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“Ensina-nos a contar os nossos dias, de tal maneira que alcancemos corações sábios.” (Salmos 90,12)
Cheguei aos 50 anos. Muitos dizem que as reflexões sobre o peso da idade começam aos 40. Comigo a coisa aconteceu agora. Mas não digo isso com pesar; talvez “peso” nem fosse a palavra mais adequada. Um filme passou por minha cabeça e comecei a me dar conta de quantas coisas vivi, quantas situações, aventuras, alegrias, tristezas, conquistas, vitórias, derrotas... Não posso reclamar; se tem algo que minha vida não foi até aqui, foi monótona, medíocre, insossa.
Nasci em 1975, em Guarulhos, o segundo maior município do estado de São Paulo, mas uma cidade cruelmente deteriorada pelo descaso e pela corrupção. Minha família havia acabado de adquirir uma casa própria em circunstâncias quase miraculosas, e meu pai estava se graduando em sua segunda faculdade, Direito (a primeira foi Ciências Contábeis), após retomar os estudos na vida adulta, com quatro filhos para criar. Minha mãe faria o mesmo anos depois e retornaria ao mercado de trabalho aos 56 anos.
Não posso reclamar; se tem algo que minha vida não foi até aqui, foi monótona, medíocre, insossa
Em 1984 nos mudamos para o Jardim Tremembé, zona norte de São Paulo. Meu pais se separaram não muito tempo depois. Mas, graças a Deus, de modo amigável, sem jamais perder o contato. Muito pelo contrário, passei a ver meu pai com mais frequência e, depois, comecei a trabalhar com ele. Ele morreu em 2012, mas sua influência em minha vida é absolutamente indelével; eu não seria um terço do que sou sem ela. A saudade, que já doeu bastante, agora é doce. Julgo que ele estaria orgulhoso dos rumos que minha vida tomou. Ele não viu minha transição de carreira de TI para a docência; pela proximidade que tínhamos, foi capaz de prever muita coisa – por exemplo, quando me presenteou com uma caneta Montblanc e disse: “guarda para quando você publicar o seu primeiro livro”.
Aprendi muitas coisas nesses 50 anos, mas gostaria de compartilhar algumas com o leitor como uma maneira de agradecer pela companhia nesse espaço tão querido por mim. A minha atividade de articulista, por exemplo, não foi planejada. Na verdade, começou quando minha inspiração para a poesia arrefeceu, por volta de 2012, e criei o blog Esperando as Musas. Em 2015, esta Gazeta do Povo, por meio do meu editor (e, desde então, amigo), Marcio Antonio Campos, muito generosamente me procurou para um artigo; depois veio outro, e outro..., até o contrato, em 2018. É uma alegria e uma honra fazer parte desse time.
A primeira e mais importante lição aprendida nesses cinquenta anos é que a família é o bem mais precioso de todos. Em minha casa sempre fomos muito unidos e as desavenças, normais em todas as famílias, jamais nos afastaram. Quando meu irmão Carlos morreu, em 2014, lembro que voltamos do enterro para a casa de minha mãe e, naquele momento, renovamos o compromisso de jamais nos afastarmos, por nada. Isso é uma bênção de Deus. Se o leitor tem algum conflito familiar, quero dizer que vale qualquer esforço para resolvê-lo, pois uma família desunida torna cada membro em particular mais vulnerável. Hoje, casado, adotamos esse preceito aqui também.
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Outra preciosa lição é a de que os amigos – sobretudo os de longa data – são um bem preciosíssimo. Já falei sobre isso nesta coluna e reafirmo, com a frase de C.S. Lewis, de que a amizade é “o mais plenamente humano de todos os amores – coroa da vida e escola da virtude”. No último fim de semana aluguei uma chácara em Arujá, cidade próxima da capital, e convidei familiares e amigos para comemorarmos meu aniversário. Foi uma bênção constatar que desfruto da amizade de algumas daquelas pessoas há mais de 40 anos. Amigos leais, presentes nos melhores e piores momentos. Repito uma verdade incontestável dita por Lewis:
“Ninguém nos conhece tão bem quanto nosso ‘camarada’. Cada passo da Jornada em comum é um teste de sua fibra – e nós compreendemos perfeitamente esses testes, porque nós também estamos passando por eles. Assim, cada vez que ele é aprovado, nossa confiança, respeito e admiração crescem como um Amor Apreciativo de um tipo singularmente sólido e bem informado.”
Aprendi na vida adulta que cultivar as virtudes cardeais é algo que todos os seres humanos deveriam fazer
Aqui vai uma lição que julgo ser uma herança moral diretamente vinda dos meus pais: seja sempre coerente, honesto e sincero em suas posições, mas jamais inflexível. Há ônus e bônus (como em quase tudo) em sermos assim. Entretanto, julgo que, no fim das contas, é mais fácil e menos traumático termos de lidar com as consequências de sermos coerentes e sinceros do que se formos inconstantes e volúveis o tempo todo. Lembro-me sempre de Violet Crawley, personagem da inigualável Maggie Smith na série Downton Abbey. Lady Crawley era a mais conservadora dos nobres membros do clã Grantham, mas também a mais compreensiva e leal. Era firme, resistente a mudanças e, por vezes, parecia inflexível. Mas jamais era como o carvalho da fábula.
E, por último, algo que aprendi na vida adulta: cultivar as virtudes cardeais é algo que todos os seres humanos deveriam fazer. Como eu disse em outra ocasião, “são elas que nos dão condições para reconhecer e agir diante das situações reais que nos cercam diariamente”. A prudência nos ajuda a ver as coisas como são; a justiça nos faz, em todos os sentidos, dar a cada um o que é devido; a temperança nos mantém equilibrados entre o excesso e a falta; e a fortaleza nos torna capazes de resistir aos infortúnios e nos infunde um senso de sacrifício. Virtudes são hábitos, ou seja, só seremos virtuosos se praticarmos as virtudes até que elas se tornem parte de nós.
Eu poderia listar outras tantas lições; afinal de contas, 50 anos não são 50 dias. E, como disse, eu os vivi intensa e conscientemente até aqui. Mas creio que essas quatro são suficientes para animar meus atentos leitores a, se quiserem, seguirem pelo mesmo caminho. Deixo aqui o meu muito obrigado pela oportunidade de poder compartilhar minhas ideias – e ser lido –, e que venham outros 50 anos! Amém.
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos




