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Um famoso apresentador de TV condenou a recente operação contra os narcoterroristas e lamentou as mortes dos bandidos. Na mesma linha, o ocupante da Presidência da República anunciou ontem que vai abrir uma “investigação paralela” para apurar a “matança” no Rio e usará dinheiro dos impostos para indenizar as famílias dos narcoterroristas.
Quando ouvi as palavras de Huck e Lula, imediatamente pensei no abismo que separa a elite dos famosos e a maioria da população brasileira. E me lembrei de duas histórias que refletem esse abismo.
Dias atrás, Waldemar estava passando pela Linha Amarela. Na altura do Morro do Timbau, percebeu que havia algo errado. Vários motoristas davam marcha-à-ré, enquanto outros saíam para se proteger atrás dos carros.
Apesar de estar andando em um carro blindado, Waldemar teve um gesto natural e automático nessas situações: abaixou-se para não ser atingido pelos disparos dos narcoterroristas.
E foi ali, escutando a fuzilaria dos bandidos, que Waldemar disse para si mesmo:
— Gabriel faria 40 anos hoje.
Gabriel era um menino bom, inteligente, carismático e estudioso. Aos 20 anos, prestou dois vestibulares, numa faculdade particular e numa universidade pública. Waldemar prometeu-lhe um carro de presente se passasse na universidade; se passasse na faculdade particular, o valor seria usado para custear as mensalidades.
O rapaz foi aprovado nos dois vestibulares, e optou pela faculdade particular.
— Sabe o que é, pai? Na universidade pública os professores estão sempre em greve. A faculdade particular é melhor.
Waldemar ficou admirado com o senso de responsabilidade do filho — e lhe deu o carro mesmo assim.
Pois foi para roubar esse carro que dois bandidos assassinaram Gabriel aos 20 anos de idade.
Duas décadas depois, durante o tiroteio na Linha Amarela, Waldemar mais uma vez reviveu essa história dolorosa e, ao olhar de relance pelo retrovisor, viu que tiro de fuzil, capaz de furar até mesmo a blindagem, acertava a mureta próxima ao seu carro.
E foi exatamente ali, naquele mesmo trecho da Linha Amarela, que Bárbara Elisa Yabeta Borges, de 28 anos, estava passando na última sexta-feira.
Uma bala de fuzil já havia atingido a sua cabeça cheia de sonhos e planos para o futuro
Bárbara acordou naquela manhã sem saber que era a sua última. Pouco antes de chamar o Uber, ela publicou em seu perfil no Instagram um comentário do palestrante Edgard Abbehunsen:
“É caríssimo perder o que não tem preço. A gente gasta tanto tempo correndo atrás do que tem preço, que esquece de cuidar do que tem valor. Vive acumulando coisas e perdendo pessoas. E quando percebe, o tempo já levou o que o dinheiro nunca traria de volta. Então, por favor, cuide de quem te ama. A maioria das coisas que perdemos, a gente recupera, mas pessoas, não”.
Quando o motorista do Uber se virou para alertar Bárbara sobre o fogo cruzado e recomendar que ela se abaixasse, uma bala de fuzil já havia atingido a sua cabeça cheia de sonhos e planos para o futuro. Aquela bala, que saiu da arma de um narcoterrorista, impediu que Bárbara se tornasse mãe e voltasse em segurança para seu marido e sua família. Aquela bala cortou abruptamente uma existência criada por Deus para fazer o bem e a buscar a virtude. Aquela bala matou a Bárbara mãe, a Bárbara esposa, a Bárbara filha, a Bárbara amiga, a Bárbara colega, a Bárbara bancária, a Bárbara viajante, a Bárbara carinhosa, a Bárbara sorridente, todas as Bárbaras que o tempo ainda poderia proporcionar.
Não há mais tempo para Bárbara.
Mergulhada na dor, a tia de Bárbara, Ângela Ávila, no enterro da sobrinha, disse aquilo que todos nós gostaríamos de dizer:
— A bandidagem se espalhou aqui de um jeito que ninguém mais tem condições, ninguém mais tem paz de viver, de achar que o filho vai sair… O melhor barulho que se ouve é quando um filho abre a porta de casa e diz: “Mãe, eu cheguei”. E a mãe se alivia, dorme em paz, porque do contrário não tem sossego, não tem paz, não tem nada. E aí, cadê os ‘direitos humanos’ sobre a Bárbara nesse momento que perdeu a vida na flor da sua idade? É uma tristeza imensa. Aí, quando o governo toma uma providência, vêm os ‘direitos humanos’ reclamar e outras emissoras dizendo que foi uma chacina que fizeram. Não é isso! Não é nada disso! O povo tem razão.
Bárbara, assim como Gabriel, nunca fará 40 anos. Só em 2014, 44.127 famílias choraram a morte de seus entes no Brasil, enquanto outras 81.873 viveram a angústia do desaparecimento de alguém próximo.
Até quando vamos continuar enterrando inocentes? Até quando as classes falantes vão vitimizar os algozes e culpar as vítimas? Até quando os lobos vão devorar as ovelhas enquanto os pastores são impedidos de protegê-las? Por quanto tempo vamos precisar esperar o fim desse pesadelo? Quarenta anos?




