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Polícia tenta conter manifestante durante protesto em Brasília realizado no dia 8 de janeiro.|Polícia tenta conter manifestante durante protesto em Brasília realizado no dia 8 de janeiro.
Polícia tenta conter manifestante durante protesto em Brasília realizado no dia 8 de janeiro.|Polícia tenta conter manifestante durante protesto em Brasília realizado no dia 8 de janeiro.| Foto: André Borges/EFE

No exato instante em que escrevo estas palavras, irmãos brasileiros que jamais cometeram crime algum — pais de família, trabalhadores, pessoas comuns, gente em tudo igual a vocês, meus sete leitores — estão fugindo da polícia em um país estrangeiro, perseguidos por seus inimigos políticos. Sem abrigo, sem apoio, sem ter a quem recorrer, desesperados, absolutamente desprovidos de meios de defesa, eles fogem. Fogem pela noite, fogem pelo dia, fogem sem rumo. Seus crimes? Eles se revoltaram contra o golpe revolucionário que levou um arquicondenado ao poder.

Esses brasileiros não estão apenas presos ou exilados — eles foram sequestrados pela ditadura brasileira. Nos anos 60 e 70, a esquerda assaltava bancos e sequestrava embaixadores. Agora, ela assalta o país e sequestra cidadãos comuns. 

Um desses sequestrados é o Roberto. No Pará, Roberto e seus três irmãos faziam a coleta de açaí. O açaizeiro é uma das árvores mais altas da Floresta Amazônica; seu fruto arredondado e escuro, que faz a delícia de muitos brasileiros, precisa ser colhido em cachos que ficam até 20 metros acima do solo. Para ir de um açaizeiro a outro sem precisar descer, os coletores têm de fazer uma perigosa manobra, jogando-se de uma árvore para outra.

No dia 6 de janeiro de 2023, quando estava no alto do açaizeiro, Roberto sentiu que seu pai estava precisando dele. Desceu da árvore, despediu os trabalhadores que o acompanhavam e voltou para casa. Lá encontrou o pai discutindo com os três irmãos:

— Eu quero ir pra Brasília.

Roberto então disse:

— O sr. fica aqui, pai. Nós vamos em seu lugar.

Os quatro irmãos foram presos no 8 de janeiro e condenados a penas de 17 anos sem terem cometido crime algum.

Nas sociedades antigas, o bode expiatório era um animal sacrificado para simbolicamente pagar pelos pecados do povo. O significado do bode expiatório pode também ser compreendido de forma mais ampla para definir a prática de responsabilizar alguns indivíduos pela crise de toda uma sociedade.

Há, porém, uma característica universal do bode expiatório: ele é inocente. O exemplo máximo e definitivo é Jesus Cristo crucificado, o Cordeiro de Deus — aquele que expiou em seus sofrimentos os pecados de toda a humanidade. Depois de Cristo, o Inocente absoluto que é o próprio Deus, os antigos sacrifícios tornaram-se inúteis e vazios de sentido. No entanto, o Inimigo do gênero humano continua a utilizá-lo para seus fins malignos e de destruição.

Os presos e exilados do 8 de janeiro são os bodes expiatórios do regime PT-STF. 

A diferença em relação aos sacrifícios antigos é que eles não estão pagando pelos pecados do povo, mas sim pelos pecados da elite política

Essa elite suga, por meio de impostos criminosos e um sistema de controle social totalitário, todas as forças vitais da sociedade brasileira que garantem seus privilégios e facilidades — e não poupará esforços para continuar vampirizando o país.

Em 2020, quando eu era editor do jornal Brasil Sem Medo, estive em Brasília por alguns dias e fui até a casa do jornalista Allan dos Santos, onde participei de um programa do canal Terça Livre — veículo de comunicação que depois seria confiscado pelo Imperador Calvo. 

Após o programa, um rapaz tímido e humilde, de óculos e barba, me procurou e disse que acompanhava meu trabalho. Tinha em mãos um livro, que me ofereceu com uma dedicatória. Tratava-se da coletânea de contos “A Coisa Fora do Texto”, uma das obras mais impactantes da literatura brasileira nos últimos anos. Depois daquele dia, eu e Luiz nos tornamos amigos.

Em sua “Poética”, Aristóteles faz uma afirmação desconcertante:

“A Poesia encerra mais filosofia e elevação do que a História; aquela enuncia verdades gerais; esta relata fatos particulares”.

É por isso que eu não poderia encerrar esta crônica sem publicar um poema de Luiz Carreira que, na minha opinião, vale mais do que mil tratados sociológicos sobre os acontecimentos de 8 de janeiro e o massacre dos inocentes presos e exilados pelo regime PT-STF:

08/01

Há presos
que além das barras de ferro
têm por grades
o silêncio
de quem poderia falar
e a voz de quem pode:
Presos políticos,
presos
calados,
cujas rezas surdas,
são rostos comuns.
Hoje no brasil
há presos políticos,
presos da política,
presos na teia de veneno e sujeira e cinismo da política,
presos que não se pode chorar,
nem se pode entender.
São presos
sem grife,
sem charme,
sem bossa,
sem samba,
sem pedigree,
sem intelectuais,
sem atores famosos,
sem camisetas com gritos de guerra,
sem estado democrático de direito,
sem o clamor nem a hipótese da anistia,
sem palavras de ordem,
sem ordem,
sem padres da libertação,
sem bandeiras,
sem bolcheviques,
sem buarques.
São presos políticos, presos de políticos,
mas presos sem política,
são presos das capas que cobrem a lei, mas sem lei,
não são os exilados chiques da MPB,
não são os censurados da roda viva,
não escreveram teses,
não publicaram livros,
não articularam ideais,
são gente comum,
são donas de casa,
aposentados,
são a classe média,
classe de gente que Marilena Chauí odeia
e diz que odeia,
entre as risadas sórdidas de quem ama odiar.
São crentes,
devotos de conselheiros nenhuns,
acampados no seu Monte Belo improvisado
pensando fazer a resistência,
pensando comover o exército enquanto os generais, em orgias conspiratórias,
armavam a arapuca dos seus suplicantes.
Gente comum, sem grife,
ali ofertada por dias,
sob a chuva penosa,
ali,
ludibriada,
vista pelos seus heróis como vacas de abate,
como aqueles frangos de padaria
girando no espeto sujo,
prontos para o consumo,
como bodes expiatórios,
como a carne de um sacrifício mundano,
imolados no esquadro e no compasso da traição,
uma hecatombe orgástica para o Olimpo sujo da burocracia.
Mas nem mesmo essa fumaça épica lhes sobra,
nem a épica,
nem a tragédia,
nem uma linha lírica,
nem um argumento.
Sobre eles, a cal do silêncio e do medo.
Estavam ali, acampados,
vítimas perfeitas dos seus messias,
das suas imagens,
da sua ilusão,
da sua simplicidade,
e do sadismo dos aquartelados,
vítimas
da sua verdade desinteressante,
enredados
como bobos de uma farsa de palácio,
prontos
como a lenha da fogueira de um bacanal.
Presos de tantos males,
cativos da ilusão política,
que é o perfume entorpecente da esperança.
Presos políticos,
presos na política,
na ideia da política,
no narcótico da política.
Pessoas comuns,
donas de casa, aposentados,
sem centros acadêmicos,
sem reitorias,
sem abaixo-assinados,
sem sociologia.
Presos políticos sem partidos políticos,
sem redações de jornal,
sem discurso,
sem cartaz,
sem indignação da sociedade civil organizada,
sem o interesse da esquerda,
sem coragem da direita,
sem a força da esquerda,
sem solidariedade da direita.
Sem esquerda, sem direita.
O messias não sabe o nome de nenhum deles,
não foi visitá-los,
não mandou ninguém,
não quis saber,
não existem.
O inácio os odeia, usa e mija em cima.
Nenhum jornalista se perguntou
sobre as possíveis e boas e comoventes histórias
enjauladas ali entre monstros.
Jornalistas que ainda hoje lacrimejam com o exílio de chico em paris,
mas que não têm olhos
para essas donas de casas,
esses aposentados,
essa gente sem classe da classe média.
Os juízes supremos apagam os nomes dessas donas de casa,
desses aposentados no festim da sua fúria,
e dão as páginas de seus processos para os cachorros comerem,
e sabem que não haverá qualquer latido dissonante.
Mas os presos
são pessoas,
são pessoas comuns,
donas de casa, aposentados,
gente que por algum momento achou que poderia discordar de alguma coisa
e dizer alguma coisa na praça pública
sem patrocinadores bonitos.
São pessoas comuns,
donas de casa, aposentados,
dividindo agora com ladrões e assassinos
a marmita azeda,
o banheiro sujo,
as infecções,
o cheiro nojoso,
a umidade e a falta de sol,
a saudade de casa,
ali, largados,
mas sem o devido processo,
sem advogado capaz de advogar,
sem ministério público,
sem público.
São pessoas comuns,
donas de casa, aposentados,
que por algum momento acharam que poderiam discordar de alguma coisa
e dizer alguma coisa na praça pública,
e ter uma esperança, ou uma ideia, ou uma ilusão,
tola que fosse,
mas sem patrocinadores bonitos.
O tempo passa, e os presos seguem presos, só isso,
troçados,
esquecidos,
largados como raspas,
restos de um conceito chamado processo histórico,
bagaços de uma coisa chamada política,
diversão de psicopatas,
argumentos de fanáticos,
entulhos de uma coisa chamada democracia.
Donas de casa,
aposentados,
gente comum,
gente,
mas gente média,
a classe média e a saudade de casa.

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