge Messias assinou um parecer pela permissão da hedionda prática da assistolia fetal

Messias se disse a favor da defesa da vida desde a concepção. Mas falar é uma coisa, fazer é outra. E, quando teve a grande chance de fazer algo, o advogado-geral da União assinou um parecer pela permissão da hedionda prática da assistolia fetal em qualquer estágio da gestação, uma barbaridade que o Conselho Federal de Medicina havia proibido. Por mais “de cortesia” que tenha sido a visita, espero de todo o coração que os bispos tenham confrontado Messias, mencionado esse parecer na conversa e exigido explicações – e acrescento que “estava só cumprindo ordens superiores” é o tipo de desculpa que não cola ao menos desde Nuremberg.

Os monarcas católicos que se recusaram a assinar leis abortistas

alberto ii monaco abortoO príncipe Alberto II, de Mônaco, durante a Assembleia Geral da ONU, em setembro deste ano. (Foto: Kena Betancur/EFE/EPA)

Se Messias precisa de um exemplo de alguém que seguiu a própria consciência em defesa da vida, pode olhar para Mônaco. O príncipe Alberto II não assinou uma lei aprovada pelo parlamento do país, legalizando o aborto nas primeiras 12 semanas de gestação – e, ainda por cima, mencionou a identidade católica da nação em sua justificativa. Em Mônaco, o aborto é ilegal (embora tenha sido descriminalizado), sendo permitido apenas nos casos de gestação decorrente de estupro, risco para a vida da mãe e malformação fetal grave.

O príncipe de Mônaco (que era piloto de bobsled e foi atleta olímpico antes de assumir o trono) segue, assim, os passos do rei belga Balduíno, que também se recusou a assinar uma lei abortista em 1990; em um arranjo ad hoc, Balduíno foi declarado provisoriamente incapaz de governar pelo parlamento belga, que promulgou a lei por conta própria; o rei foi restituído no dia seguinte. Quando visitou a Bélgica, em 2024, o papa Francisco elogiou a coragem do rei, falecido em 1993, e anunciou que gostaria de iniciar sua causa de canonização, o que aconteceu no fim do ano passado.

A emoção do papa Leão XIV

Uma das imagens que viralizaram durante a viagem do papa Leão XIV à Turquia e ao Líbano foi a do encontro com os católicos turcos. Durante o canto do aleluia, o papa parece estar com aquele nó na garganta típico de quem está se segurando para não deixar cair uma lágrima. Vejam aí, a partir do minuto 16:

De todas as vezes que vi Leão XIV, ao vivo ou em vídeo, tive a sensação de que ele é alguém pessoalmente introvertido (it takes one to know one, dizem), impressão que um amigo que trabalha no Vaticano também compartilha. Talvez por isso seja interessante observar esses momentos de emoção genuína do papa, e que vêm desde o início do seu pontificado. Em sua primeira aparição na sacada da Basílica de São Pedro, era possível perceber que ele estava tocado pela recepção que teve do povo na praça (este colunista incluído), e depois de dar a bênção solene ainda permaneceu ali por alguns minutos, sorrindo e acenando para a multidão. Na missa de início do pontificado, realizada dias depois, Leão XIV também pareceu bastante emocionado no momento em que recebeu as insígnias papais: o pálio e o anel do pescador. Aliás, foi nessa missa que eu percebi outro traço interessante da linguagem corporal do papa: a frequência com que ele coloca a mão no peito, bem na altura da cruz peitoral, esteja ela sobre ou sob as vestes que usa no momento. Como se estivesse, sei lá, pedindo ajuda ao Crucificado para cumprir bem sua missão.

Quando destaco essas coisas, não estou posando de especialista em linguagem corporal, nem estou querendo estabelecer qualquer tipo de comparação com papas anteriores. Mas que é bonito de ver, isso é.

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