Pesquisas realizadas na Coreia do Sul em 2023 e 2024 revelam que mais de 70% da população se mostra favorável a que o país desenvolva suas próprias armas nucleares. As mesmas pesquisas revelam que a maioria dos entrevistados – cerca de 60% - não acredita que os EUA proverão a defesa adequada aos sul-coreanos em caso de conflito com a Coreia do Norte.
Muitos sul-coreanos acreditam que o país deve ser capaz de garantir sua própria segurança diante de seus vizinhos de norte, liderados por Kim Jong-un, um ditador imprevisível que, além de adotar uma retórica cada vez mais agressiva, vem aprimorando rapidamente as capacidades nucleares de seu país.
Os sul-coreanos chegaram a almejar a fabricação da bomba nuclear. Mas, em 1975, pressionados pelos EUA, desistiram do programa ao ratificarem a adesão ao Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP).
Os EUA, desde 1957, já mantinham dezenas de milhares de soldados estacionados na Coreia do Sul, comprometendo-se, dessa forma, com a segurança de seu aliado. Mas, embora 23,5 mil militares norte-americanos permaneçam até os dias de hoje desdobrados no sul da península da Coreia, o cenário global de segurança mudou. Como mostram as várias crises em curso pelo mundo, o conflito e as características do atual Sistema Internacional sugerem que os Estados sejam capazes de prover suas próprias seguranças.
A Coreia do Norte possui hoje os meios missilísticos necessários para lançar bombas nucleares contra o território norte-americano
A pergunta que os sul-coreanos se fazem é a seguinte: estariam os EUA, tanto a população quanto o governo, dispostos a correr o risco de uma represália nuclear em seu próprio território para defender a Coreia do Sul de um ataque norte-coreano?
Os vários meses de impasse no Congresso dos EUA quanto ao apoio à Ucrânia, além do veto ao envio de mísseis de longo alcance que poderiam atingir o território russo, demonstram que, na prática, há limites para esse tipo de apoio por parte dos EUA, independentemente de discursos e acordos.
Vale lembrar que a Ucrânia herdou o terceiro maior arsenal nuclear do mundo com o fim da União Soviética, mas renunciou a ele em favor da Rússia e concordou em aderir ao TNP pela assinatura dos Memorandos de Budapeste, em 1994.
Pelos acordos, Rússia, EUA e Reino Unido se comprometeram a não ameaçar ou usar qualquer força militar, ou coerção econômica contra a Ucrânia.
Hoje, a Rússia, não só não reconhece os limites fronteiriços que se comprometeu a respeitar, como já invadiu cerca de 20% do território do país em uma guerra que, no próximo sábado, chegará a dois anos e meio de duração.
Será que se a Ucrânia fosse até hoje uma potência nuclear ela teria sido invadida pela Rússia? Essa pergunta, que surge entre ucranianos, sul-coreanos e líderes de outros países, que se sentem ameaçados por vizinhos poderosos, encontra sua resposta nos fatos: um sonoro não.
Entretanto, apesar de ser uma ambição apoiada por ¾ da população, o governo da Coreia do Sul ainda não encampou a ideia, internacionalmente muito difícil de ser defendida, de se tornar uma potência nuclear.
Em abril deste ano, o presidente Yoon Suk Yeol esteve em Washington para uma reunião com o presidente Joe Biden, quando conseguiu uma declaração conjunta com o governo dos EUA, no qual se comprometem a tratar a Coreia do Sul como um “parceiro consultivo próximo em sua estratégia nuclear sobre a Península Coreana”.
Ao mesmo tempo, para fortalecer a dissuasão estendida na península, os EUA se comprometeram a enviar com maior frequência seus submarinos e meios navais mais poderosos em visitas à Coreia do Sul.
Por outro lado, em junho, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, esteve na Coreia do Norte, onde celebrou acordos militares que aprofundaram ainda mais as relações entre os dois países, que já vinham sendo incrementadas desde o ano passado, quando os norte-coreanos passaram a exportar grandes quantidades de munição para os russos na guerra contra a Ucrânia.
A eventual nuclearização total da península da Coreia teria consequências regionais. Certamente se estabeleceria a dinâmica do Dilema de Segurança, segundo a qual a decisão de um país de aumentar seu poderio militar para se defender acaba gerando insegurança em seus vizinhos, que dessa forma também se veem compelidos a se armar.
Isso atingiria especialmente o Japão, que provavelmente se veria forçado a pôr fim à trava constitucional que limita suas capacidades bélicas ofensivas e o colocaria em uma rota de aumento expressivo da capacidade militar, que por sua vez seria vista como uma ameaça por outros, como a China, em uma espiral armamentista.
Uma dinâmica semelhante também se observa no Oriente Médio, em relação ao Irã, que já enriquece Urânio a níveis próximos aos necessários para a fabricação da bomba e, embora negue essa intenção, mantém um programa nuclear opaco ao acompanhamento da Agência Internacional de Energia Atômica.
Esse desenvolvimento iraniano é observado com muita atenção por Israel, uma potência nuclear, mas também por norte-americanos e sauditas
Esses últimos, em face de um Irã nuclear, certamente também seriam compelidos a buscar a fabricação da bomba.
À medida que o cenário global se torna cada vez mais volátil, a busca por armas nucleares se torna uma opção mais atraente para países que enfrentam ameaças externas significativas. A crescente instabilidade na Península Coreana, juntamente com a incerteza quanto ao compromisso dos EUA em defender seus aliados, levanta questões sobre o futuro da não proliferação nuclear.
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