A atual crise na Venezuela é resultado de fatores internos. O regime de Nicolás Maduro não conseguiu realizar eleições presidenciais justas e transparentes, que fossem aceitas pela população ou pela maioria da comunidade internacional. Isso gerou uma onda de protestos em várias cidades do país, reprimidos de forma violenta pelo governo, resultando em mortes e prisões.
Apesar do caráter doméstico da questão, as reações internacionais à forma como as eleições na Venezuela foram conduzidas evidenciam a crescente influência da competição geopolítica entre EUA, China e Rússia na América do Sul.
Nesse sentido, embora a maior parte da comunidade internacional demonstre sua desconfiança em relação ao resultado proclamado pelo pleito, cobrando a apresentação de atas e documentos oficiais da contagem de votos, é significativo que Rússia, China, Irã, Cuba, Nicarágua e Bolívia tenham prontamente reconhecido os resultados e parabenizado Maduro pela reeleição. Isso ressalta o apoio ideológico vindo dos países mais alinhados ao regime venezuelano.
Em contrapartida, os Estados Unidos estão ao lado de Argentina, Uruguai, Costa Rica, Equador e Panamá, afirmando que a oposição venceu as eleições.
Embora considerem o Hemisfério Ocidental - abrangendo as Américas e os oceanos circundantes - como uma área vital para sua segurança, os EUA têm relegado a região a um segundo plano. Após os atentados de 11 de setembro de 2001, o foco geopolítico do país se voltou para o Oriente Médio, e, posteriormente, com o "pivô para a Ásia" durante o governo Obama, houve uma tentativa de conter a crescente influência chinesa na Ásia.
Nos últimos tempos, vendo crescer a presença da China e da Rússia na América Latina, os norte-americanos passaram a demonstrar com mais clareza seu desassossego.
A Venezuela, em especial, reúne quatro tipos diferentes de inquietações para os norte- americanos: de natureza geopolítica, securitária, econômica e ideológica.
No aspecto geopolítico, a Venezuela é o país sul–americano que mais permite a entrada da Rússia, da China, e até mesmo do Irã, no subcontinente. Nesse sentido, chama especial atenção a recente presença em um porto da Venezuela de uma flotilha russa, que incluía uma moderna fragata e um submarino de propulsão nuclear. A Venezuela é o maior importador de materiais e sistemas de emprego militar russos na região, além de receber, com frequência, militares e mercenários daquele país em seu território. Essa presença e integração causa enorme desconforto aos norte-americanos.
Os EUA deixam claro que suas principais preocupações de segurança em relação à América Latina são o narcotráfico e a imigração ilegal
Em relação à primeira questão, eles acusam membros do regime venezuelano de lucrarem com o narcotráfico, lembrando que parte da cocaína colombiana que chega aos EUA utiliza uma rota que passa pela Venezuela.
No que diz respeito à imigração ilegal, a massiva migração de venezuelanos, principalmente para a Colômbia, mas também para outros países, inclusive o Brasil, é vista como um problema sério, pois muitos desses migrantes têm como objetivo final chegar aos EUA.
Do ponto de vista econômico, a Venezuela trocou os EUA, que era o seu principal parceiro econômico, pela China, em um movimento que replica a tendência observada na maior parte dos países latino-americanos. Os chineses importam petróleo, minerais e produtos agrícolas da Venezuela, em troca de facilidades em empréstimos, investimentos e sistemas de armas.
Para além da questão econômica, entretanto, as transações entre os dois países atendem ao interesse geopolítico chinês de se fazer presente no interior de uma área de grande sensibilidade para os Estados Unidos.
Finalmente, há a questão ideológica. A China vem se apresentando ao mundo como uma alternativa para a conformação de uma nova ordem internacional, consubstanciada no que ela denomina ser uma “comunidade global de futuro compartilhado”, para substituir a ordem liberal-democrática vigente, liderada e conformada pelos EUA. Nesse sentido, a aproximação com a Venezuela pode servir como uma espécie de trampolim para o aumento da influência da China na América Latina, e de forma especialmente preocupante para os EUA, no Caribe.
A crise na Venezuela, portanto, é um reflexo das complexas dinâmicas internas, com reverberações para a competição em curso no Sistema Internacional. A incapacidade do governo de conduzir eleições justas e a consequente repressão violenta aos protestos internos evidenciam um regime em crise de legitimidade. Ao mesmo tempo, a reação internacional, dividida entre uma minoria que a apoia ideologicamente e uma maioria que tece críticas veementes, mostra como a Venezuela se tornou um campo de batalha simbólico na disputa geopolítica entre grandes potências globais.
Para os países latino-americanos, a situação na Venezuela é um lembrete da necessidade de fortalecer suas instituições democráticas, econômicas e militares, a fim de evitar se tornarem peões em uma disputa de poder global.
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