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Paulo Cruz

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A liberdade é um direito radical. Coluna semanal

Filosofia

O que aprendi com Platão?

Platão Escola de Atenas
Platão representado no afresco "A Escola de Atenas", de Rafael Sanzio. (Foto: Wikimedia Commons/Domínio público)

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“Daí, ter sido levado a fazer o elogio da verdadeira filosofia, com proclamar que é por meio dela que se pode reconhecer as diferentes formas da justiça política ou individual.” (Platão, Carta VII)

Quando decidi estudar Filosofia seriamente, Platão foi o primeiro filósofo pelo qual me apaixonei – e uso paixão aqui no sentido platônico mesmo, utilizado por ele em seu Banquete, de atração ao que é Belo – e, desde então, eu o considero o maior filósofo de todos os tempos. Isso por um motivo muito simples: ele nos ensina a pensar e, sobretudo, a termos amor e respeito pelo conhecimento, ajudando-nos a evitar a sedução dos sofistas e das ideologias. NʼO Banquete, através da sacerdotisa Diotima, Platão nos esclarece:

“Quem tiver sido levado até esse ponto pelo caminho do Amor, após a contemplação gradativa e regular das coisas belas, já próximo da meta final do conhecimento amatório, perceberá de súbito uma beleza de natureza maravilhosa, precisamente, Sócrates, a que constituirá a razão de ser de seus esforços anteriores: para começar, é sempiterna, não conhece nascimento nem morte, não aumenta nem diminui; ao depois, não é bela de um jeito e feia de outro, ou bela num determinado momento para deixar de sê-lo pouco adiante, nem bela sob tal aspecto e feia noutras condições, ou aqui sim e ali não, ou bela para algumas pessoas porém feias para outras; beleza que não se lhe apresentará sob nenhuma forma concreta, como fora o caso de um belo rosto ou de belas mãos ou de qualquer outra parte do corpo, nem sob o aspecto de um discurso ou conhecimento, nem como algo existente em qualquer parte, num animal, por exemplo, na terra, no céu ou seja no que for, mas que existe em si e por si mesma e é eternamente una consigo mesma, da qual todas as coisas belas participam, porém de tal modo, que o nascimento e a morte delas todas em nada a diminui ou lhe acrescenta nem causa o menor dano.”

Todos os grandes pensadores do conservadorismo tinham Platão em alta conta

Nesse sentido, a filosofia não é só um amontoado de opiniões dadas ou teorias criadas por figuras históricas do pensamento humano – os filósofos –, que podem ser ou não aceitas. A Filosofia, com “F” maiúsculo, é a atividade humana mais excelente, pois o conhecimento é, segundo Aristóteles, um desejo inato ao ser humano. Todas as advertências que Platão nos dá, em seus Diálogos, para que nós nos afastemos das opiniões, das meias-verdades, ocorrem no sentido de resguardar a nossa integridade intelectual e de, ao fim e ao cabo, como ele demonstra na arquiconhecida Alegoria da Caverna, nos fazer alcançar o Bom, o Belo e o Verdadeiro.

O envolvimento com a Filosofia não nos permite escolher, para nós, de modo privativo, as verdades que nos interessam ou as mentiras que aplacam o nosso ego. Trata-se de um compromisso sério, de um envolvimento profundo, espiritual até, que em Platão se confunde com a religiosidade, com uma virtude que agrada a Deus.

Curiosamente, todos os grandes pensadores do conservadorismo tinham Platão em alta conta, pois, obviamente, sua oposição às ideologias progressistas se dava em relação a uma observação acurada e honesta da realidade, de uma avaliação profunda das implicações de nossas ações no mundo e das consequências do pensamento fragmentário das fórmulas para mudá-lo.

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Eric Voegelin, um dos expoentes do pensamento conservador (ainda que, formalmente, não se apresente nesses termos), nos dirá em suas Reflexões autobiográficas que a única maneira de retomar o contato com a realidade, perdido pela avalanche de pensamento ideológico no século 20, é “recorrer a pensadores do passado que ainda não a tinham perdido ou estavam empenhados em recuperá-la” – Platão e Aristóteles são os principais –, e, nesse sentido, “reconstruir as categorias fundamentais da existência, da experiência, da consciência e da realidade”.

No Fédon, Platão dirá: “embora os homens não o percebam, é possível que todos os que se dedicam verdadeiramente à Filosofia, a nada mais aspirem do que a morrer e estarem mortos”. E essa noção da mortalidade é precisamente o que Voegelin chama de “consciência da expectativa escatológica”, que é, de fato, um “fator ordenador da existência”. De modo que nossas sensações, nossas vontades imediatas, nossa tentativa de moldar o mundo à nossa imagem é uma armadilha perigosa. Somente “valendo-se do pensamento puro, esforçar-se por apreender a realidade de cada coisa em sua maior pureza, apartado, quanto possível, da vista e do ouvido, e, por assim dizer, de todo o corpo, por ser o corpo fator de perturbação para a alma e impedi-la de alcançar a verdade e o pensamento, sempre que a ele se associa”, é possível apreender a realidade e alcançar o “conhecimento do Ser”. E nada pode ser mais conservador do que isso.

Jamais seremos capazes de reconstruir a ordem das coisas se nos deixarmos levar pelo desespero de antecipar o tempo favorável para as verdadeiras mudanças na sociedade

Aqueles que estão encantados por esse mundo, pela vontade política de alterá-lo sem respeitar a finitude das coisas e as limitações impostas a nós pela nossa natureza, tendem – e fatalmente o fazem – a cair no mesmo pensamento ideológico que, muitas vezes, criticam em seus oponentes. A virtude conservadora é rigorosa nesse ponto, e não negocia com as paixões políticas e nem com as facilidades sedutoras das circunstâncias. É fundamentalmente isso que nos ensina Platão.

Por esse motivo, todas as vezes que olho para o debate público na atualidade e me lembro das valiosíssimas lições aprendidas nos diálogos platônicos, penso em como estamos distantes de compreender o poder que há na prudência, no olhar profundo e cuidadoso voltado à realidade. Jamais seremos capazes de reconstruir a ordem das coisas se nos deixarmos levar pelo desespero de antecipar o tempo favorável para as verdadeiras mudanças na sociedade.

Para Platão, que desistiu da política para fundar uma escola, há um tempo para a maturação do conhecimento antes da ação (da ação política, inclusive), pois, na ânsia do agir, pode acontecer “o que se dá com as pessoas que observam e contemplam o Sol quando há eclipse: por vezes perdem a vista, se não olham apenas para a imagem dele na água ou nalgum meio semelhante. Pensei nessa possibilidade e receei ficar com alma inteiramente cega, se fixasse os olhos nas coisas e procurasse alcançá-las por meio de um dos sentidos”. E o que ele fez: “pareceu-me aconselhável acolher-me ao pensamento, para nele contemplar a verdadeira natureza das coisas”. É o que tenho procurado fazer. E você?

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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