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“A discriminação racial geralmente não é muito discriminatória, no sentido em que um conhecedor de vinhos é discriminador ao ser capaz de detectar diferenças sutis em sabores, aromas ou safras. Quando foi recusada permissão a Marian Anderson para cantar no Constitution Hall de Washington, em 1939, isso não teve nada a ver com suas características como cantora ou como pessoa. Ela era negra e pronto.” (Thomas Sowell, Discrimination, Economics, and Culture)
Vinícius Jr. é um jogador excepcional. Em números, se tornou o segundo maior artilheiro brasileiro da história do Real Madrid, com 70 gols. E, apesar de seu desempenho na seleção brasileira ainda não estar a contento, não se pode negar que é um jogador diferenciado, que tende a crescer muito e tem plena possibilidade de dar muitas alegrias ao País do Futebol. Em termos de imagem, em 2022 aumentou em oito vezes seu valor comercial, triplicando seus vencimentos no Real e passando de R$ 5 milhões para cerca de R$ 40 milhões anuais em patrocínios. Vini Jr. também é o jogador brasileiro mais valioso do mundo.
Mas nada disso o livra de um antigo problema nos estádios espanhóis onde atua: o racismo. Vinícius Jr. tem sido alvo preferencial de ofensas racistas durante os jogos do campeonato da liga nacional de futebol, La Liga. Recentemente, até um boneco negro com a camisa dele foi colocado numa ponte, em Madri, simulando seu enforcamento. Xingamentos em campo e fora do campo o fizeram se manifestar, numa rede social, sobre o que lhe ocorre com frequência:
“Não foi a primeira vez, nem a segunda e nem a terceira. O racismo é o normal na La Liga. A competição acha normal, a Federação também e os adversários incentivam. Lamento muito. O campeonato que já foi de Ronaldinho, Ronaldo, Cristiano e Messi hoje é dos racistas. Uma nação linda, que me acolheu e que amo, mas que aceitou exportar a imagem para o mundo de um país racista. Lamento pelos espanhóis que não concordam, mas hoje, no Brasil, a Espanha é conhecida como um país de racistas. E, infelizmente, por tudo o que acontece a cada semana, não tenho como defender. Eu concordo. Mas eu sou forte e vou até o fim contra os racistas. Mesmo que longe daqui.”
Vini Jr. assumiu, orientado por alguém ou não, a missão de lutar contra o racismo não só no futebol espanhol, mas no mundo. E tal pretensão me assusta
O Real Madrid prestou queixa no Ministério Público espanhol; o governo, ao que tudo indica, está se mobilizando – apesar da pouca efetividade – para lutar contra o problema; a polícia pode expulsar os racistas do campo e até o governo brasileiro está atuando no sentido de pressionar o governo espanhol a ações mais severas para punir os racistas. O presidente do Conselho para Eliminação da Discriminação Racial ou Étnica (Cedre), integrado ao Ministério da Igualdade espanhol, Antumi Toasijé, disse recentemente que “o racismo tem uma longa tradição na Espanha”, mas que esse é um momento de retrocesso. O próprio Vini Jr. lançou uma campanha a fim de conscientizar as pessoas para a crueldade do racismo e mobilizá-las para o enfrentamento.
Entretanto, por ora, nada adianta. Dias atrás, durante a coletiva de imprensa antes de um amistoso entre as seleções brasileira e espanhola, a fim de, justamente, combater o racismo, Vini Jr. se queixou de tudo o que vem sofrendo no país europeu e chorou emocionado, dizendo: “Só quero jogar futebol e fazer o melhor para a minha família”. Mas algumas coisas que Vini Jr. disse na coletiva me fizeram pensar. Ao ser perguntado, por exemplo, por que ele acha que se tornou alvo do racismo dos torcedores espanhóis, ele disse:
“Acredito que é algo muito triste tudo que venho passando aqui a cada jogo, a cada dia, a cada denúncia minha vem aumentando. Acredito também que eu e todos os negros, não só na Espanha, mas no mundo todo, sofrem no dia a dia. O racismo verbal é minoria perto de tudo que os negros sofrem. Meu pai sempre teve dificuldade de trabalhar por ser negro. Na dúvida, sempre escolhem o branco. Luto por tudo que vem acontecendo comigo. É desgastante, você está meio que sozinho em tudo. Já fiz muitas denúncias e ninguém é punido. Luto pelas pessoas que vão vir e minha família. Se fosse só eu, já teria desistido. Vou triste para casa. Fui escolhido, então estudo mais sobre a cada dia. Meu irmão tem 5 anos e que ele não passe por tudo que estou passando.” (transcrição não literal, retirada do site Bol)
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O tom de suas respostas, todas parecidas com essa, acima, mostram que Vini Jr. assumiu, orientado por alguém ou não, a missão de lutar contra o racismo não só no futebol espanhol, mas no mundo. E tal pretensão me assusta. Não só porque ele é um garoto de 23 anos, fruto de uma geração que nem sequer tem a mesma estrutura emocional que as gerações anteriores para lutar contra o racismo – geração fragilizada pelo sentimentalismo e pelo ressentimento ideológico –, mas porque parece ignorar que o racismo é um problema difícil de combater, pois é fruto da imperfeição humana, sobre o qual muitos se debruçaram e se debruçam, sempre com sucesso relativo. Qualquer pretensão de mudar o mundo, como se estivesse num filme ou num jogo de videogame, será frustrada.
Mas há mais: o choro de Vini Jr. evidencia um jovem emocionalmente fragilizado por toda a exposição e toda a carga que assumiu para si. Em dado momento, ele citou Muhammad Ali como um exemplo de atleta que lutou contra o racismo. O caro leitor consegue imaginar Ali chorando numa entrevista coletiva? Pois é, eis uma das principais diferenças. Ali lutava contra uma causa maior que ele, os Direitos Civis dos negros americanos, que sofriam por mais de um século com leis segregacionistas. Causa essa pela qual muitos morreram, dentre eles Martin Luther King Jr. e Malcolm X. Pelo que Vini Jr. luta?
Num dado momento da entrevista, um jornalista diz: “tem um ditado que a gente usa muito, ʻcrer, ousar e fazer é a tua sinaʼ. Com certeza a tua sina é esta luta. Não desista nunca, o Brasil é o mundo acreditam em você”. A voz do jornalista era a de um homem experimentado, não me parecia jovem (ele não aparece no vídeo). Como um homem adulto consegue descarregar essa responsabilidade num jovem de 23 anos que acabou de ver chorar? Pois é isso que a imprensa e a militância negra têm feito com Vini Jr. Veja como Jeferson Tenório, escritor e colunista do UOL, falou sobre o caso Vini Jr. num artigo absurdamente intitulado “Caso Vini Jr. já é um marco histórico na luta antirracista global”:
“Assim como Rosa Parks, ativista negra que, em 1955, no Alabama (EUA), se recusou a ceder um lugar no ônibus para uma pessoa branca, ou ainda quando Martin Luther King liderou um movimento para que negros pudessem entrar numa piscina num hotel em 1965, a atitude do jogador Vinicius Jr. diante de torcedores racistas deve ser encarada como mais desses marcos históricos que pontuam um posicionamento importante na luta contra o racismo.”
Como um homem adulto consegue descarregar a responsabilidade de lutar contra o racismo global num jovem de 23 anos que acabou de ver chorar? Pois é isso que a imprensa e a militância negra têm feito com Vini Jr.
Isso não faz qualquer sentido. É uma tentativa de alçá-lo a um patamar que só serve aos interesses desses militantes que têm no racismo a causa de sua vida e a fonte de sua renda. Vini Jr. é um jogador de futebol cuja carreira, para ser bem-sucedida e longeva, necessita de muita concentração e treino. Nessa mesma entrevista ele disse que já pensou em desistir de jogar, o que demostra um desgaste emocional que pode prejudicá-lo.
Edson Arantes do Nascimento, o glorioso Pelé, o maior jogador de futebol de todos os tempos, a despeito de toda a difamação estúpida e infundada que sofreu, de nunca ter ligado para a luta contra o racismo, foi, de fato, um exemplo de engajamento inteligente e efetivo, não só por sua figura, por si só imponente e irrepreensível – e inescusavelmente preta –, mas por ações concretas. Jorge Terra, diretor de relações institucionais do Instituto Acredite, diz: “Vê-lo em posição de destaque contribuiu para que as pessoas negras tivessem mais autoestima. Nos víamos em posição de subordinação, e quando ele aparecia sendo reconhecido como alguém que fazia com excelência a sua atividade, nós todos nos sentíamos elogiados e capazes de fazer o nosso papel de maneira satisfatória”. E há mais. A matéria do jornal Zero Hora complementa:
“Se ainda não era considerado explícito o bastante, Pelé foi em 14 de novembro de 1995 – em 1988 ele havia feito parte da campanha dos 100 anos da abolição da escravatura. Então ministro dos Esportes, ele abriu as portas do seu gabinete para representantes da Marcha Contra o Racismo. A caminhada seria realizada seis dias depois e homenageava os 300 anos da morte de Zumbi dos Palmares. O político ilustre serviu como um garoto-propaganda do evento. ‘Queríamos dar visibilidade e colocar a Marcha na mídia. Ele não só nos acolheu, como nos escutou e se emocionou um bocado. Ele era inspirador. Não precisava de discursos contra o racismo para influenciar nessa briga. Com ele, passa a existir a possibilidade de realização da cidadania plena, da igualdade de direito para o negro’, enfatiza Edson Lopes Cardoso, secretário-geral do movimento e autor do livro Nada os Trará de Volta.”
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Há muitos outros exemplos, bem evidenciados na imprensa após a sua morte, em 29 de dezembro de 2022, e também nos documentários a seu respeito. E Marcelo Carvalho, criador e diretor do Observatório da Discriminação Racial, disse, em entrevista, que “é uma injustiça muito grande dizer que ele nunca se manifestou na luta contra o racismo”.
Vinícius Jr., se não quiser fazer de sua luta um fim em si mesmo, ou de mera campanha para alimentar sua imagem de mártir em causa própria, talvez deva deixar os abutres que não se cansarão de usá-lo como símbolo para limpar sua sujeira, e se espelhar no exemplo do maior atleta brasileiro de todos os tempos (e negro), que soube driblar as especificidades da discriminação, do racismo e da cultura de subalternização do negro tão presentes no Brasil, e garantir o futuro vitorioso não só para seu clube, mas para a sua carreira, para sua família e para si mesmo, e quem sabe ainda não ajuda a nos trazer o hexa que há muito esperamos.
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos