• Carregando...
Campo de refugiados sudaneses no Chade.
Campo de refugiados sudaneses no Chade.| Foto: Henry Wilkins/VOA/Wikimedia Commons

A guerra civil no Sudão, iniciada em 15 de abril de 2023, acaba de completar quinhentos dias, engolfando o terceiro maior país da África na pior crise humanitária atualmente em curso. Estima-se que cerca de 150 mil pessoas já tenham sido mortas diretamente pelo conflito e dez milhões tenham sido obrigadas a deixar suas casas. Pelo menos 245 cidades e vilas já foram destruídas, o que inclui a capital, Cartum, devastada pela guerra. Apesar disso, a comunidade internacional não dedica praticamente nenhuma atenção ao enorme sofrimento imposto aos sudaneses.

A guerra é travada entre duas facções armadas, que utilizam tanto armamento convencional, como carros de combate, morteiros e aeronaves, quanto métodos terroristas. As forças armadas do país, lideradas pelo General Abdel Fattah Burhan, presidente do conselho que governa o Sudão, combatem a chamada Força de Ação Rápida (FAR), uma milícia que havia sido incorporada às forças regulares e que se rebelou, liderada pelo General Mohammed Hamdan Dagalo, conhecido como “Hemedti” que foi vice-presidente do mesmo conselho até o início do conflito.

Ambos os lados recebem apoios internacionais. Embora o governo dos Emirados Árabes Unidos negue envolvimento, há fortes indícios que ligam o país à FAR. Os Emirados estariam fornecendo, às forças rebeldes, drones modificados para lançar granadas de 120mm, inclusive termobáricas, que causam explosões mais intensas do que as provocadas por explosivos convencionais. O Irã e o Egito, de outro lado, armam o exército do Sudão. A Rússia também está presente, indiretamente, no conflito. Mercenários do grupo Wagner apoiam os rebeldes em troca da exploração de jazidas de ouro controladas por Hemedti.

Todo esse interesse internacional é provocado por fatores geopolíticos e econômicos. A localização estratégica do Sudão serve de ponte entre o Saara, o Sahel e o Chifre da África, atraindo a atenção de potências regionais que querem obter ganhos comerciais ou aumentar sua influência política sobre o continente africano.

O fato é que a interferência internacional no conflito alimenta uma crise humanitária sem precedentes. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), quase 80% das unidades de saúde do país, que operavam um sistema já precário antes da guerra, deixaram de funcionar. A organização Médicos Sem Fronteira, que do início da guerra até junho deste ano havia tratado mais de 30 mil crianças com desnutrição grave, denuncia que a ajuda que a população tanto precisa mal chega, e quando chega, muitas vezes é bloqueada pelas duas partes em conflito.

Um relatório da ONU, divulgado no início do mês passado, informa que o acampamento para refugiados de Zamzam, na cidade de Al-Fasher, região de Darfur, que abriga cerca de 1,8 milhão de pessoas, está “em situação de fome”. Desde o chamado “Comitê de Revisão da Fome”, criado pelas Nações Unidas há 20 anos, é a terceira vez que seu relatório indica “situação de fome” em uma região específica. Mas a própria organização reconhece que pelo menos outras 14 regiões do país, sobre as quais não há dados suficientes para aplicar a metodologia de avaliação, provavelmente também se encontram nessa terrível situação.

Tudo isso é agravado pela crise climática. Chuvas fortes e enchentes afetam o país e acabaram de provocar o colapso de uma represa na região de Porto Sudão, capital informal desde que Cartum foi arrasada pela guerra. Além da destruição causada pela enxurrada, o suprimento de água para Porto Sudão ficou seriamente afetado.

Tamanha destruição causa um impressionante fluxo de deslocados, agravando a questão migratória. 

Países vizinhos, que já enfrentam graves problemas, como o Chade, o Sudão do Sul e o Egito, recebem a maior parte dos refugiados. Mas o impacto já se faz sentir na Europa. No campo de refugiados instalado em Calais, norte da França, 60% das pessoas que solicitam asilo são sudanesas.

A terrível situação no Sudão escancara a total incapacidade dos organismos multilaterais em tomar qualquer atitude que possa minorar o sofrimento dos sudaneses

O Conselho de Segurança da ONU, paralisado, não consegue chegar a nenhuma decisão relevante há muito tempo. A União Africana, que havia suspendido o Sudão da organização em 2019, em razão do país não ter caminhado em direção a uma transição para um governo civil, também é incapaz de mediar qualquer proposta ou ação que leve à paz.

Diante desse cenário desolador, é imperativo que a comunidade internacional reavalie sua postura e suas prioridades em relação ao Sudão. A inércia dos organismos multilaterais e a indiferença global frente à escalada de violência e à catástrofe humanitária são moralmente insustentáveis. O Sudão precisa urgentemente de um esforço coordenado para um cessar-fogo imediato, a retomada de negociações de paz e o estabelecimento de operações de socorro humanitários eficazes.

Princípios básicos de solidariedade humana estão sendo negligenciados no Sudão, assim como na Ucrânia, na Faixa de Gaza, em Mianmar e em muitos outros lugares. Permitir que os acontecimentos sigam nesse rumo torna cada tragédia mais um precedente sombrio para a resolução de conflitos no continente africano e no mundo.

Conteúdo editado por:Aline Menezes
0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]