Carta a Léo Lins: a liberdade em lugar incerto e não sabido

“Um coração alegre está mais perto de Deus.”
(São Filipe Néri, padroeiro dos humoristas)

Caro Léo Lins,

Quando recebi a notícia da sua condenação, estava participando de um pequeno concurso de imitações em um grupo de amigos no WhatsApp. Os concorrentes eram este cronista de sete leitores (que há muitos anos acompanha e aprecia seu trabalho), um comediante talentosíssimo perseguido pelo atual regime, um empresário e um economista, todos queridos amigos.

Eu imitava o Lula; o comediante imitava o Silas Malafaia; o empresário imitava o Fernando Gabeira; e o economista imitava o Jair Bolsonaro. 

A notícia da sentença que o condenou a 8 anos de prisão e o pagamento de uma multa milionária nos foi dada por outro amigo, um conhecido advogado defensor da liberdade de expressão, que comentou:

— Amigos, só mesmo vocês para me fazer rir nestes tempos...

Na semana passada, os católicos comemoraram o dia de São Filipe Néri, padroeiro dos comediantes, que viveu no século XVI. E foi exatamente nele, no Santo da Alegria, que pensei ao concluir minha imitação do autor da Lei Anti-Piada e saber da sua sentença. 

São Filipe Néri costumava repetir a frase que está na epígrafe desta carta, e isso explica por que os ditadores odeiam tanto os humoristas. Se a alegria e o riso nos fazem ficar mais perto de Deus, elas nos fazem ficar mais perto da verdade. E a relação riso-verdade é fatal para regimes construídos sobre montanhas de mentiras.

Não foi por outro motivo que Stálin, um dos maiores tiranos e assassinos de todos os tempos, mandou para a morte, entre seus milhões de vítimas, o maior poeta russo do século XX, Ossip Mandelstam.

No auge do terror soviético, Mandelstam compôs um poema de 16 versos em que ridicularizava o ditador comunista. Todo o poema é excelente, mas acredito que estes versos provavelmente mexeram com os brios de Stálin:

Seus dedos são gordos como vermes,
E palavras de chumbo caem de seus lábios.
Seus bigodes de barata fitam de soslaio
E brilha o bico de sua bota.

Não é genial, Léo? Comparar os dedos de Stálin a vermes e seus bigodes a uma barata! Imagine a cara do ditador lendo isso. 

É claro que Stálin ordenou a imediata prisão de Mandelstam. Ele foi condenado a cinco anos de trabalhos forçados na Sibéria, pena que não chegou a cumprir, pois morreu de fome e exaustão em um campo de trânsito em 27 de dezembro de 1938. 

A morte do grande poeta russo foi testemunhada e registrada pelo escritor e preso político Varlam Chalámov no conto “Xerez”.

Léo, eles sempre odiaram o humor porque o humor revela toda mesquinhez e podridão de suas almas

É por isso que Luiz Manoel Otero Alcântara está apodrecendo na prisão em Cuba; é por isso que José Rafael Guzmán teve que sair da Venezuela, ou seria preso por afrontar a Ley contra El Odio; é por isso que a Gestapo perseguia os humoristas judeus dos cabarés; é por isso que os agentes da Stasi desgraçavam a vida de quem contava anedotas sobre a Alemanha Oriental; é por isso que simples piadas sempre foram motivo de perseguição e prisão nos países comunistas e fascistas.

Hoje, humoristas como Chico Anysio, Jô Soares, Agildo Ribeiro e Os Trapalhões, que faziam piadas politicamente incorretas em plena ditadura militar, estariam sendo perseguidos por magistrados como a Sra. Barbara de Lima Iseppi. 

A propósito, Léo, você sabe quem foi o orientador da Dra. Barbara na graduação em Direito? O professor Mauro Iasi — aquele que em 2015 falou em oferecer uma “boa bala” e uma “boa cova” aos conservadores.

Mas eu ainda tenho esperança, Léo. Sempre que um comediante é perseguido por suas piadas, eu me lembro daquele que para mim é um dos personagens mais fascinantes de Shakespeare: o Bobo do Rei Lear. 

A única pessoa que tinha coragem de dizer a verdade ao velho monarca. No primeiro ato da peça, o comediante da corte diz a Lear:

— Agora eu sou o Bobo, e você é nada.

Um dia, você também dirá essa frase aos seus perseguidores. Mas hoje, infelizmente, a liberdade no Brasil está em Lins: lugar incerto e não sabido.

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