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“A Eucaristia não é o maior milagre do mundo. Ela é o milagre maior do que o mundo.”
(Olavo de Carvalho)
Encontrei Carlo Acutis em um local improvável: não era praça, nem sacristia, nem oratório. Era uma sala pequena, daquelas em que cabem apenas dois interlocutores e uma mesa.
Ele parecia ainda ter quinze anos, mas havia nos seus olhos a eternidade de quem já atravessou a rua de mãos dadas com Deus. Eu, cronista de trocadilhos e tantos pecados, fiquei sem palavras diante do menino que transformou computadores em altares. Carlo Acutis sorriu primeiro, como se dissesse: “Não tenha medo, eu só vim conversar.”
Na sala, havia uma janela aberta, através da qual eu conseguia ver um jardim e duas árvores: a do Conhecimento do Bem e do Mal (com o fruto da perdição) e a da Vida (com o fruto da salvação).
— Minha estrada para o Céu sempre foi a Eucaristia — disse Carlo Acutis, com a naturalidade de quem fala sobre um hábito da infância.
— Quando eu recebia Jesus, era como se o mundo inteiro se organizasse dentro de mim.
Com um gesto leve, acrescentou:
— E a internet… ah, eu só quis que ela fosse uma ponte. Enquanto muitos viam distração, eu vi possibilidade: transformar cada clique em catequese, cada página em capela. Os milagres eucarísticos não estavam escondidos; eles só precisavam de uma vitrine digital. Eu construí essa vitrine com alegria.
Ouvi e pensei nos meus próprios cadernos, nas crônicas lançadas ao vento durante todos esses anos. Talvez a fé também seja isso: escrever para que alguém, em algum lugar, encontre o que não sabia que buscava.
Carlo Acutis começou a me contar histórias simples, feito quem folheia um álbum sem legendas. Falou dos colegas que sofriam com o divórcio dos pais e que ele levava para casa, para que não comessem sozinhos o pão da tristeza. Lembrou-se de Rajesh, o porteiro brâmane, que, entre uma saudação e outra, descobriu no menino italiano uma fé tão viva que acabou se tornando sua própria fé.
— A santidade não está em fazer coisas grandes, Briguet. Está em enxergar quem os outros não enxergam.
Enquanto Carlo Acutis falava, percebi que alguns vultos se aproximavam: os colegas esquecidos, o porteiro convertido, os moradores de rua que foram ao seu enterro. Todos cabiam na conversa como se fossem os verdadeiros protagonistas. Eu, que sempre escrevi para sete leitores, percebi que Carlo escrevia para os sem-nome.
Depois, o semblante de Carlo se tornou mais sério, mas não triste.
— A leucemia foi rápida, como um trem que não dá aviso. Eu sabia que o bilhete estava comprado, mas ofereci a viagem pelo Papa e pela Igreja.
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Ele dizia isso sem heroísmo, como quem menciona um dever simples. Contou-me que a igreja ficou cheia no dia do enterro. Apareceram colegas, mendigos, gente que sua família nem conhecia.
— Era como se todos os anônimos quisessem me acompanhar até a porta.
Eu sabia, mas também lembrava: depois da morte vieram os sinais. Um menino em Campo Grande tocou sua camiseta e foi curado. Uma jovem da Costa Rica voltou da sombra após a oração da mãe junto ao seu túmulo em Assis. Carlo falava pouco dessas coisas, como quem não quer tomar para si a glória que pertence a Deus.
Então Carlo Acutis olhou-me como quem sabe que a conversa se aproximava do fim.
— Serei canonizado no dia 7 de setembro.
Sim, hoje também é o Dia da Independência do Brasil — o país do menino curado, um país que precisa ser curado. Pensei em Dom Pedro às margens do Ipiranga, na carta de Leopoldina, e em um adolescente às margens do Céu, proclamando outra liberdade.
Antes de se despedir, Carlo Acutis falou como se dirigisse não apenas a mim, mas a todos que me escutam:
— Diga aos brasileiros que a verdadeira independência está na Eucaristia. Esse é o grito que nunca vai cessar, nunca.
E então o menino sorriu de novo e desapareceu como quem apenas virou a página de um livro sem fim.
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